Dos acordes de Maurício de Oliveira, aos dedilhados de Hélio Mendes, passando pelo carisma de Maria Cibeli (a Rainha do Rádio Capixaba), sem esquecer a imponência da geração anos 1980, encabeçada por Carlos Bona, Carlos Papel e Lula D’Vitória, a força popular de Manimal e Casaca, nos anos 1990, chegando até a criatividade da geração pós-2000, com os músicos Fabiano Araújo e Saulo Simonassi.
Além do talento inquestionável das "feras" citadas, os artistas, entre outros nomes de igual importância no cenário local, são os protagonistas do livro "Os Sons da Memória - Uma Leitura Crítica de 40 Discos que marcaram época na Música do Espírito Santo", assinado pelo crítico musical, jornalista, produtor cultural e escritor José Roberto Santos Neves.
O lançamento da publicação acontece nesta terça-feira (5), a partir das 19h, no Auditório do Titanic, em Vila Velha. Com participação musical de Carlos Bona e Elaine Vieira, o evento também terá transmissão pelo canal do YouTube da Editora Cândida.
Com seu peculiar esmero e precisão, José Roberto, como o título da obra sugere, elenca 40 álbuns essenciais para a indústria fonográfica do Espírito Santo. A seleção de discos compreende LPs e CDs lançados desde a década de 1950 até os dias atuais, criando um mosaico de fotos, relatos, entrevistas e registros históricos que servem para resgatar (e preservar) nomes como o de Carlos Cruz, Raul Sampaio, Trio Caiçara, Aprígio Lyrio, Afonso Abreu, Ester Mazzi e Sérgio Benevenuto, entre tantos outros pioneiros da cena cultural.
"Tentei selecionar obras relevantes entre vários estilos, como samba canção, bolero, música regional, choro, pop-rock, jazz, instrumental e hip hop. Minha preocupação foi lançar luz sobre nomes que podem correr o risco de cair em esquecimento. Hoje, muito desse material é de difícil acesso, alguns estão fora de catálogo e ainda em qualidade analógica. É uma parte essencial da nossa música que não pode se perder", acredita Santos Neves, que, em três anos de trabalho, teve como base de pesquisa o acervo de discos de vinil do pai, João Luiz dos Santos Neves, seu próprio catálogo de CDs e LPs, um material conseguido em sebos e documentos disponíveis no Arquivo Público Estadual.
"Resgato a obra de nomes como Gilberto Garcia, um pianista da década de 1960 que chegou a se apresentar ao lado de Maysa e Maria Bethânia, mas que só lançou um CD em 1995; um disco lançado em 1954 pelo Trio Caiçara, um dos conjuntos vocais mais antigos do Estado; além do raro 'Rainha do Rádio', LP lançado em 1988 por Maria Cibeli, que, longe da rivalidade entre Marlene e Emilinha Borba, era a única Rainha do Rádio Capixaba", enumera José Roberto.
Entre estimadas obras-primas da discografia capixaba, algumas contam com destaque histórico. Como exemplo, temos o clássico "Brasil: Música na História - 50 Peças Progressivas para Piano", do maestro Carlos Cruz e executado ao piano por Manolo Cabral, lançado em 1985, ou mesmo "Tributo A Zumbi - De Preto Pra Preto", obra de Renegrado Jorge que chegou ao mercado em 1997 trazendo nomes importantes do hip hop capixaba, como Suspeitos na Mira e Negritude Ativa, um disco que teve uma forte repercussão social na época.
"O mercado local viveu de ciclos. Nos anos 1980, por exemplo, o Departamento Estadual de Cultura, sob gerência de Glecy Coutinho, implementou o projeto 'Série Fonográfica', que contou com organização de Afonso Abreu. Muito da música de 1950 e 1960 foi resgatada por conta disso", elogia o jornalista, citando também como destaques a democratização, com a chegada dos CD e a implementação de leis de incentivo cultural, como a Rubem Braga, nos anos 1990, e os programas regionais difundidos pela Rádio Espírito Santo a partir dos anos 1940, em que nomes como Hélio Mendes e Maurício de Oliveira começaram a se destacar.
"Os Sons da Memória" ainda conta com resgates jornalísticos essenciais para conhecermos a história fonográfica do ES, ao usar obras como "Música Popular Capixaba", do jornalista Osmar Silva (que atuou em "A Gazeta" e "A Tribuna"), e "Carnaval - Cem Anos”, de Anselmo Gonçalves, como base de pesquisa.
"Osmar foi o primeiro jornalista capixaba a catalogar apresentações na noite local, em 1970, no Teatro Carlos Gomes. Em sua obra, chegou a documentar registros musicais na imprensa no final do século XIX. O material deu origem a um livro póstumo, publicado pelo Governo do Estado em 1986. 'Carnaval', por sua vez, é um livro ainda mais raro. Fora de circulação, foi lançado em 1985, para resgatar os 100 anos da folia capixaba, trazendo até o primeiro registro carnavalesco no Espírito Santo, feito pelo jornal Cachoeirano, de Cachoeiro de Itapemirim. São obras que merecem uma reedição", aponta.
Preocupado com o futuro - e com a história da música local -, José Roberto Santos Neves defende a digitalização desse material fonográfico raro, além da criação de uma espécie de Museu da Imagem e do Som em Vitória. "Poderia ser aberto um espaço no Palácio Sônia Cabral, um local onde o público conheceria fotos históricas, instrumentos antigos, ouviria discos e teria acesso a revistas, jornais e cartazes que ressaltam a nossa riqueza e diversidade musical".
O jornalista ainda ressalta que a vindoura Midiateca Capixaba, espaço na web que contará com parte da produção cultural do Estado digitalizada, a ser lançado pela Secult/ES, poderia absorver parte da produção musical capixaba de difícil acesso.
"Esbarraríamos em algumas questões, como direitos autorais, por exemplo, mas muito desse material foi concebido com o apoio das leis de incentivo cultural. Tivemos discos produzidos pela Ufes e até pela Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo). Acredito que, para o Governo do ES, seria mais fácil ter o acesso às famílias de alguns artistas e conseguir essa liberação".
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