Com a audiência de seu produto mais nobre derrapando com "O Sétimo Guardião", a cúpula da Globo não teve dúvidas. Adiou para o final de 2019 a estreia às 21h de Manuela Dias (da minissérie "Justiça") e decidiu que a sucessora da conturbada novela de Aguinaldo Silva caberia ao autor com o melhor currículo da casa: Walcyr Carrasco, o único que já emplacou grandes sucessos em todas as faixas horárias.
Carrasco é conhecido pelo estilo direto, sem firulas, às vezes excessivamente didático. Suas tramas são básicas. Seus personagens costumam ser binários: o bom é bom e o mau é mau, sem muitas nuances no meio. Os críticos torcem o nariz, mas o público adora.
Como era de se esperar, sua "A Dona do Pedaço" estreou com cara de reprise. As primeiras cenas foram idílicas, mostrando a pequena Maria da Paz (Mirella Sabarense) brincando em campos floridos e aprendendo a fazer bolo com a avó, Dulce (Fernanda Montenegro). Quase um comercial de margarina.
O espectador sabe que idílios duram pouco, e os primeiros tiros não tardaram. Os Ramírez, a família de Maria da Paz, vivem em pé de guerra com seus vizinhos, os Matheus. As mortes são comentadas como acontecimentos triviais, ao redor da fogueira. E adivinha por quem a protagonista (vivida quando adulta por Juliana Paes) irá se apaixonar? Por Amadeu (Marcos Palmeira), do clã rival.
Mas ela já teve um noivo antes, que foi morto pelos Matheus. Os pombinhos logo descobrem que nasceram para ser inimigos, não amantes. Uma das tramas mais desgastadas do mundo, que soa antediluviana no Brasil do século 21.
Isto nunca foi problema para Carrasco. "A Dona do Pedaço" vai misturar sem pudores um sem-número de plots manjados. Rivalidade entre mãe e filha? Tem: Josiane (Agatha Moreira), futura filha de Maria da Paz, terá vergonha da mãe (e isto em uma fase em que a personagem estará riquíssima e ainda deslumbrante).
Irmãs afastadas na infância? Também tem. A ousada Virgínia (Paolla de Oliveira), influenciadora digital, e a recatada Fabiana, criada em um convento (Nathalia Dill), se reencontrarão graças às medalhinhas idênticas que ambas portam ao redor dos pescoços. Esse recurso já era velho nos tempos de Shakespeare, mas, para Walcyr Carrasco, está valendo.
Nenhuma dessas atrizes apareceu no capítulo de estreia, que teve clima de faroeste trágico. A ação se concentrou no amor proibido entre Amadeu e Maria da Paz, e degringolou para um tiroteio que eliminou um dos Matheus. Nem sinal de polícia.
Todos os personagens andam armados, até o de Fernanda Montenegro. É tanta arma em cena que dá para desconfiar que a história se passa no segundo governo Bolsonaro. Mas Maria da Paz faz jus ao seu nome óbvio e consegue negociar uma trégua entre as famílias.
Claro que essa paz também não dura. Amadeu é alvejado pelas costas em pleno altar, quando se casava com Maria da Paz. Morreu? Provavelmente, não. O nome de Marcos Palmeira aparece na primeira cartela dos créditos de abertura.
Até que a diretora-artística Amora Mautner, estreando parceria com Carrasco, conseguiu dar ritmo e algum frescor visual a esse amontoado de chavões. Mas os capítulos de estreia das novelas da Globo são sempre bem cuidados. Resta saber como a trama se desenrolará, e como o público irá reagir. Bom, tudo isto também é previsível.
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