Não é exagero dizer que a cultura do país sofreu um apagão. Eventos, shows, exposições e apresentações estão sendo cancelados desde a primeira quinzena de março, quando o Ministério da Saúde intensificou um alerta para que a população evite aglomerações por conta do avanço da pandemia do novo coronavírus.
No Brasil, de acordo com dados fornecidos pelo IBGE em 2018, cerca de cinco milhões de pessoas trabalham no setor. Todas foram afetadas em maior ou menor grau pelo cenário de recessão.
Estimativas de 2017, de acordo com o Atlas Econômico da Cultura Brasileira, lançado pelo Ministério da Cultura, o setor foi responsável por 2,64% do PIB nacional. Os prejuízos com a parada das atividades ainda são incalculáveis.
Em meio ao panorama de incertezas causado pelo covid-19, o Divirta-se conversou com produtores e agentes culturais capixabas para saber como o setor está tentando vencer a crise. A resposta foi praticamente uníssona: com criatividade e tirando proveito da popularidade que as redes sociais ganharam em todos os nichos da sociedade.
Sócio-proprietário da Toro Club, uma das casas noturnas mais movimentadas da Grande Vitória, Renato Rossoni aposta em festas online, com DJs se apresentando em lives transmitidas pelo Facebook.
Realizamos a primeira Toro Live, no sábado (21), e a resposta foi extremamente positiva. A festa só terminou às 6h de domingo, com acessos frequentes. Chegamos a ter um pico de 120 internautas, comemora o empresário.
A ideia de usar a internet não se restringe às lives. Ainda queremos lançar uma loja virtual, vendendo óculos, camisas e bonés com a nossa marca, mas isso ficará para mais tarde, quando conseguirmos fazer um caixa que nos dê uma certa tranquilidade para continuar tocando o negócio. A necessidade agora, de acordo com o empresário, é manter os 17 funcionários da casa trabalhando.
Não queremos demitir ninguém, portanto, vamos revezar os profissionais. Em cada festa online, cinco trabalham, complementa, afirmando que as lives vão durar enquanto o Toro Club estiver impossibilitado de abrir as portas.
Para a noite de sábado (28), a "Toro Live" traz como atrações Bruno Matias e Gamatech, começando às 21h, com transmissão pelo Facebook da casa noturna.
VJ, Bruno Dias, um dos proprietários da PixxFluxx, pioneira em videomapping no Estado, aposta nas redes sociais para continuar divulgando seu trabalho. A empresa atua, entre outras atividades, com projeções em superfícies de grande dimensão, como fachadas de prédios e carros, e com cenografias virtuais de palcos de shows e peças de teatro.
Durante o período de quarentena, Bruno aderiu ao movimento Cinema na Janela, que está conquistando vários seguidores no país. Ele exibe diariamente, a partir das 19h, vídeos, curtas e filmes em longa-metragem nas fachadas de um prédio em Jardim da Penha (Vitória). A projeção é feita da janela de seu apartamento, usando seu material de trabalho. Transmito tudo via live no Instagram da PixxFluxx, portanto, todos podem assistir. É uma forma de levar cultura em épocas de isolamento social."
As projeções começaram na segunda (23), com o clássico Tempos Modernos (1936), de Charlie Chaplin. Queremos exibir trabalhos de cineastas capixabas. Na terça (23), rolou uma sessão com filmes do cineasta Diego Scarparo. Vamos projetar obras da PixxFluxx em outros dias. Queremos seguir de forma contínua, com programação variada, até o fim da quarentena, adianta.
Como atua em eventos (a maioria cancelados por conta do surto da doença), Bruno Dias revela que chegou a hora de repensar os rumos da empreitada. Queremos criar conteúdos voltados para a internet. Mesmo assim, acredito que o governo deva apoiar o pequeno e médio empresário, criando subsídios para nos dar suporte nesses momentos de crise, enfatiza.
No teatro, a situação está bem além do simples existencialismo shakespeariano de ser ou não ser. A dependência de um espaço físico para movimentar o setor tornou a atividade impraticável no país.
Bruna Dornellas, produtora executiva da WB Produções, diz que o momento é de pensar em projetos futuros. Não temos outra opção. Vivemos de eventos e, com os teatros fechados, não temos movimentação financeira, lamenta, afirmando que, como saída, mantém suas redes sociais ativas.
Trocamos informações com produtores culturais de todo o país, especialmente na tentativa de conscientizar o público a não pedir o ressarcimento dos ingressos adquiridos para sessões que tiveram que ser canceladas. Nosso desejo é que a plateia espere as remarcações das peças, afirma, falando que também usa a internet para dar dicas de montagens que estão disponíveis online.
Como exemplo, cita o espetáculo Antes do Ano que vem, com Mariana Xavier, um projeto que permanece inédito. O autor Gustavo Pinheiro disponibilizou duas peças de sua autoria que estão disponíveis nas redes: A Tropa e Lair. Pode servir para matar a saudade do teatro em tempos que quarentena, indica.
Em Vitória, a série de apresentações canceladas, como Loloucas, com Heloísa Perissé, Meu Quintal é Maior que o Mundo, com Cassia Kis e "Eu de Você", com Denise Fraga, ainda não tiveram suas datas remarcadas. Rose: A Doméstica do Brasil, com Lindsay Paulino, estava marcada para o final de abril e também deve ser adiada. Para Rose, espero ter uma data prevista em breve, adianta Bruna Dornellas.
Produtora cultural, Simone Marçal também acredita que o momento é de reflexão e planejamentos futuros. O ano de 2019 foi difícil para a classe artística, pois fomos atacados e menosprezados por várias frentes. Agora, estamos lidando com algo ainda mais complicado, que é a pandemia do covid-19. Precisamos nos reinventar, desabafa, dizendo que os governantes precisam atuar como parceiros do setor.
O poder público deve agir. Não cancelar editais e contratos é apenas o começo. A cadeia produtiva, desta forma, mantém-se ativa, aconselha, afirmando que alguns estados já estão desenvolvendo editais específicos para conservar o setor em atividade, mesmo com a paralisação de parte da cultura.
Simone fala com cautela sobre seus projetos. O Formemus, que seria no início de junho, vai ser adiado, mas queremos lançar os chamamentos em abril. Estamos em home office, mas focados em resolver essas questões, relata, ressaltando a parceria com Daniel Morelo (seu sócio) e afirmando que pretende realizar o evento de música em Vitória no mês de agosto.
No ano passado, o Formemus entrou para uma lista que conta com as principais feiras do mercado da música. Queremos que ele se mantenha ativo, ressalta.
Também organizadora do Marien Calixte Jazz Music Festival, cuja primeira edição aconteceu em outubro de 2019, Simone acredita que falar em mudança de data ainda seja cedo. Estamos em processo de captação de recursos, mas queremos realizar a segunda edição e contamos com os empresários capixabas, principalmente porque é um projeto aprovado na Lei Rouanet.
A produtora cultural defende ações pontuais, como festivais online, para vencer a crise. Estamos no momento das lives. Essa ação é importante para que o artista continue formando o seu público. Temos a ideia de fazer vídeos para a internet sobre produção e projetos para editais. Quem sabe não seja a hora de realizar?, complementa.
Ciente da importância das ações do poder público para apaziguar a recessão por que passa o setor, o secretário de cultura do Estado, Fabrício Noronha, conforme noticiou A Gazeta, participou de uma reunião por videoconferência com Regina Duarte, ao lado de outros 21 secretários estaduais, com o intuito de estudar medidas que reduzam o impacto da crise do novo coronavírus.
Em nota, por meio de sua assessoria, a Secult afirmou que algumas medidas já estão sendo tomadas, entre elas, a flexibilização dos prazos de prestação de contas dos editais e o apoio efetivo aos eventos online. A assessoria ressaltou que novas ações estão sendo planejadas e serão discutidas na Sala de Situação do governo estadual.
Em âmbito federal, a Secretaria de Cultura do Estado afirmou, na mesma nota, que estão sendo discutidos o aumento de linhas de crédito, o diferimento no recolhimento de impostos da área cultural e a criação de novos editais que incluam a modalidade online, praticamente a única opção de mercado em épocas de quarentena e isolamento social.
A pasta adiantou ainda que os secretários solicitaram repasses imediatos aos Estados por meio do Fundo Nacional de Cultura, com o intuito de que os fundos estaduais realizem ou expandam seus editais. Também foi colocada a necessidade de ações federais junto às empresas e profissionais autônomos da cultura.
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