Lançado há 11 anos e traduzido agora para o português, "Black Bazar" é o sétimo romance do congolês Alain Mabanckou, que já há tempos tem a atenção de leitores e crítica na França, onde estudou desde os 22 anos, e nos Estados Unidos, onde mora desde 2007.
"Black Bazar" guarda bastante do que o autor havia experimentado antes em "Copo Quebrado", por exemplo. Mais uma vez, o leitor lidará com um protagonista de quem não se sabe o nome e que gasta boa parte do tempo num bar perto de casa, em Brazzaville, a fazer observações sobre a vida.
"Black Bazar" apresenta Bundólogo, um homem recém-abandonado pela companheira que saiu de casa levando embora a filha do casal. E é mister não fingir naturalidade diante de um apelido tão peculiar --vem da obsessão do personagem pela "face B" das mulheres sua única identidade mencionada em toda a trama.
Guardemos para breve uma reflexão a respeito. Antes, vale contar que Mabanckou é afeito ao universo da marginalidade e o explora com intimidade. Em "Black Bazar", isso se reflete no debate acerca da imigração. Permeia todo o romance, passado em Paris, o tema da colonização francesa em países africanos e a migração de africanos para a França.
Faz parte deste núcleo o senhor Hipócrates, que mora no mesmo andar do apartamento do protagonista. Entre seus hábitos mais abjetos, estão vigiar a rotina de Bundólogo pelo olho mágico da porta, transparecendo sem pudores a respiração enquanto bisbilhota e também insultar o vizinho por causa da sua nacionalidade.
Mabanckou, aliás, é um mestre em traços autobiográficos. Bundólogo aprecia andar na estica (assim como seu criador, que aparece sempre bem elegante nas fotos disponíveis online) e nasceu no Congo. Mas, com sorte, a arte imitará a vida só até aqui.
Porque Bundólogo não é originalmente um protagonista fácil de se amar. Ter compaixão pelo abandono de mulher e filha fica desafiador quando se toma contato com sua conduta e falas machistas.
Além do hábito de julgar mulheres pelo formato da bunda, ele também deixa claro, por exemplo, o quanto negligenciava a relação para sair com amigos e flertar com outras.
Importante dizer que Cor de Origem -nome pelo qual ele se refere à ex- também não foi das mais comportadas no período que antecede o rompimento. Bundólogo, por isso, se questiona sobre a paternidade da filha Henriette. A vida toda dele, aliás, é uma corda-bamba incômoda, retratada com humor por Mabanckou.
Enquanto seu emprego está em risco e ele tenta registrar um diário de experiências e sentimentos com uma máquina de escrever, por conselho do amigo escritor Louis-Philippe Dalembert, Bundólogo segue os dias agradando e desagradando as pessoas mais próximas, entre elas os amigos do bar e o comerciante Árabe da Esquina, que adora Henriette desde sempre.
Nasce, assim, uma história interessante que joga luz de maneira corajosa e crua sobre questões raciais, preconceito e identidade. E que, sobretudo, faz ser apetitosa a vida de um homem que tinha tudo para amargar a mais absoluta irrelevância, mas que, pela pena do premiado Mabanckou, vira alguém de quem se deseja saber mais.
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