Romero Ferro deu um salto e tanto de seu primeiro álbum, "Arsênico" (2016), para este segundo, o "Ferro" (álbum no fim da matéria), completamente lançado entre o primeiro e segundo semestres deste ano (os singles do disco foram liberados em cápsulas desde novembro do ano passado). Nesta produção, o cantor de 28 anos tanto deixou mais na cara sua paixão pelo pop quanto levantou bandeiras que antes tinha medo de estampar, como pela luta na causa LGBT+. Além disso, várias das 10 faixas que estão na obra trazem elementos da new wave e influência dos anos 80 ao melhor estilo dos teclados e sintetizadores. Delas, inclusive, nove são autorais.
E se é para mudar, que seja radicalmente: logo na música de trabalho do disco, "Tolerância Zero" (ouça música abaixo), o pernambucano solta a voz com a trans Mel, ex-Banda Uó, e Hitan, rapper gay baiano. "Acho que essa música chega em um momento muito forte. Estamos em uma situação problemática no País da política... Do governo Dilma para cá, a situação está difícil. E tem se falado muito em intolerância e tudo o mais", começa ele, em entrevista exclusiva à Gazeta.
Mas não foi só política que motivou Romero a se libertar desse jeito por meio da arte. Nesse meio tempo - foram mais ou menos dois anos de um álbum para o outro - até a relação dele com a família mudou. "Hoje, sim, eu me considero militante. É algo que no disco passado tinha medo de assumir. Também não estava totalmente esclarecido com a família sobre minha sexualidade e, com o meu amadurecimento, tudo foi ficando mais claro", reitera.
Como foi o processo de produção desse novo álbum?
Esse álbum vem de um processo de mais ou menos dois anos entre pré e produção, junto dessa finalização. E é um processo que vem muito fluído em relação ao que fiz no primeiro álbum. É como se esse momento fosse um segundo passo, sabe? Meu trabalho anterior é bem diferente e isso tem muito a ver com a minha maturidade como artista, como pessoa, de enxergar as coisas de outras formas. Mas eu sinto isso muito como um processo criativo, que vem desde que eu lancei 'Arsênico' até agora, com 'Ferro', que tem um pop brega com new wave e toda essa ideia tropical com um disco solar, dançante, letras muito pontuais, fortes... É um disco de que estou bem orgulhoso.
Você acabou deixando mais evidente seu lado pop nesta nova produção. É um movimento que vem de "Arsênico"? Como foi a migração?
Na verdade, eu sempre me entendi como um artista pop. Sempre falei isso para quem me perguntava. É que eu acho que o pop é um guarda-chuva que possibilita várias coisas. O pop não é só ritmo, ele é um contexto estético agregado. E eu sempre me vi nesse contexto. Mas, em 'Ferro', eu deixei que as coisas fossem mais fortes, mais marcantes, que o trabalho fosse mais pop mesmo. Queria me conectar com mais pessoas, queria que as pessoas escutassem e facilmente identificassem alguma característica, algo assim. Eu lembro que, durante o processo de produção, eu busquei pontos em comum entre as músicas. Acho que o artista é um comunicador para quem o acompanha.
E qual é a mensagem que você quer passar com "Ferro"?
Eu acho que ele fala de liberdade em um contexto geral, dde se expressar como você quiser, como se entender, mesmo que você mude de ideia depois. Eu acredito que nós somos seres incoerentes que mudamos direto de ideia, porque estamos nesse processo de amadurecer sempre. O álbum fala dessa incoerência mas, ao mesmo tempo, da possibilidade de ser livre. Liberdade na vida, nas relações, e do amor. Acho que o amor permeia o disco todo.
E quais são as inspirações para atingir esse resultado?
Quando eu vou compor, sempre pego coisas que eu vivi, mas também misturo com coisas que eu leio, coisas que vejo em um filme ou que eu vejo no dia a dia. Sou muito observador. Você observa para usar o que mais acha interessante para a sua arte. Tudo que está em torno vira instrumento para você formar a composição. É um processo que me traz auto conhecimento muito grande.
"Tolerância Zero", a música de trabalho, está tendo ótima repercussão na web. A que atribui esse sucesso?
Acho que a música vem em um momento muito forte. Estamos em uma situação problemática na política do país. Do governo Dilma para cá, a situação está difícil e tem se falado muito em intolerância e tudo o mais. Para este clipe, convidei gente que representa um pouco do que eu também represento. Sou um artista LGBT e queria que nós cantássemos dentro do nosso contexto de vida. Lutamos sobre respeito. Mas a canção fala de intolerância geral, então cabe em outras inúmeras possibilidades.
Algumas letras das músicas e sua presença nas redes sociais mostram muito de você e a gente percebe um quê de resistência em vários pontos dos seus trabalhos. Hoje você se doa à militância?
Hoje, sim, me considero militante completamente. No disco passado, eu tinha muito medo de assumir a bandeira LGBT e ser criticado... de que estaria me aproveitando da causa. Mas aí amadureci e pensei que tinha que colocar aquilo junto do que eu já estava fazendo na minha música, nos meus posts, no dia a dia, na rua... Também não estava totalmente esclarecido com a família sobre minha sexualidade e aí conversei, falei que não tinha que me esconder para eles, que não tenho vergonha porque venho do interior. Meus pais sempre me amaram muito, mas sempre me criaram em cima de religião.
E como ficou a relação com eles depois disso tudo?
Minha mãe resistiu desde o primeiro momento, meu pai foi mais tranquilo. Mas hoje eles aceitam tudo bem. Depois que conversei com meus pais, falei com toda a minha família de forma bem direta. E foi engraçado porque muitos deles sabiam, mas nunca tinham ouvido da minha boca. Expliquei como eu levaria isso para o meu trabalho e foi incrível, porque abri uma porta na minha família para que outras pessoas falassem sobre isso depois.
Em "Ferro" você também cria uma mescla que vai de uma música romântica para um pop com um sintetizador e influência da new wave bem característica. São todos elementos aos quais você já estava habituado?
Eu sempre fui doido pelos anos 80. Aí, meu primeiro disco foi bem soul, disco music, tudo voltado para os anos 80. E eu tinha uma vontade de, no segundo álbum, explorar outras identidades sonoras do mesmo período e já estava na minha cabeça essas influências de forma mais sintética de tocar, acho muito bonito. E aí, quando estava conversando com o diretor artístico do trabalho, pensamos de juntar a new wave com o brega pernambucano. Como não encontramos nada parecido antes, decidimos seguir e deu supercerto.
Além de todas as influências visuais que remetem a um Brasil dos anos 70, 80, o seu sotaque arremata tudo dando uma brasilidade bem característica às músicas. Acha que falta isso hoje em dia?
O meu sotaque foi uma coisa muito engraçada, porque foi um processo de entendimento do meu sotaque como uma arma poderosa. Lembro que trabalhei com um produtor que ele chegou e disse que eu tinha que ter um sotaque mais universal. E aí fui para a fonoaudióloga para dar uma suavizada e tal. Ao encerramos esse trabalho, eu comecei a me perguntar sobre aquele episódio e cheguei à conclusão de que não existe isso. O meu sotaque é meu e pronto. E aí, usei da minha forma de falar para mostrar para as pessoas o que eu queria mostrar o que eu sou. Acho que a gente está em um momento que estamos valorizando isso, pelo menos no mercado da música independente.
E como acha que foi a sua transformação nesse meio tempo como artista?
Tem um salto gigante artisticamente. O primeiro disco foi uma escola. A música sempre me ajudou a crescer. Eu cresci com a música para poder fazer o meu primeiro disco e cresci com ela para enfrentar todas as minhas questões pessoais como sexualidade, política... E se eu não fosse cantor, talvez, eu não me sentisse tão necessário de assumir bandeiras dessa forma. E a música me fez estudar muito. Me formei em Canto Popular pelo Conservatório Pernambucano de Música, também tenho outras formações e tudo isso a música que fez.
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