"Soltos, livres e loucos!", ordena um assistente de direção a um grupo de 150 figurantes dispostos em círculo ao redor de uma fogueira de seis metros de altura.
Vestidos em trajes brancos com bordados típicos da Ucrânia, as meninas equilibrando coroas de flores, os figurantes obedecem ao apelo. Pulam, dançam, brincam --até que um grito de "corta, cortou!" interrompe a festa.
O objetivo é reproduzir o Ivana Kupala, ritual que celebra o solstício de verão em alguns países eslavos e central na trama de "Desalma", série do Globoplay com estreia prevista para o ano que vem.
Afinal, é durante a festa que a jovem Halyna (Anna Melo) desaparece, para desespero de sua mãe, Haia (Cássia Kis, que vive uma bruxa com longos cabelos brancos), e trauma da fictícia cidade de Brígida, fundada por imigrantes ucranianos no sul do país.
O povoado decide banir o evento do calendário, e só retoma a festa 30 anos depois.
É quando coisas estranhas passam a acometer as famílias de Ignes (Cláudia Abreu), melhor amiga de Halyna na juventude, e da recém-chegada Giovana (Maria Ribeiro).
A escritora Ana Paula Maia, vencedora do Prêmio São Paulo pelo romance "Assim na Terra como Embaixo da Terra" e roteirista de primeira viagem, conta que a inspiração para a história veio quando ela se mudou do Rio de Janeiro para Curitiba, há quatro anos.
Por lá, são visíveis os traços da cultura ucraniana --o Paraná abriga cerca de 80% da população de descendente desses imigrantes, e na cidade de Mallet, a três horas de Curitiba, até mesmo o Ivana Kupala é celebrado.
Afeita a personagens masculinos e um tanto bestializados, a autora tem em "Desalma" a sua história mais feminina. "Queria falar de bruxa, e não dá para falar de bruxa sem mulheres", ri. Também essa será a sua primeira ficção a assumir de vez o terror.
Fã do gênero desde criança --ela lembra da bronca que levou da mãe ao assistir ao primeiro filme do tipo, aos cinco anos--, a escritora diz que ele é ideal para retratar desde questões sociais a psicológicas, passando pelas espirituais.
Não é só Maia que estreia no terror. Esta é a primeira investida da Globo em uma narrativa do tipo, embora o diretor artístico Carlos Manga Jr. prefira o rótulo de "drama sobrenatural". "Tudo começa com um drama humano, que é a não aceitação da perda. É através dessa dor que o sobrenatural se faz presente", justifica.
Por trás de "Se Eu Fechar os Olhos Agora" e "Aruanas", outras duas produções da emissora lançadas no streaming, Manga Jr. diz que a aposta é uma forma de fazer frente a produções internacionais dos outros serviços de assinatura.
"Muitas séries de Netflix, HBO, Amazon envolvem essa coisa humana misturada com a metafísica. E temos um público cada vez maior que consome séries de gênero."
Pelo teaser, "Desalma" deve duelar com a alemã "Dark" e com "Castle Rock", inspirada nos contos de Stephen King.
Da floresta de pinheiros que serve de locação para a série à criança demoníaca que encara a câmera, passando pela fotografia em tons azulados e a trilha sonora macabra, ali estão muitas das convenções de um gênero que também no cinema tem ganhado espaço no país, com obras como "As Boas Maneiras", de Juliana Rojas e Marco Dutra, e "A Sombra do Pai", de Gabriela Amaral de Almeida.
A expectativa da emissora é alta. A série constava no catálogo prioritário que a Globo levou à Mipcon, principal evento do calendário televisivo internacional que se encerrou em Cannes, na França, na semana passada. E apesar de a estreia estar longe, Maia já escreve uma segunda temporada.
* A jornalista viajou a convite da Globo
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