Morto nesta quinta-feira (15), Rike Soares e sua produtora Antimofo fizeram história na cultura e vida noturna do Espírito Santo. Chamado de visionário e realizador pelos amigos, o DJ Rike Sick veio de São Paulo, em 2002, cheio de ideias e chegou a ter três casa noturnas em pleno funcionamento antes da pandemia: Stone Pub, Fluente e Bolt.
Muita gente passou por esses espaços e até por locais anteriores que acolheram festas da produtora em seu início. O Divirta-se aproveitou para conversar com algumas dessas pessoas que cresceram, se profissionalizaram e até mudaram rumos das carreiras, para contarem esta história e sua relação com o produtor.
O início é apresentado pelo diretor de conteúdo Fabio Martins, o DJ Kalunga. "Minha relação com o Rike veio antes da Antimofo. Ele e a Dessa (ex-mulher do produtor) vieram de mala e cuia para Vitória, em 2002, quando se estabeleceu uma amizade. Eles chegaram com um sotaque diferente num bar e foi tudo se encontrando. Por vezes, eles foram dormir na casa da minha mãe, em Jardim da Penha", inicia.
E tudo foi se encontrando mesmo. Afinal, pouco tempo depois, ele tentaria uma vaga de estágio onde Fabio trabalhou por pouco mais de um ano. "Quando o Rike chegou de São Paulo, chegou na cara e na coragem. Ele foi na Rede Gazeta me pedir um estágio no Gazeta Online. Levou cartazes e o material de arte gráfica que ele fazia. Foi ali que a gente se conheceu", conta o jornalista e empresário Renato Costa Neto, que trabalhava no portal e também tocou nas festas da produtora.
"Na sequência, ele começou a cuidar da parte de agenda artística daquele antigo pub que existia na Rua da Grécia, o Pub 455, que foi o primeiro lugar moderno das festas alternativas, que nem existe mais hoje", lembra Renato.
"Ele começou com a Dessa a fazer alguns eventos ali e convidou muitas pessoas que, naquela época, gostavam do indie rock e queriam festas diferentes. Foi chamando essa galera para discotecar, pessoas que não eram DJs profissionais. A intenção era trazer pessoas que gostavam de música, que ouviam música em casa e que queriam ouvi-las nas festas", detalha o empresário.
"A gente criou uma festa no extinto Pub 455. Bombava! A gente era pau para toda obra. Ele era mestre em arte gráfica e fazia flyers incríveis. Ele ia para a Rua da Lama chamar o povo para conhecer o som que a gente ia tocar, tinha fila na porta", completa o DJ Kalunga, sobre o início das diversas histórias vividas com Rike.
"Ali foi o embrião do que futuramente viria se tornar a Antimofo, que depois migrou para o Centenário e marcou uma geração de pessoas em Vitória", destaca Renato sobre a criação da produtora comandada por Rike em 2004.
Nesta época, Kalunga partiu para São Paulo com a ajuda de Rike, que o ajudou em diversas situações. "Ele me apresentou a galera dele de lá, e eu fui acolhido de maneira ímpar".
Rike ainda morava na Prainha e vivia uma vida humilde, como revela o jornalista Marcelo Zorzanelli. "Eu me encontrei com o Rike pela primeira vez em 2004, quando eu era estagiário da agência de publicidade MP, e ele era um dos poucos que sabiam usar computadores Macintosh para finalizar as peças que a criação mandava. Ele tinha um cacoete de puxar um tufo de barba do próprio rosto enquanto finalizava as peças", inicia.
"O Rike morava num cortiço ali na Prainha e tinha um carro muito cansado, acho que uma Belina ou algo assim. Em um daqueles dias de dureza financeira, ele me levou para comer na casa dele. Eu me lembro que havia uma escada jogada no corredor. Era um ovo e voltar para trabalhar", detalha o jornalista.
Mesmo com o aperto, a Antimofo dava os primeiros passos e era necessário iniciar novos contatos. Aliás, fazer contato parecia ser algo que o rapaz vindo de São Paulo tirava de letra.
"Rike bateu à porta da redação de A Gazeta para divulgar as primeiras festas da Antimofo, em 2004. Impressionava a empolgação daquele rapaz com sotaque paulistano, querendo criar espaço na noite capixaba para um jovem até então sem muita alternativa. Conseguiu tirar o mofo da cena local rapidamente, captando como poucos o espírito daqueles tempos", relembra a editora de Opinião de A Gazeta, Carol Rodrigues, que na época era repórter do Caderno 2, do mesmo jornal, e discotecou em algumas festas da Antimofo.
"Em 2004, ano das primeiras festas da Antimofo, a cultura mudou. As festas no Clube Centenário, em plena Praia do Canto, reuniam a galera do hardcore à da música eletrônica - em pouco tempo várias galeras diferentes se tornaram uma só, a da Antimofo", destaca o colunista de A Gazeta Rafael Braz em sua coluna.
"Na época, tinha um evento muito importante que estava para acontecer e começamos a nos falar, porque ele também era do ramo. E aí nos conhecemos. Depois de um tempo, mudamos de área, mas ele se inspirou nesse evento que estou te falando para criar a Escola de Rock, que acontecia na Antimofo", lembra a gestora em Marketing, Ilma Geovanini.
Com carinho, Ilma complementa: "Convivemos, fazíamos trabalhos juntos... Ficamos com um bom contato por algum tempo. Depois comecei a trabalhar com Publicidade, e ele montou a Antimofo, mas sempre nos víamos".
A jornalista Thaiz Sabbagh, que atualmente reside em Dublin, criou uma das festas que entrou para o catálogo da produtora ainda em 2004: a Bagaceira, com temática cafona. Em um depoimento no Instagram, ela mostrou como era o espírito de Rike Soares:
" Rike, o que acha de a gente contratar aquele mascote da loja de colchões pra Bagaceira?! Bora!, dizia um dos maiores topa-tudo sem dinheiro que já conheci na vida. E lá ia a gente, produzindo uma festa doida, sem nem mesmo carro para pegar o tal mascote e organizar uma festa."
Quem lembra bem deste período é o relações públicas Dudu Altoé, também conhecido como DJ Bitchslap, que tocou por anos nos eventos produzidos por Rike.
"Conheci o Rike como grande parte de quem acabou o conhecendo depois que a Antimofo iniciou. Comecei a frequentar os eventos, e a gente começou a interagir. Ele e a Dessa sempre foram 'da galera'. De 2008 a 2011, eu carregava a câmera fotográfica pelo Centenário e fazia conceito de paparazzi (risos). Não consigo pensar na minha vida sem a Antimofo", relembra Eduardo, que destaca: "São 16 anos de Antimofo, e sou um dos poucos do início que ainda frequentam os espaços. Costumo dizer que sou o antimofense mais velho na ativa", brinca.
"Sob o comando de Rike, o Centenário recebeu shows de bandas de rock e de artistas como a Madoninha Capixaba, tudo no mesmo clima de alegria e respeito. Se tem algo que pode ser dito sobre a Antimofo é que a produtora criou um lugar seguro para o público LGBT jovem, que finalmente sentia pertencer a um meio. Mais tarde vieram Stone Pub, Fluente e Bolt que só tornaram sólido o que ele havia começado a construir lá atrás", continua Rafael Braz.
"Ele criava uma atmosfera super acolhedora, fácil. Você podia chegar de qualquer jeito que ia curtir como todo mundo. Você não ia ter diferenciação pelo seu jeito ou se sentir inibido e acuado como em outros lugares. Ele ajudou a unir umas tribos completamente antagônicas, do hardcore, os gays, góticos, galera do samba/rock, todo mundo podia frequentar uma das festas da Antimofo", enaltece Dudu.
"A Antimofo é a razão da diversão e entretenimento de uma geração inteira: pessoas de 40 anos, como eu tenho 46, quem tem 30, quem tem 20 anos - já que nos últimos anos a Antimofo se mantinha atuante e fazendo festas para o público mais jovem", reforça Costa Neto.
"Ou seja, toda uma geração na Grande Vitória se divertiu, se informou, conheceu música ou se tornou um profissional do entretenimento porque trabalhou na produção, tocou com sua banda ou foi DJ na Antimofo, seja no Teacher's Pub, Stone Pub, Pub 455, Centenário, Clube 106, festas ao ar livre debaixo da Terceira Ponte, da Ponte da Passagem, Celebration, depois Fluente, e mais recentemente o Bolt", completa.
"Rike quebrou muralhas e expandiu a forma como a gente passou a se divertir aqui em Vito?ria. A cidade se desencaretou um tanto a partir de sua ousadia e criatividade. Ele fara? parte para sempre do imagina?rio da cena musical dessa cidade. Ecoaremos e seguiremos entoando um 'chama o Rike' sempre que a alegria e o amor precisarem prevalecer", salienta o secretário de Estado de Cultura, Fabrício Noronha, em depoimento publicado em suas redes sociais.
"Era um apaixonado e um sonhador. Isso era difícil de entender muitas vezes. Mas quem conseguia ficar com raiva do Rike?! Eu não conseguia. Então: "Chamaaaaa o Rike!" E lá seguia eu festa adentro muito grata a ele por me proporcionar noites tão felizes", lembra Thaiz Sabbagh.
"Rike não será lembrado somente como um visionário, o cara das ideias mirabolantes, mas principalmente como um aglutinador. As pessoas que se conheceram dançando na sua pista invariavelmente expandiram suas relações para fora dali, em amizades, namoros, casamentos, projetos profissionais... o Rike é padrinho de tudo o que nasceu ali. Receptivo e carinhoso, fazia qualquer um se sentir em casa", finaliza Carol Rodrigues.
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