Os "Deuses do Carnaval" não quiseram que a alegria do passista - e o luxo das fantasias e alegorias - encantasse o coração dos capixabas em 2021. Desta vez, o Pierrô e a Colombina não trocarão juras de amor em plena passarela do samba.
Lirismos à parte, por conta da pandemia do Novo Coronavírus, o Complexo Walmor Miranda, conhecido carinhosamente por Sambão do Povo, no Centro da Capital, não recebeu o tradicional desfile das escolas de samba de Vitória, que, por seu gigantismo e profissionalismo, é considerado o terceiro maior do país.
Para matar a saudade do "esquenta" da bateria, o "Divirta-se" preparou um especial resgatando antigos carnavais que marcaram a memória de foliões e de pesquisadores do samba capixaba.
Serão três matérias com os desfiles inesquecíveis da década de 1980, 1990/2000 e 2010. Só para relembrar, nos anos 1990 houve uma paralisação de seis anos devido à falta de repasse de recursos da administração pública e a uma reestruturação das agremiações por isso resolvemos juntar com a retomada dos anos 2000.
Os anos 1980 são considerados a última década em que o "carnaval de raiz" - impulsionado pela força das comunidades e por enredos que dialogavam com os integrantes e a história das agremiações - foi crucial na hora de decidir um título.
Aqui, chama a atenção a influência de sambas melodiosos, com ritmos mais cadenciados, e a preocupação das escolas em mostrar a força de seus componentes, o que os sambistas chamam de "chão". Novo Império, com cinco títulos (1980/1985/1987/1988/1989) e Independentes de São Torquato, com três triunfos (1981/1982/1983), são consideradas as campeãs da década, sendo que os anos 1980 também são conhecidos pelo último título da maior campeã do nosso carnaval, a Unidos da Piedade.
A agremiação do bairro da Fonte Grande venceu em 1986, no único desfile realizado na Avenida Reta da Penha, área nobre da Capital. Até a inauguração do Sambão do Povo, em 1987, as apresentações eram organizadas nas Avenidas Jerônimo Monteiro e Princesa Isabel, no Centro de Vitória.
A década também marcou o "nascimento" de muitas agremiações do carnaval de Vitória, como Rosas de Ouro, Chega Mais e Mocidade Serrana. Supercampeã na atualidade, a Mocidade Unida da Glória, de Vila Velha, foi criada em 1980, partindo de uma fusão do bloco Calção Vermelho. Além disso, nesta época, Pega no Samba, Unidos de Jucutuquara e Unidos do Barreiros deixaram de ser blocos, virando escolas de samba.
Para a pesquisadora do carnaval capixaba Iamara Nascimento, o título da Independentes de São Torquato, em 1981, pode ser considerado um divisor de águas na história da agremiação. "A escola chamou a atenção pelo tom de vermelho usado em suas fantasias, com alegorias forradas com tecidos aveludados. Com o enredo “Festas e Folguedos populares do Brasil”, a agremiação mesclou irreverência e luxo, num desfile contagiante", elogia.
Atual presidente da São Torquato, Nildemar Nolasco, que, nos anos 1980, era ritmista da vermelho e branco de Vila Velha, destaca que o tricampeonato conseguido na década foi pontuado por desfiles inesquecíveis. "Em 1983, a vitória teve um sabor especial. O enredo 'Brasil, Terra da Gente' trouxe uma bateria que inovou na avenida, com naipe de repique e tamborins que marcaram o carnaval", relembra.
A Unidos da Piedade, escola que carregava o maior número títulos até então (com 13 conquistas entre as décadas de 1950 e 1970) não conseguia levantar um troféu desde 1979, para a tristeza de uma comunidade acostumada a tantas vitórias.
Em 1986, com o único desfile realizado na Avenida Nossa Senhora da Penha, a verde, vermelho e branco da Fonte Grande entrou na avenida com "sangue nos olhos", visto que seus integrantes estavam inconformados com a derrota para a Novo Império, em 1985.
"Muitos consideravam que a escola foi 'garfada' pelos jurados. Em 1986, com o enredo 'Sua Majestade o Café!', a Piedade foi imbatível", considera a pesquisadora, confirmando que a agremiação fez um desfile com luxo e samba no pé. A apresentação terminou com o dia nascendo, o que levantou ainda mais a arquibancada.
Carminha Pascolar, hoje diretora da ala de passistas da Unidos da Piedade, esteve presente no desfile histórico. Com 20 anos na época, a coordenadora participou de uma ala de garçonetes que serviam cafés. "Me lembro como se fosse hoje (suspira). A fantasia era bem luxuosa, toda bordada a mão, com muitos paetês e miçangas", rememora, dizendo que a sensação de desfilar em um lugar "desconhecido" para o sambista, como a Reta da Penha, trouxe ainda mais adrenalina à apresentação.
"Estávamos acostumados a (Avenida) Jerônimo Monteiro. O pessoal da Fonte Grande descia para a nossa concentração e ficava bem próximo à Gruta da Onça. A gente se sentia em casa com tanta energia positiva", suspira.
Em 1987, na gestão Hermes Laranja, o Sambão do Povo foi inaugurado em Caratoíra, sendo considerado o "quintal da Família Imperiana", pois a quadra da Novo Império fica a poucas ruas do complexo do samba. Sentindo-se (literalmente) em casa, a agremiação foi campeã de 1987 a 1989, ano de seu último título.
"O grande desfile da Novo Império deu-se em 1989, quando a escola conquistou o tricampeonato. Os carros alegóricos eram gigantescos para a época, com esculturas imensas e muito bem acabadas. O enredo, 'Acorda Brasil', fazia uma crítica social à situação política do país na época. Foi um lindo e grandioso desfile", destaca Iamara Nascimento.
Suzana Bremenkamp, diretora de comunicação da Novo império, louva os desfiles de 1987 e 1989 como sendo emblemáticos na história da agremiação.
"Em 1987, o Sambão do Povo recebia o seu primeiro desfile, sendo erguido com apenas 112 dias de obras. Muitos sambistas da nossa comunidade ajudaram na finalização da construção, para que tudo ficasse pronto a tempo dos desfiles. Ter a Novo Império como a primeira campeã do complexo carnavalesco é muito significativo, pois marcou o início de uma nova era no Carnaval Capixaba", descreve, sem esconder a emoção.
"Em 1989, com 'Acorda Brasil', fizemos um desfile impecável, com grandes esculturas e alegorias, fechando o tricampeonato consecutivo, feito que só foi igualado por outra escola quase 20 anos depois", complementa, referindo-se aos feitos da Unidos de Jucutuquara na década de 2000. Mas isso é assunto para outra matéria!
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