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Gal Costa ataca Bolsonaro e lembra angústia da ditadura ao criar disco 'Nenhuma Dor'

Gal Costa ataca Bolsonaro e lembra angústia da ditadura ao criar disco 'Nenhuma Dor'

Em novo álbum, ela tenta buscar em parceiros como Criolo e Seu Jorge algo de João Gilberto, sua influência fatal

Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 15:37- Atualizado há 4 anos

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A cantora baiana Gal Costa em foto de arquivo que estampa a capa do disco 'Nenhuma Dor', de 2021
A cantora baiana Gal Costa em foto de arquivo que estampa a capa do disco 'Nenhuma Dor', de 2021 Arquivo Nacional. (Arquivo Nacional)

"Você é aquela menina que canta bem? Vá buscar seu violão", Gal Costa ouviu de sua maior referência, João Gilberto, quando o encontrou pela primeira vez, em Salvador. "Corri em casa, peguei meu violão. Ele cantou e pediu para eu cantar, e assim foi. Quando parei de cantar -um repertório basicamente dele, que eu conhecia todo-, ele disse 'você é a maior cantora do Brasil'. Nossa, foi um choque. Fiquei louca. Meu maior ídolo. Nunca tinha nem saído da Bahia."

Agora, Gal lança "Nenhuma Dor", disco em que recria o próprio repertório em duetos com homens mais jovens do que ela, que se ligaram à artista pelo canto do João -desenvolvido e transformado por ela própria. "Minha grande e fatal influência é João. Ele era um homem que tinha aquele canto com uma estética absolutamente genial. E acho legal que essa galera jovem tenha influência do meu próprio trabalho também, que sou uma mulher. Então, essa é a conexão."

Ou seja, em vez de um tipo tradicional de dueto, em que os agudos de uma mulher contrastam com os graves de um homem, ela quis extrair a Gal -e, por consequência, o João Gilberto- de dentro dos parceiros. "Muitos deles, vou citar o Tim Bernardes, têm uma extensão vocal que poderia ser de uma mulher. Se [o disco] fosse com mulheres, não acho que seria tão interessante assim."

No álbum, além de Bernardes, que canta "Baby", Zé Ibarra distribui falsetes em "Meu Bem, Meu Mal", assim como Zeca Veloso em "Nenhuma Dor". Ela também canta com Seu Jorge ("Juventude Transviada"), Jorge Drexler ("Negro Amor"), António Zambujo ("Pois É") e Criolo ("Paula e Bebeto"), entre outros.

De "Domingo", primeiro disco que leva seu nome, em 1967, ao lado de Caetano Veloso, Gal canta três músicas. São elas "Avarandado", com o ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante -"chamava ele de João Gilberto do rock and roll", ela diz-, e "Coração Vagabundo", com Rubel, além de "Nenhuma Dor". A cantora conta que esse álbum específico tem despertado a atenção de gerações mais novas que a dela, algo que a motivou a gravar o novo disco.

"As coisas do 'Domingo' são cultuadas por uma galera mais jovem. Comecei a perceber isso na pandemia. Tenho uma conexão energética, pego as coisas no ar. Senti que as pessoas, nesse período louco em que estamos vivendo, estão mais ligadas a uma música de catálogo, coisas que minha geração fez. Também tem uma galera muito jovem que, antes da pandemia, estava indo aos meus shows."

"Coração Vagabundo", "Avarandado" e "Baby", regravadas em "Nenhuma Dor", são algumas das músicas que ela aparece cantando num especial gravado em 1971 na TV Tupi ao lado de Caetano Veloso e João Gilberto. Um registro em áudio dessa apresentação histórica -que, ao contrário do planejado na época, nunca foi lançada em disco- foi publicado online há pouco pelo pesquisador Pedro Fontes.

Diversos especialistas no violão de João Gilberto já afirmaram que o instrumento numa performance de "Ao Voltar do Samba", música de Synval Silva, não é tocado pelo pai da bossa nova. Muitos acreditam que pode ser a própria Gal. "Eu realmente tocava aquela música na época. Quando ouvi a gravação, achei que era João. Se fui, eu me dou parabéns", ela diz, rindo. "Realmente não lembro."

Nesse período, um dos mais repressivos da ditadura, Caetano e Gilberto Gil estavam exilados em Londres. No Rio de Janeiro, Gal preparava o lançamento do show "Fa-tal", com uma estética tropicalista mais amadurecida e um canto feroz, e que foi tão bem-sucedido quanto desafiador.

"Não tinha condições financeiras [de sair do país]", diz. "Era um show na linha tropicalista, os arranjos e o jeito que eu me vestia. Mas eu sentia muito o peso daquela caretice, daquele moralismo, daquele conservadorismo."

Gal Costa foi a última do núcleo duro da tropicália a fazer sucesso e, no começo dos anos 1970, ela carregava o movimento praticamente sozinha. "Usava aquelas roupas normalmente e me lembro de ser agredida duas vezes na rua, por dois homens. Um deles veio em minha direção, eu estava dirigindo, me deu um tapa na cara e disse 'ponha-se no seu lugar de mulher'. Falavam agressivamente comigo. Nessa época, eu sentia angústia. Angústia física mesmo."

Ainda que, ao longo dos anos, Gal tenha construído uma carreira bastante diversa -reconhecida internacionalmente, por exemplo, cantando Tom Jobim-, ela diz que tanto no jeito de se vestir como de se portar, era uma tropicalista. "Minha personalidade desviou de ser uma cantora clássica. Fiz música experimental, me vestia diferente do padrão. Depois, cantei de um jeito clássico também. Sou todas essas."

Gal nunca foi de falar abertamente sobre sua sexualidade, algo que ela diz estar presente nas entrelinhas. "O caminho, a história de uma pessoa já mostra o que ela é. E eu, no auge dos meus 75 anos, meu querido, não vou entrar nessa polêmica do mundo atual."

Na comemoração dos 75 anos dela, no ano passado, Gal fez uma live que teve alguns problemas técnicos e chamou a atenção ao fazer com vários pedidos por um intervalo na transmissão -prática da TV que não acontece nas lives-, mostrando algum desconforto com a situação. A apresentação, que aconteceu em setembro, foi dirigida pela cineasta Laís Bodanzky.

"Achei realmente que a pessoa que dirigiu a live tinha muitas ideias e pouco tempo para ensaio. E num ambiente com pouca luz. Então, houve alguns problemas. E a diretora começou a falar muito. Não estava programado. Mas saí salva. Me salvei."

Atualmente, Gal lamenta o momento de tristeza na pandemia vivido pelo Brasil e pelo mundo. Ela não mede as palavras para pedir a saída do presidente Jair Bolsonaro.

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"Tá muito difícil com Bolsonaro. Fora Bolsonaro. Não sou uma pessoa que entende muito de política, mas acho que o regime democrático é o melhor para se conviver com as diferenças. E acho que o governo tem a obrigação de cuidar das pessoas. Acabar com a desigualdade social. Na pandemia, ficou evidente a miséria e a pobreza. Todo governo tem obrigação de cuidar dos mais pobres, do bem-estar e da saúde do povo. O que é isso, é mais pra esquerda, né?"

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