Érico Brás, 41, tinha apenas dez anos quando saiu de casa para comprar pão a pedido do seu pai e sentiu medo ao se deparar com dois policiais. O ator e apresentador baiano, conta que no dia anterior deste episódio, um jovem negro tinha sido morto pela polícia na porta de sua residência.
"Quando cheguei na padaria tinham dois policiais parados, senti que olhavam para mim porque eu era parecido com o garoto que morreu. Fiquei um tempo paralisado, estava com medo", contou Brás, em entrevista por telefone. A lembrança que o ator guarda até hoje, fez com que ele se inspirasse a escrever um livro sobre sua história, que inclui o preconceito por ser artista e homem negro no Brasil.
A obra, da qual o ator prefere ainda não revelar o título, tem previsão para ser lançada em meados de dezembro deste ano. "Vou falar sobre a minha trajetória e principalmente a relação que eu tenho com o sistema policial no país", afirma Brás, que afirma quase ter sido preso uma vez apenas por revelar sua profissão durante uma abordagem policial.
"Um policial me parou e perguntou: 'Você é o que?'. E respondi que era artista. Ele falou bem assim: 'Tá de sacanagem com a minha cara?'. Foi desse jeito que quase fui preso", conta Brás, que aponta esse como apenas mais um exemplo do preconceito enraizado na sociedade.
"Todo artista é um comunicador, emissário de mensagens, e eu sabia que não era um emissor qualquer. Eu era um artista negro. Isso me fez entender uma coisa muito grande e depois transformar em um livro", explica ele, que, apesar das dificuldades, diz que sempre acreditou que poderia pagar as contas fazendo arte: "Mas foi difícil assim como é para qualquer jovem negro que quer ser artista."
Brás comenta ainda os atuais debates sobre o racismo, provocados pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos: "Precisamos prestar atenção nesse momento político em que nós estamos, mas não esquecer do passado. O processo de escravidão no Brasil foi perverso. Quando ele declara 'terminado', não dá à população negra qualquer condição de vida", afirma.
"Nós vivemos num país absolutamente cristão que nos impede de acessar o sentido pleno da palavra ódio. Sentimos apenas medo acompanhado de temor", afirma o ator, que elege a política, a economia, a cultura e a religião como os quatro pilares responsáveis pelo "processo de perpetuação da escravização do povo negro" até hoje.
"Recebo muitas mensagens de jovens, pessoas brancas, que dizem que querem ajudar mas não sabem por onde. Isso não é por acaso, é porque a estrutura da informação desse país são assim", diz.
Para ele, é difícil pontuar com precisão as mudanças necessárias para o fim do racismo, mas rascunha: "A educação poderia transformar esse cenário, já que não é ensinado nas escolas. Nada mais é que o fruto do racismo estrutural do Estado brasileiro."
O ator não descarta ainda a participação da população branca em torno do movimento antirracista, mas na forma de apoio. "Elas [pessoas brancas] precisam entender que nós pedimos apenas apoio na nossa luta, não protagonismo. É preciso que elas deem a vez e se auto questionem: 'A moça que trabalha na minha casa, que é doméstica, é negra por que?'."
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