Lançada em agosto do ano passado, e paralisada para a contratação de pareceristas desde dezembro, ainda sob a gestão do prefeito Luciano Rezende (Cidadania), a Lei Rubem Braga, e seu edital de 2020, ganhou na semana passada mais um capítulo de sua interminável novela.
No último dia 20, o núcleo capixaba da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD) abriu uma Ação Civil Pública (ACP) na 2ª Vara da Fazenda Pública contra a Prefeitura de Vitória. Em pauta, um pedido de tutela de urgência determinando o prosseguimento nos procedimentos para a execução dos projetos de 2020, como também o lançamento do edital de 2021, ainda sem previsão de acontecer. Procurada, a PMV disse que iniciou os trabalhos de análise dos processos do ano de 2020, na segunda-feira (27).
A ação também pede que seja fixada multa diária de, no mínimo, R$ 10 mil para o caso de descumprimento da decisão liminar, a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
"Tivemos como exemplo a ação movida pelo conselho federal da OAB, em maio, contra o Governo Federal, devido aos atrasos e a falta de repasses destinados aos artistas pela Lei Rouanet. Isso nos serviu de inspiração", adianta a advogada Renata Monteiro, que assina a ação ao lado do colega de profissão, Alexandre Zamprogno.
"O pedido da ABJD tem por finalidade obrigar o poder público a cumprir algo que é determinado por lei e que foi devidamente aprovada pela Câmara Municipal, sendo cumprida por 21 anos ininterruptamente e, desde a gestão anterior, deixada à 'míngua', para o sofrimento da classe artística", aponta Renata, afirmando que o poder público tem a obrigação de prover pela cultura.
"Na parte do direito à cultura, a população tem o caráter ativo, ou seja, a sua produção, e o passivo, o de ter acesso a ela. Desse modo, fomentar políticas públicas de incentivo às artes é assegurar um direito fundamental do cidadão".
Em notícia publicada em janeiro, por A Gazeta, a atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura, cuja pasta conta com gerência de Luciano Gagno, afirmou, na época, estar em negociação com a Secretaria Municipal de Fazenda para conseguir recursos e contratar os pareceristas aptos a fazer a análise técnica dos projetos. Em dezembro do ano passado, a Semc anunciou que 78 iniciativas haviam sido selecionadas em uma primeira etapa.
Procurado novamente pela reportagem, em junho deste ano, para saber se teria uma data de contratação desses profissionais, e, assim, fazer a Lei Rubem Braga de 2020 "andar", a Semc respondeu, por meio de nota, que "a solicitação do recurso para contratar os pareceristas já foi encaminhada para o Comitê de Controle dos Gastos Públicos (CCGP) para autorização. Assim que autorizado, será iniciada a contratação dos avaliadores", sem definir um prazo específico.
De acordo com a ação judicial movida pela ABJD, tendo como base as mudanças aplicadas na lei de incentivo à cultura em 2019, apenas a Secretaria de Fazenda do Município pode ficar responsável por qualquer alteração orçamentária da lei, e não o Comitê de Controle dos Gastos Públicos (CCGP), criado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) em janeiro, na tentativa de controlar os gastos públicos.
A Rubem Braga prevê, em seus estatutos, um investimento anual com valor calculado pela média do que foi aplicado em seus últimos dez anos, retirando os cinco anos de inatividade. Também pelas normas, a Prefeitura de Vitória pode destinar uma verba menor, desde que haja uma justificativa para a retração de investimentos, via Secretaria Municipal de Fazenda.
Pelos cálculos expostos na ação judicial, o orçamento de 2020 deveria ser de R$ 2,6 milhões, mas a inciativa foi orçada (na gestação passada da PMV) em R$ 1,05 milhão, sem nenhuma justificativa oficial para a redução de valores.
"Segundo a lei aprovada em 2019, a exceção para a redução dos valores só pode ser realizada pelo Secretário Municipal de Fazenda, de modo que o Comitê de Controle dos Gastos Públicos, criado pelo atual prefeito no primeiro dia de seu mandato, não possui legitimidade para reduzir ou justificar a redução dos recursos", pontua Renata Monteiro.
A ação movida pela Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia também pede que seja investido no edital de 2020 o valor estipulado por lei, os inicialmente previstos R$ 2, 6 milhões.
"A questão orçamentária dos editais de 2020, cujo valor empenhado é inferior à média dos últimos cinco anos, descontados os anos em que não houveram repasse, pode ser suprida com a abertura de um crédito suplementar por decreto", avalia a advogada.
Durante os anos de 2015 a 2019, os editais da Lei Rubem Braga deixaram de ser lançados em função do acúmulo de prestação de contas de projetos culturais por parte dos beneficiários, quando a Municipalidade realizou um levantamento sobre o número de inadimplentes. Em março de 2020, o então secretário municipal de cultura, Francisco Grijó, revelou ao jornal A Gazeta que, em valores, no início de novembro de 2019, a LRB ainda contava com um montante de R$ 5,68 milhões em pendências.
Em matéria vinculada pelo mesmo portal em junho deste ano, a atual gestão da Semc afirmou continuar com as cobranças, sem informar se a iniciativa foi concluída no ano passado ou mesmo declarando quais valores já voltaram aos cofres públicos.
Conforme a ação judicial movida pela ABJD, embora a prática da inadimplência seja uma conduta condenável, ela não deve impedir que o edital de 2021 seja lançado e tão pouco pode ser uma das causas para o atraso da divulgação dos resultados de 2020.
"Mesmo havendo necessidade de prestação de contas por parte dos artistas, a Rubem Braga não poderia ter ficado tanto tempo sem lançar editais, uma vez que trata de uma Lei Ordinária, cabendo ao Executivo Municipal cumpri-la, como também o edital de 2021 não pode deixar de ser lançado", complementa Renata Monteiro.
A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Cultura de Vitória para saber qual procedimento será tomado em relação à ação movida pela Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD). Por meio de nota, o órgão se manifestou.
"A Secretaria Municipal de Cultura (Semc) informa que até esta segunda-feira (27) não foi notificada sobre a ação referida. Neste momento, os trabalhos estão concentrados na análise dos processos do ano de 2020, iniciadas nesta segunda-feira (27)".
Em relação aos recursos aplicados no edital de 2020, a secretaria respondeu. "Sobre o valor destinado, a Semc informa que a quantia a ser aplicada na Lei Rubem Braga é decorrente de um edital lançado pela gestão anterior, em 2020. A não complementação dos recursos faltantes de 2020 se deve à ausência de recursos para investimentos deixados em caixa pela gestão anterior. Toda a verba que hoje a PMV tem para investimento é fruto da economia que a atual gestão vem realizando".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta