Algumas mulheres gostam de culpar o sexismo por seus fracassos, em vez de admitir que não se esforçaram o suficiente. A frase, que soa atual - principalmente com o avanço de movimentos conservadores no cenário político mundial -, foi dita na década de 1970, tornando-se umas das marcas registradas de Phyllis Schlafly, que, na ficção, é interpretada com brilhantismo por Cate Blanchett na minisérie "Mrs. América", que estreia na próxima terça (29), às 23h, na Fox Premium.
Schlafly, advogada, dona de casa e ativista da extrema-direita (chegou a ser uma das responsáveis pelo avanço da campanha que elegeu Donald Trump, em 2016), foi símbolo do movimento antifeminista norte-americano, que, nos anos 70, lutou com unhas e dentes contra a votação da "Equal Rights Amendment" (a emenda dos direitos iguais) .
Hoje, em uma sociedade com mulheres atuantes, causa estranheza saber que uma delas lutou contra a opção do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a chance de mulheres servirem as forças armadas e a oportunidade de terem os mesmos direitos trabalhistas que os homens. A alegação de Phyllis, que chegou a se candidatar ao congresso, era de que, com as mudanças, as donas de casa perderiam seus privilégios.
Phyllis Schlafly soube capitalizar sua notória capacidade de mobilizar as massas para defender ideais conservadores. Paranoica em relação à segurança de seu país - sentimento que permeia quase todos os seguidores do Partido Republicano - ela foi coautora do livro "The Conservative Case for Trump", lançando pouco antes de sua morte, em 2016.
Na obra, descreve as posições de Trump sobre questões políticas e de segurança pública, convocando os conservadores a votar no candidato vencedor do pleito para a presidência dos Estados Unidos naquele ano.
Polêmicas à parte, "Mrs. América", atração em nove capítulos criada por Dahvi Waller (a cabeça pensante por trás de "Mad Men"), acerta ao não promover juízo de valor sobre as ações de Phyllis. O talento de Blanchett, uma feminista convicta, humaniza o personagem.
Schlafly, em nenhum momento, é retratada como vilã (adjetivo que realmente não lhe coube), mas sim como uma mulher que lutou pelo direito de se expressar e defender suas ideias políticas e sociais.
Também é acertada a opção por criar capítulos multitemáticos, que centram suas forças em desvendar personagens com pensamentos progressistas e conservadores, como Gloria Steinem (Rose Byrne, em ótima atuação), Betty Friedan (Tracey Ullman, brilhante atriz), Bella Abzug (Margo Martindale), Jill Ruckelshaus (Elizabeth Banks) e Shirley Chisholm (Uzo Aduba).
Chisholm, a primeira mulher e negra a concorrer à presidência dos Estados Unidos, deu a Uzo Aduba o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante recentemente.
A participação ativa da personagem ressalta o sentimento de inclusão que permeia a minissérie. Shirley Chisholm representou uma luta muitas vezes esquecida pelo próprio movimento feminista: os percalços da mulher negra.
O olhar sensível de Dahvi Waller conduz uma trama que prima pela elegância, seja na reconstrução de época impecável - fruto da atenta direção de arte de Kimberley Zaharko ("X-Men: Fênix Negra") - ou mesmo na compacta atuação de suas atrizes.
Sim, faltam personagens masculinos fortes, o que os mais conservadores, como Phyllis Schlafly, poderiam chamar de misandria. O pecado, se realmente existe, é compensado por uma atração que promove um debate atual sobre os direitos e os deveres da mulher, assuntos sempre pertinentes em uma sociedade onde o homem ainda é a força dominante.
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