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Chica Chiclete: 'A militância pelos direitos LGBTQ+ precisa resistir'

Chica Chiclete: "A militância pelos direitos LGBTQ+ precisa resistir"

Drag queen mais famosa do Espírito Santo fala do momento atual na comunidade LGBTQ+, da importância de não se perder os direitos adquiridos e da reabertura de seu bar

Publicado em 27 de junho de 2020 às 08:00

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A drag queen Chica Chiclete em foto de 2013
A drag queen Chica Chiclete em foto de 2013. (Bernardo Coutinho)

Ele é carnavalesco, empresário e foi vereador por Vila Velha, em 2014. Explorando outras personas, dignas de um "tabuleiro freudiano", também exerce as atividades de "Rainha da Noite", drag queen (uma das primeiras, e mais famosas, do Espírito Santo), "show woman" e animadora de festas.

Em meio a múltiplas funções, que revelam uma bem-vinda versatilidade, a que mais orgulha Francisco Spala, de 52 anos, também conhecido no "imaginário" da noite capixaba como Chica Chiclete, é o fato de ser militante dos direitos LGBTQ +.

Na semana em que celebramos o Dia do Orgulho Gay, a ser comemorado neste domingo (28), Spala é a uma das pessoas indicadas para abordar o atual panorama sócio-político por que passa um país governado por uma vertente ultraconservadora, que, a todo momento, ameça retirar os direitos sociais de negros, homossexuais e mulheres.

"Fazemos parte de uma classe que lutou muito para sobreviver aos anos de chumbo do governo militar, na década de 1980. Foi muito sangue e suor para conquistar acessos iguais à saúde, educação e cultura. Não podemos nos entregar a um governo que deseja nos retirar o direito de sermos iguais", defende o ativista e ex-vereador, acreditando que os cortes de verba nas pastas de Educação, Saúde e Cultura, propostos pelo governo Jair Bolsonaro, podem arrastar as minorias para o obscurantismo. 

Durante a conversa com A Gazeta, Francisco Spala também falou de sua participação na vida noturna capixaba (comandou casas como a extinta Queens, em Vitória, e o Bar da Chica Chiclete, em Itaparica, Vila Velha), de sua decepção com a carreira política e do trabalho social que desenvolveu - e continua desenvolvendo - em benefício da comunidade LGBTQ +. 

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    Entrei na militância no começo na década de 1980, especialmente no combate ao HIV.  Na época, éramos olhados com repulsa por boa parcela da sociedade apenas por sermos gays. A epidemia da Aids só piorou essa condição. A homofobia era muito pior do que é hoje. Me senti na obrigação de ajudar os doentes na busca de tratamentos médicos, moradia e de melhor qualidade de vida, pois os muitos amigos soropositivos foram abandonados pelas famílias, principalmente entre 1988 e 1990, quando os casos da doença explodiram no Brasil. Lembro, na época, que possuía uma Brasília verde, que ficou famosa em Vitória por buscar pessoas que estavam morrendo em casa, abandonadas. Resolvi criar um centro de apoio e tive a sorte de ter uma família que sempre respeitou a minha sexualidade e me apoiou. Temos um hotel no centro de Vitória e transformamos os quartos para receber os doentes. Muitos eram levados para a porta do Hospital das Clínicas (local de referência para o tratamento da doença) e jogados nas ruas. Decidimos, então, criar uma ação social voltada para eles. Já cheguei a enterrar cinco amigos de uma só vez, por conta da Aids. Ninguém aparecia no velório, só eu e poucos conhecidos.

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    Com certeza (risos). Fizemos muita passeata, lutando por melhores condições de saúde e respeito às diferenças. O governo militar, na época, era um empecilho muito grande. Se eles desconfiassem que você era gay, poderia ser preso. Foi um início difícil, de muita luta. Veja o meu exemplo. Quando jovem, desejava ser travesti. Tinha um corpo bonito, harmônico. Os militares me obrigaram a cortar o cabelo uma vez e, por medo, acabei me desiludindo e voltei a me vestir de homem. Usava o nome de Francielle Facini, uma mulher que conheci, descendente de franceses. Achava um nome lindo, exemplo de feminilidade.  Anos mais tarde, decidi adotar o nome de Chica Chiclete, especialmente quando optei por um personagem voltado para o humor. Isso abriu muitas portas para a minha carreira. Com a caricatura, ganhei espaço na esfera da alta sociedade, entre os políticos. Sempre usei isso para militar em favor da causa LGBTQ+. 

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Na juventude, desejava ser travesti, tinha um corpo bonito, harmônico. Nos anos 1980, os militares me obrigaram a cortar o cabelo. Éramos perseguidos apenas por ser gays. Por medo, acabei me desiludindo e voltei a me vestir de homem.

Francisco Spala
Artista e militante LGBTQ+
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A drag queen Chica Chiclete em foto de 2013
A drag queen Chica Chiclete em foto de 2013. (Bernardo Coutinho)
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    Os homossexuais que estão chegando precisam agradecer ao nosso trabalho nos anos 1980 e 1990. Fomos para as ruas e brigamos por nossos direitos civis. Hoje, infelizmente, sinto uma militância enfraquecida e superficial. Claro que há bons exemplos, como o trabalho da Associação GOLD, comando por Deborah Sabará. Porém, são ações isoladas. Vejo muitas pessoas "brigando" apenas por holofotes,  por 15 minutos de fama. Temos vários homossexuais e travestis nos presídios precisando de ajuda e sofrendo violência, por exemplo. A comunidade precisa ser mais pró-ativa, até porque vivemos sob a esfera de um governo que nos pressiona, que, a todo custo, deseja acabar com os nossos direitos. 

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    Como disse anteriormente, não podemos perder as conquistas que foram conseguidas com muita luta no final do militarismo. Não devemos aceitar a falta de liberdade de imprensa, a perda dos direitos dos negros, dos homossexuais e das mulheres. Precisamos voltar a militar para vencer esse desgoverno. É inconcebível Sérgio Nascimento, presidente da Fundação Cultural Palmares, dizer que não existe “racismo real” no Brasil. É um discurso contra a própria existência.

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É inconcebível Sérgio Nascimento, presidente da Fundação Cultural Palmares, dizer que não existe “racismo real” no Brasil. É um discurso contra a própria existência.

Francisco Spala
Artista e militante LGBTQ+
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Francisco Spala, a drag queen Chica Chiclete, como vereador
Francisco Spala, a drag queen Chica Chiclete, como vereador. (Reprodução)
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    Comecei em 2000, como candidato a vereador por Vitória. Fazia um trabalho social no centro da capital, de apoio às comunidades de vulnerabilidade social. Em 2008 e 2012, disputei uma vaga na câmara de Vila Velha e, por conta da legenda, fiquei na suplência. Assumi em 2014, no cargo de vereador do município canela-verde por dois anos.  Confesso que me decepcionei, era um idealista (risos). Tinha a visão que conseguiria melhorar a qualidade de vida dos mais vulneráveis, mas a situação não funciona assim.  Na vida pública, se você não faz parcerias, não 'entra no jogo',  a coisa não evolui. Não quero ferir os meus ideais de ética e não pretendo mais voltar à disputa política. Não gosto de me sentir inerte. 

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Não quero ferir os meus ideais de ética e não pretendo mais voltar à disputa política. Não gosto de me sentir inerte.

Francisco Spala
Artista e ativista LGBTQ+
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    Quero retomar sim (risos). O Bar da Chica Chiclete foi uma fase muito boa em minha vida. O problema é que a especulação imobiliária de Coqueiral de Itaparica (bairro de Vila Velha onde ficava o estabelecimento) fez com que a casa logo ficasse cheia de vizinhos. Você sabe como é um bar, né? Independente ser for gay ou hétero, não temos como controlar a entrada e saída de pessoas. Por respeito a essa vizinhança, resolvi fechar o espaço. Mas tenho novidades em primeira mão para você (risos). Já estou alugando uma nova área, no Centro de Vitória, e o Bar da Chica vai voltar, com a sua alegria a alto astral de sempre. Quero inaugurar logo que a pandemia acabar, ainda em 2020. Enquanto isso, estou me divertindo com as lives semanais nas redes sociais.  Está muito bacana, você precisa acompanhar (mais risos).

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