"A marca de Carmélia era ser inteligente, sensível, doce... E de personalidade muito interessante. Era tudo misturado". A síntese de quem foi Carmélia Maria de Souza, capixaba que dá nome ao centro cultural que pode virar depósito de café em Vitória, é de Maria Alice Lindenberg. A frase foi dita em documentário da TV Assembleia, exibido em dezembro de 2010, mas que, tão atual que é, já naquela ocasião mostrava tentativa de manter viva parte da história cultural do Espírito Santo - que também é vontade de que comungam artistas da atualidade.
Desde que foi anunciada, com exclusividade por A Gazeta, a venda dos galpões do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e possível transformação do centro cultural em depósito, a classe artística do Espírito Santo realizou até manifestação para tentar reverter decisão da União. Mas, segundo previsão do superintendente de Patrimônio da União no Estado, Márcio Furtado, a transação deve começar a ser feita até o fim deste ano.
Os salões do espaço, inaugurado em 1986 pelo Departamento Estadual de Cultura, já abrigaram de eventos ligados ao audiovisual até exposições usando como pano de fundo o fato de o próprio nome do centro cultural - Carmélia Maria de Souza - homenagear uma das mais famosas cronistas e jornalistas do Espírito Santo.
O "auge" do complexo deu-se entre 1986 e 1991, período em que teve um maior volume de programações culturais. Na sequência dos anos, começou o "abandono" do espaço pelo poder público.
Em 1992, a TV Gazeta mostrou as condições precárias de cadeiras e banheiros, que afastavam os frequentadores do Carmélia. Esses problemas também afastaram as companhias teatrais, que também reclamavam da falta de segurança na área.
De 3 a 5 de novembro de 2004, a produtora Lucia Caus realizou o 1º Festival de Jovens Realizadores de Audiovisual do Mercosul no espaço do centro cultural. Esse seria um dos dois eventos de grande porte que ela realizaria no local. Pouco tempo depois, executou a 6ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul no local.
Personalidade já conhecida pelos trabalhos e dedicação à cena do vídeo no Estado, ela lembra: "Montamos sala de cinema e usamos o espaço para exibição de filmes. Teve palestras, debates, tudo no mesmo espaço, e foi maravilhoso". O festival de audiovisual, de acordo com Lucia, foi uma parceria entre Galpão Produções e Instituto Marlim Azul, à época.
Em 2010, o espaço passou por uma grande reforma. Mas a falta de orçamento para manutenção do espaço, fez com que o Carmélia fechasse as portas em 2013, sediando apenas a TV Educativa em seu grande espaço.
Natural de Rio Novo do Sul, no Sul do Estado, Carmélia nasceu em 1936 e morreu em 1974. Perdeu a mãe aos dois anos de idade e, aos 15, foi internada em um sanatório - como eram chamadas as casas de repouso na época - para se curar de uma tuberculose. Toda a angústia desse período acabou refletindo em suas obras de tom dramático.
Carmélia foi uma jornalista e cronista de destaque no cenário capixaba entre as décadas de 1960 e 1970. A chamada Era da Fossa reinou para a literatura e música da época.
"Todo os períodos foram importantes na escrita de Carmélia, porque ela traz isso depois como sofrimento e tristeza nas obras. Curada (da tuberculose), ela volta para Vitória e retoma os estudos. O estilo literário dela ficou claro na Era da Fossa. Canções e poemas de paixões não realizadas, o sentimentalismo exagerado... Características muito presentes em Maysa Monjardim Matarazzo e Dolores Durán, duas fontes de inspiração de Carmélia", lembra a escritora Renata Bomfim, no mesmo documentário da TV Assembleia.
Carmélia trabalhou nos principais jornais da cidade, como A Gazeta, e foi funcionária pública federal, trabalhando na Biblioteca da Fafi e no Museu Solar Monjardim.
E a ligação com a cantora carioca, que é até hoje lembrada por "Meu Mundo Caiu", não era meramente inspiracional. O historiador, professor e comentarista da Rádio CBN Vitória, Fernando Achiamé, completa: "Conheci Carmélia ligeiramente. E tinha um fato curioso. Se você perguntasse de quem ela menos gostava, diria Maysa. E se perguntasse de que música mais gostava, ela diria Maysa".
Atualmente, o centro cultral abriga parte das operações da Rádio e Televisão Educativa do Espírito Santo, a TVE, que ainda terá nova sede anunciada.
Questionada sobre o que pretende fazer sobre o centro cultural, a Secretaria de Estado da Cultura disse que tentará reaver a cessão de uso do centro cultural para "continuidade das atividades desenvolvidas há 20 anos no local". "A Secult pretende, com isso, ampliar o uso com atividades culturais no espaço, provendo acesso ao bem e aos serviços culturais", diz, trecho da nota da pasta enviada à reportagem.
De acordo com a secretaria, houve investimento do governo em equipamentos, manutenção hidráulica, elétrica e na parte física do edifício, incluindo climatização e iluminação.
"É de grande interesse estabelecer as condições físicas para o funcionamento de todo o complexo do Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, em uma construção conjunta com a Prefeitura de Vitória, garantindo com a sua utilização condições para o pleno exercício do direito à cultura dos cidadãos, promovendo e protegendo o patrimônio cultural", finalizou texto respondido ao Divirta-se.
Também procurada, a Secretaria de Cultura de Vitória reiterou a importância cultural que possui o Carmélia e corroborou que o último grande evento ocorrido no local foi em 2013.
"O centro cultural, em 11 de setembro de 2010, foi repassado para a Prefeitura de Vitória pela União, dando início às atividades em 13 de outubro com o Festival Nacional de Teatro de Vitória, que teve 12 dias de duração. O Teatro José Carlos de Oliveira está fechado desde 2013, quando abrigou as apresentações teatrais do Aldeia SESC Ilha do Mel 2013, último grande evento ocorrido no local. O termo de compromisso com a RTVES foi renovado em 2017", diz fim da resposta dada à Gazeta.
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