Uma pesquisa divulgada pela firma Alpha Data revelou que 1% dos artistas mais ouvidos no mundo responde por 90% das audições totais nos serviços de streaming.
A informação veio a público no ano passado, quando a pandemia já havia deixado sem renda de shows os músicos no planeta. Sem uma previsão de retorno, esses profissionais dependem mais do que nunca da remuneração da música gravada, o que hoje significa dinheiro do streaming.
Mas, se os artistas nunca acharam justa a remuneração dessas plataformas, agora a tensão está mais evidente. Na semana passada, músicos e profissionais da indústria se reuniram em frente a sedes do Spotify em grandes cidades de cinco continentes, incluindo São Paulo.
O que eles pedem? Que a lógica dos pagamentos seja centrada no usuário, e não na plataforma. E que o preço pago por cada "play" seja elevado até chegar a US$ 0,01. Isso mesmo, um centavo de dólar --ou cerca de R$ 0,05.
Segundo um estudo do Trichordist, o mais citado por especialistas, o Spotify paga em média US$ 0,00348 por "play", a Apple Music dá US$ 0,00675 e o YouTube paga US$ 0,00154.
"O modelo atual, contra o qual muitas vozes têm se levantado, tem o mérito da simplicidade", afirma Carlos Mills, presidente da Associação Brasileira de Música Independente, a ABMI. "Você tem uma piscina dos valores arrecadados todo mês. Você pega isso, deduz as taxas e divide proporcionalmente à quantidade de execuções de cada artista. Então, o dinheiro é proporcional à popularidade."
Hoje, diz Mills, se o mercado de música gravada está recuperado, é graças ao streaming. "A indústria fonográfica ficou 15 anos perdendo. Foi mais de US$ 1 bilhão por ano."
Mas, se as gravadoras se recuperaram e os independentes produzem mais e melhor, os shows historicamente sempre foram a maior renda dos músicos. Com a pandemia, os olhos estão nas plataformas.
O movimento Union of Musicians and Allied Workers, ou UMAW, que fez as manifestações contra o Spotify e inclui gente como Thurston Moore, ex-Sonic Youth, tem quase 30 mil assinaturas. Segundo eles, a plataforma "triplicou de valor na pandemia, mas não aumentou suas taxas para uma fração de um centavo".
O CEO do Spotify, Daniel Ek, botou a culpa nos artistas. "Você não pode gravar música uma vez a cada três anos e achar que isso é suficiente", ele disse, em agosto do ano passado, e acabou criticado por artistas nas redes sociais.
Mas a conta do pagamento médio, essa de frações de centavo, não é simples. Segundo estudo do SoundCloud, plataforma popular entre independentes, os fatores para determinar o preço de um "play" são e tão variados --geográficos, se os ouvintes pagam ou não, moedas-- que a transparência é comprometida.
Isso porque o modelo de remuneração é calculado a partir da plataforma --e não do usuário. Hoje, o Spotify recebe cerca de 10 mil novas músicas por dia, além dos usuários. Então, se um artista mantém sua quantidade de execuções mensais, o crescimento da totalidade de músicas e usuários da plataforma faria com que a remuneração fosse sendo gradativamente diluída a frações ainda menores.
A tese do estudo casa com o que disse Daniel Ek, do Spotify. Um artista precisa lançar novas músicas --ou aumentar a audiência das velhas-- para manter a remuneração.
O SoundCloud vai lançar em abril um modelo centrado no usuário --um dos pedidos do UMAW. Nesse formato, o músico recebe um valor proporcional ao tempo gasto pelos fãs ouvindo sua música, o que independe do total de usuários e artistas da plataforma.
A empresa quer aumentar em mais de 200% a remuneração em alguns casos. Mas, diz Mills, não existe bala de prata.
"O modelo 'user-centered' já vem sendo discutido há tempos, há estudos acadêmicos aprofundados sobre isso. A Deezer começou a fazer testes na França. Uma coisa que posso afirmar é que esse modelo iria melhorar para alguns, e piorar para outros, mas não resolver o problema, que é pessoas ganhando centavos."
De maneira geral, esse modelo tende a diminuir o abismo entre os Drakes e Marílias Mendonças e a massa de médios e pequenos. Gêneros e artistas de nichos --o tipo que usa o SoundCloud-- também tendem a ganhar no formato.
O produtor e DJ Antconstantino ganhou em três anos cerca de US$ 40 somando tudo que recebeu nas plataformas de streaming. No Spotify, ele publica músicas e remixes desde 2019 e tem quase 5.000 ouvintes mensais, um número baixo, mas não irrelevante.
Antconstantino começou a experimentar em outro canal, o Bandcamp, também popular entre independentes. Na pandemia, a empresa vem fazendo uma ação em que, uma sexta por mês, abre mão de suas taxas para repassar tudo que arrecada aos artistas.
Além disso, o artista pode determinar quanto cobra por música ou disco ou deixar que os fãs paguem quanto quiserem. "Isso acontece em diversas cenas, no exterior eles usam muito. Comecei a usar, botei tudo no 'pague quanto quiser'. Só nisso, ganhei uns US$ 100 rápido."
O DJ não saiu do Spotify, mas faz campanha para que fãs ouçam --e, se possível, paguem-- no Bandcamp. "O Spotify ajuda a expandir, a entrar em playlist. Mas, no meu caso, só serve para isso. Dinheiro chega em migalhas. Quem é menor deve ganhar é nada."
Plataformas mainstream são "as maiores prateleiras do mundo", argumenta Mills. Segundo ele, os modelos de SoundCloud e Bandcamp funcionam só para artistas médios e pequenos que tenham fãs --caso de Antconstantino.
Enquanto os 99% lutam pela sobrevivência longe dos palcos, é provável que o sonho do centavo ainda siga distante. Até porque há pouco interesse em mudanças por quem um dos lugares do topo --grandes gravadoras, plataformas e astros.
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