Em um ano sob pandemia, o mercado editorial não sofreu o grande baque que se esperava quando, no final de março do ano passado, livrarias e bibliotecas tiveram de ser fechadas e as pessoas ficaram em casa temerosas do futuro.
O hábito de comprar online, que ganhou força, salvou as vendas das editoras, mas forçou as livrarias a uma competição com gigantes virtuais que pôs em risco sua sobrevivência.
A Blooks acaba de fechar duas de suas unidades, dentro dos cinemas Reserva Cultural, em São Paulo, e Estação Net, no Rio de Janeiro. "Nunca ia imaginar que um ano depois do começo da pandemia estaríamos numa situação muito pior", diz Elisa Ventura, que comanda a rede. "Todo o planejamento que eu fiz de um ano para cá foi por água abaixo com essa piora."
Ela diz que, mesmo contando com a parceria das editoras e do shopping Frei Caneca para renegociações, não tem como sustentar mais um mês de loja fechada em São Paulo. "Se em maio continuar fechado, eu jogo a toalha", lamenta.
Já tiveram esse destino melancólico, há pouco, espaços tradicionais do Rio como as livrarias São José e Timbre.
"A gente está se planejando para lidar com um ano ainda muito difícil", diz Irene de Hollanda, uma das diretoras da Megafauna, que começou a funcionar em novembro no edifício Copan e em março suspendeu tanto vendas presenciais quanto remotas, para preservar os funcionários. "Havia uma certa expectativa de retomada a partir do segundo trimestre e o que aconteceu foi o oposto."
A livraria de rua Mandarina, das sócias Daniela Amendola e Roberta Paixão, conseguiu segurar bem o ano ao se adaptar para as redes virtuais. O problema, diz Paixão, é que "ficou muito pesada uma segunda quarentena, o caixa não estava altíssimo a ponto de segurar um mês de loja fechada".
As livreiras, vale dizer, concordam com a necessidade sanitária de se fechar tudo neste momento de pico de mortes. Ventura, da Blooks, ressalta que não briga para reabrir, mas para que haja algum tipo de ajuda do governo.
Do lado das editoras, contudo, o balanço de receita na pandemia não é nada trágico.
Numa comparação direta dos 12 primeiros meses de quarentena com os 12 meses anteriores, o volume de livros vendidos cresceu 3% e o faturamento subiu 0,8%, segundo levantamento feito para a reportagem pela Nielsen, que elabora o Painel do Varejo de Livros no Brasil com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
O ano foi de "uma recuperação extraordinária", afirma Marcos Pereira, presidente do sindicato, resumindo a questão dizendo que "a leitura vai muito bem, mas as livrarias estão sofrendo".
Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias, acrescenta que "quem sentiu mais foram as pequenas e médias, porque não estavam preparadas para o atendimento por meios eletrônicos".
Enquanto isso, a Amazon enviou um email a diversas editoras de menor porte para propor um novo acordo de descontos, entre 55% e 58% sobre o valor de capa de seus livros, aumentando também a taxa de publicidade --até então, a praxe era vender com descontos de 45% a 55%.
Editoras se uniram para recusar a proposta, mas, várias semanas depois, não tiveram resposta alguma.
A Carambaia, que teve uma queda de 70% de receita no começo da pandemia, está encerrando suas vendas na plataforma. "Não compactuo com as políticas da Amazon, que são nocivas para o mercado editorial e que vão, a longo prazo, levar ao fechamento de editoras e livrarias", diz Fabiano Curi, diretor editorial da casa voltada a edições limitadas.
Para se ter uma ideia de como a internet tem incrementado sua participação na venda de livros, o Magazine Luiza viu em um ano a categoria crescer 276% em seu site. Segundo Cristiane Davison, gerente de produtos da marca, o Magalu tem hoje lojas físicas em 300 cidades que não possuem biblioteca ou livraria, mas, em plena pandemia, não há estratégia concreta para passar a vender livros fora do ambiente virtual.
O panorama se completa com as pesquisas que mostram um aumento do desconto médio aplicado aos livros --se em 2019 ele foi de 18,45%, no ano seguinte passou a 22,94%. O consenso no mercado é que a guerra de preços imposta pelos grandes vendedores da internet é prejudicial a todos. "No final das contas, há uma desvalorização do produto, e a percepção do preço do livro acaba sendo prejudicada", diz Daniela Kfuri, diretora comercial da editora HarperCollins.
Com as livrarias fechadas, o maior desafio é fazer o leitor saber dos lançamentos. Regida por algoritmos, a compra online oferece ao usuário aquilo com o que ele já está acostumado. Os livreiros, diz Kfuri, têm um papel essencial na renovação dos títulos.
Para a editora Intrínseca, a saída foi fortalecer o canal aberto com os leitores nas redes sociais e no clube de assinatura Intrínsecos, que, segundo a diretora de marketing Heloiza Daou, cresceu 150% no ano da pandemia.
A TAG, outro clube de livros, saltou de 49 mil assinantes em março de 2020 para cerca de 70 mil hoje. "O produto faz sentido neste momento, pois é um jeito de se conectar e conversar com outros associados", diz o cofundador Arthur Dambros.
Mas para quem não pode comprar livros, ler ficou mais difícil com o fechamento das bibliotecas públicas na maior parte do ano. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, responsável por 54 bibliotecas, os empréstimos caíram de 660 mil em 2019 para 139 mil em 2020.
As bibliotecas estaduais de São Paulo oferecem, desde dezembro, o empréstimo de livros digitais, modelo que ainda engatinha no país. Pierre André Ruprecht, diretor executivo da SP Leituras, organização social que gere as unidades, aponta que, mais que a oferta de livros, foi afetado o acesso da comunidade a computadores, jornais e a uma programação de eventos ligados à leitura.
"O livro é um produto cultural e exige ações culturais", diz Gurbanov, da Associação Nacional de Livrarias. Hollanda, da Megafauna, afirma que hoje "trabalhar em defesa do livro, mais do que nunca, é um ato de resistência".
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