Cantar o que sai direto do coração e aquilo que traz as melhores lembranças de uma juventude musical é o lema que a maioria dos participantes do The Voice+ leva para o palco do reality da Globo destinado a competidores acima dos 60 anos. Os times são comandados por Cláudia Leitte, Daniel, Ludmilla e Mumuzinho.
Entre clássicos da Bossa Nova que a mãe cantarolava pela casa e discos de jazz que ele ouvia ainda garoto, Renato Castelo de Carvalho, 73, não pestanejou para escolher seu repertório, e mostrou a que veio com "Rosa", clássico de Pixinguinha de 1917, e "Dindi", composição de Tom Jobim dos anos 80.
"Minhas escolhas foram baseadas no que eu gosto e no que me traz mais afetividade. Eu poderia muito bem escolher músicas de espetáculo, como The Beatles, mas preferi cantar o que é minha verdade", afirma o potiguar.
"A ideia é rememorar nossa juventude, que era a parte mais bonita da vida de cada um de nós. Épocas de quando dávamos os maiores sorrisos e tínhamos mais esperança", complementa ele, que tentará uma vaga para a fase semifinal no próximo domingo (21).
Os demais candidatos parecem ter motivações semelhantes as de Renato. A primeira edição voltada a pessoas com mais de 60 anos tem privilegiado músicas antigas, cheias de memórias afetivas, indo do samba ao bolero, da bossa à MPB. Das 120 canções executadas no reality até o dia 14 de março, 73 delas ou 62% têm pelo menos 25 anos de história.
Curiosamente, não há um estilo musical que se sobressaia aos demais. O que nota-se é uma pluralidade entre ritmos que faziam muito sucesso nas paradas musicais de quando os candidatos eram adolescentes ou iniciavam a fase adulta.
Segundo levantamento do F5, das 73 músicas com 25 anos ou mais, 60% se encaixam entre as décadas de 1960 e 1970, as mais contempladas na atração. O cantor carioca Daniel Gomes, 67, tinha menos de 25 anos quando "Você Não me Ensinou a Te Esquecer" (1978) e "Os Amantes" (1977) surgiram. Suas escolhas, portanto, refletem o sentimento de saudosismo.
"Antigamente, o romantismo estava em alta, hoje não muito. São canções que ficaram marcadas no meu coração. Representam uma fase muito importante na minha vida. Até hoje, quando as ouço, dá alegria no coração", afirma o artista que já foi eliminado do time de Claudia Leitte.
Adepto do samba raiz, o também carioca Vanderlei Santanna, 69, que tenta garantir vaga na semifinal no próximo domingo, tem escolhido suas canções da época em que visitava as rodas do Cacique de Ramos às quartas-feiras para acompanhar nomes como Zeca Pagodinho e Almir Guineto [1946-2017] se apresentando.
No palco do The Voice+, ele optou por dar a sua versão ao clássico do Fundo de Quintal "A Batucada dos nossos Tantãs" (1993) e "Poder da Criação" (1980).
"Muito do que nós estamos cantando remete a lembranças e grandes recordações de várias passagens na vida. A música transmite isso. Tem uma história por trás de cada canção", explica o artista que já tem recebido convites para shows, mas prefere aguardar o final da pandemia para aceitá-los.
"Estamos sendo tratados como reis no que eu acho que é o melhor programa que a Globo já fez. É a oportunidade para pessoas que pensam que não teriam mais chances na vida. O The Voice+ resgatou o que estava parado dentro de muitos idosos que estavam pensando que a vida tinha terminado", completa.
Para o produtor musical João Marcello Bôscoli o repertório dos candidatos coincide com uma época de produção musical aflorada no país. Sobretudo nos anos 1960 e 1970, a tecnologia e as novas maneiras de produzir música começaram a evoluir. Além disso, havia aula de música nas escolas públicas nessa época.
"De maneira geral, esse The Voice+ é muito consistente. Me faz ficar feliz com o Brasil que formou essas pessoas. As escolhas são naturais de pessoas que cantam seu período de formação e desenvolvimento artístico. Repertório é bom, pois o Brasil é interessante nesse período. São músicas que sobreviveram ao teste do tempo", explica.
Para o especialista, os repertórios também refletem as paradas de sucesso das décadas. O samba, por exemplo, é um ritmo que permanece com o tempo com produção constante. A Bossa Nova também marcou e foi o gênero responsável por apresentar o Brasil ao mundo entre 1950 e 1960. Era o que tinha de mais pop.
"Quando você canta vem junto os aromas, as experiências e as vivências que transcendem a interpretação. A voz apenas canta, mas é da alma que sai a reprodução do sentimento. Quando você canta uma música de um período mágico da sua vida vem tudo à tona", destaca Bôscoli.
O produtor musical Otávio de Moraes também de diz feliz com o resgate dos clássicos e diz que é um serviço às novas gerações.
"Sou sempre favorável a olhar sob o ponto de vista histórico. Ver a história sendo cantada desde Pixinguinha [1897-1973] passando por Heitor Villa-Lobos [1887-1959], Tom Jobim [1927-1994], João Gilberto [1931-2019], é interessante. Com certeza esse resgate histórico terá alguma reverberação afetiva no futuro aos hoje mais jovens", afirma.
Assim como Bôscoli, Moraes afirma que "não tem música ruim" nos repertórios dos candidatos até o momento. Para ele, o fato de as décadas de 1960 e 1970 terem sido as mais contempladas pode ser explicado por estarem incluídas em um momento artístico dos mais fervilhantes.
"Era um momento em que houve uma explosão criativa. Acharam uma nova maneira de compor e de fazer música. Tecnicamente, as coisas mudaram, as gravações melhoraram, os níveis de produção evoluíram. Foram avanços de sonoridade e de harmonia vivenciados por esses cantores hoje no The Voice. Agora, podem pegar esse aprendizado e dar aula de música", finaliza.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta