Há oito anos de volta ao Brasil depois de uma longa temporada na Espanha, Fernanda Cabral sentiu falta de mostrar sua reconexão com o País. Por isso, decidiu cantar as belezas que desde 1500 encantam os europeus, quando os colonizadores descobriram a promessa da terra mais fértil do mundo em solo brasileiro. Nessa influência do Velho Mundo mesclada aos gritos indígenas, a artista pretende, justamente, promover reflexão e exaltar seu retorno às origens em Tatuagem Zen, seu novo disco.
"Voltei há oito anos. Morei em São Paulo, no Rio... E esse ano que passei no Rio foi muito fértil", fala, em bate-papo com o Divirta-se. Além de "Pássaro", que Fernanda canta acompanhada de Ney Matogrosso - selo que assina a produção do disco, inclusive -, a cantora lança outras 11 músicas que abordam a mesma temática com sonoridade calma.
"É um disco que fala de questões pessoais, mas sempre por meio da natureza. É um disco muito ligado aos poetas... Quis me colocar mais no lugar do melodista e de estar com minha música a serviço da poesia, da letra. Então tem esse diferencial", resume.
Fernanda, que lançou seu primeiro disco da carreira em 2011, o "Praianos", chega em 2020 com sua versão voz e violão mais madura, mas mantendo essas essências sonoras que, segundo ela, são espontâneas e espelham os momentos pelos que ela vive. "Cada canção é um momento. E nesse caso, principalmente, foi para mim muito importante deixar tudo claro. Mas as coisas, se você olhar, se você vir as letras, tem um caminho em comum, mas é a relação com a natureza. É o aspecto mais forte", conclui.
Durante a entrevista, a artista também lamentou a questão das queimadas no Pantanal e desmatamento da Amazônia, falou de expectativas para os próximos meses de carreira e reiterou seu compromisso artístico de dar voz a questões sociais.
Meu processo de composição costuma ser bem lento. É um disco que vem sendo gestado há oito anos. Meu primeiro disco foi em 2011 e tem uma distância de nove anos, só para se ter uma ideia. Então são canções que foram realmente compondo todo um repertório que também têm a ver com meu momento de retornar ao Brasil e sentir a necessidade de estar mais na minha terra. Morei 15 anos na Espanha, desenvolvi minha carreira muito fortemente lá fora. E nisso vem uma aliança muito forte com a natureza.
É um disco que fala de questões pessoais, mas sempre por meio da natureza. É um disco muito ligado aos poetas... Quis me colocar mais no lugar do melodista e de estar com minha música a serviço da poesia, da letra. Então tem esse diferencial. É um disco que vem sendo gestado de uma forma muito orgânica, de momentos que vivi nesse retorno desde quando voltei ao Brasil, em 2012. Voltei e morei em São Paulo, no Rio... E esse ano no Rio foi muito fértil.
Eu não pensei nisso, mas quando vi já tinha acontecido por meio das canções. Foi algo reconhecido, não foi buscado. Acho que em um processo de composição o mais bonito na verdade é o processo artístico. É que cada artista fale com autenticidade daquilo que só ele pode falar e daquilo que permeia essa necessidade de expressão, que é falar do nosso mundo interior com esse mundo exterior. É uma relação dialógica. Eu tenho muito essa necessidade. Desde os meus 6 anos, quando comecei a estudar o violino, sempre tive essa necessidade de expressão. Isso tudo reflete muito minha vontade de entender, também, o meu lugar no mundo.
A primeira música que compus desse disco é Cerrado. A fiz em Madrid (na Espanha) e é a única do disco cujas letra e música são só minhas. Ali eu entendi, pela canção, um chamado. 'Está na hora de eu estar mais na minha terra'. E tudo coincidiu porque, na verdade, fui selecionada para um projeto cultural e meu disco estava sendo lançado no Brasil. Eu tinha acabado de trabalhar como vocal coach no filme do Almodóvar, "A Pele Que Habito" (2011). Então a imprensa estava atrás de mim, tinham projetos no Brasil, o disco foi selecionado para prêmio no Brasil... Senti um chamado. Viajei o mundo todo participando em grupos, tocando com meus músicos, mas curiosamente, quando o disco chegou, eu senti a necessidade de trazer mais o trabalho para o Brasil.
Nesse disco tem uma canção que se chama "La Tierra Gira en Tu Ventre", que é com um dos maiores artistas espanhóis da atualidade. Essa música, por exemplo, seria esse lugar de mescla por meio dessa poesia. Tenho um produtor espanhol, que é um grande produtor de muita gente importante na Espanha, que tem uma pegada mais pop. Então, na verdade, não tem um elemento como Flamenco, não tive nunca essa necessidade de mostrar o quanto essa cultura faz parte da minha vida. Dancei Flamenco por oito anos, conheço a fundo o ritmo e é uma cultura muito importante para o meu universo. Mas minha música é muito brasileira, eu percerbo isso. E eu nunca quis ser algo que eu não sentisse mesmo.
Não acho que teve um fio condutor consciente. Como falamos antes, foi tudo para expressar muito minha relação com a natureza. Se você escutar "Praianos", você vê que eu já falo muito disso... É uma marca minha, essa natureza no meu trabalho. Mas eu nunca penso assim: 'Ah, vou falar disso'. Cada canção é um momento. E nesse caso, principalmente, foi para mim muito importante deixar tudo claro. Mas as coisas, se você olhar, se você vir as letras, tem um caminho em comum, mas é a relação com a natureza. É o aspecto mais forte.
Está sendo (risos). A gente está começando o trabalho agora e está sendo maravilhoso. Primeiro porque, para mim, só o fato de estar com o Ney já é incrível. Eu, que tenho essa ligação forte com a natureza, que sou atriz, gosto de palco... Imagina a quantidade de afinidades que eu possa ter com ele, não é? Ele sempre foi uma grande referência como artista e como pessoa. Foi a partir da gravação dessa canção que surgiu o convite. Outro dia, o Ney me deixou uma mensagem muito bonita. Ele escreveu: 'Muito bom trabalhar com uma pessoa que, além de talentosa, sabe o que quer'. (Risos). Acho que ele reconhece um caminho... E o que eu sei é que quero estar perto de pessoas que me alimentam, que acreditam no meu trabalho e para as quais eu possa oferecer minha energia. Acho que a vida é essa troca. É entrega em cada coisa que você faz. Realmente sou uma pessoa muito focada na carreira e de muita entrega no meu trabalho. Eu acredito nele, acho que é importante e esse lugar de expressão é essencial. Muito além do reconhecimento.
Isso é curioso você me perguntar. Porque aconteceu com meu primeiro disco, acontece com meus shows... As pessoas saem sempre dizendo que entraram em outro espaço e tempo e se sentem tão bem, quase um espaço meditativo, mas eu não sei. Acho que é uma característica minha. Mas acho que é algo da minha voz, esse aspecto mais místico de ligação com a natureza... Acho que estou evocando forças que trabalham talvez com esse universo que trazem esse lugar. Tenho um projeto com mães e bebês prematuros, se chama "Música na Incubadora". Um projeto muito importante de como a música é um veículo para a cura. Eu faço uma composição na hora a partir da história da mãe e bebê e trabalho com instrumentos para fazer essas músicas. Talvez seja um reflexo desse trabalho (risos).
A arte ela sempre vai impactar uma possível mudança, porque ela é um mecanismo poderoso de reflexão. Por isso nós somos os primeiros a ser massacrados, que é o que está acontecendo politicamente no Brasil. Ela (a arte) é política por si só. Porque temos que nos posicionar sempre. Então, assim, esse momento é muito triste o que estamos vivendo, porque na verdade isso é consequência de um problema muito maior. O que eu posso dizer é o que todo mundo diz, no sentido de ver tudo com muita tristeza, lamentar pela situação e ao mesmo tempo não vão nos calar. Não vão calar os poetas e as pessoas que são ligadas à natureza. A arte e natureza são muito unidas, a arte reflete a natureza. A natureza é a gente. Essa que é a questão toda. A última música do disco termina com a voz de indígenas, se você perceber com cuidado.
Agora estou aqui. Já decidi estar morando no Brasil. Tenho dupla nacionalidade, essa liberdade de estar indo e vindo. E vou sempre estar assim... Um pouco lá, volto. Mais um show, uma turnê por lá e volto. E hoje realmente quero estar aqui. Acredito muito no Brasil, na nossa força, tendo essa ligação com a minha terra, meu povo, com os indígenas, nossas origens, e quero tocar com os músicos daqui e semeando aqui. Quando você passa tanto tempo assim fora, você não é mais de um lugar. Sinto que Espanha é minha casa, também, mas decidi estar mais aqui.
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