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Homem que julga mulheres pela bunda estrela livro apetitoso

Homem que julga mulheres pela bunda estrela livro apetitoso

Bundólogo, que tinha tudo para amargar irrelevância, vira alguém interessante pela pena de Alain Mabanckou

Publicado em 3 de novembro de 2020 às 18:45

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O escritor Alain Mabanckou durante debate na Flip de 2018
O escritor Alain Mabanckou durante debate na Flip de 2018. (Walter Craveiro/Divulgação)

Lançado há 11 anos e traduzido agora para o português, "Black Bazar" é o sétimo romance do congolês Alain Mabanckou, que já há tempos tem a atenção de leitores e crítica na França, onde estudou desde os 22 anos, e nos Estados Unidos, onde mora desde 2007.

"Black Bazar" guarda bastante do que o autor havia experimentado antes em "Copo Quebrado", por exemplo. Mais uma vez, o leitor lidará com um protagonista de quem não se sabe o nome e que gasta boa parte do tempo num bar perto de casa, em Brazzaville, a fazer observações sobre a vida.

"Black Bazar" apresenta Bundólogo, um homem recém-abandonado pela companheira que saiu de casa levando embora a filha do casal. E é mister não fingir naturalidade diante de um apelido tão peculiar --vem da obsessão do personagem pela "face B" das mulheres sua única identidade mencionada em toda a trama.

Guardemos para breve uma reflexão a respeito. Antes, vale contar que Mabanckou é afeito ao universo da marginalidade e o explora com intimidade. Em "Black Bazar", isso se reflete no debate acerca da imigração. Permeia todo o romance, passado em Paris, o tema da colonização francesa em países africanos e a migração de africanos para a França.

Faz parte deste núcleo o senhor Hipócrates, que mora no mesmo andar do apartamento do protagonista. Entre seus hábitos mais abjetos, estão vigiar a rotina de Bundólogo pelo olho mágico da porta, transparecendo sem pudores a respiração enquanto bisbilhota e também insultar o vizinho por causa da sua nacionalidade.

Mabanckou, aliás, é um mestre em traços autobiográficos. Bundólogo aprecia andar na estica (assim como seu criador, que aparece sempre bem elegante nas fotos disponíveis online) e nasceu no Congo. Mas, com sorte, a arte imitará a vida só até aqui.

Porque Bundólogo não é originalmente um protagonista fácil de se amar. Ter compaixão pelo abandono de mulher e filha fica desafiador quando se toma contato com sua conduta e falas machistas.

Além do hábito de julgar mulheres pelo formato da bunda, ele também deixa claro, por exemplo, o quanto negligenciava a relação para sair com amigos e flertar com outras.

Importante dizer que Cor de Origem -nome pelo qual ele se refere à ex- também não foi das mais comportadas no período que antecede o rompimento. Bundólogo, por isso, se questiona sobre a paternidade da filha Henriette. A vida toda dele, aliás, é uma corda-bamba incômoda, retratada com humor por Mabanckou.

Enquanto seu emprego está em risco e ele tenta registrar um diário de experiências e sentimentos com uma máquina de escrever, por conselho do amigo escritor Louis-Philippe Dalembert, Bundólogo segue os dias agradando e desagradando as pessoas mais próximas, entre elas os amigos do bar e o comerciante Árabe da Esquina, que adora Henriette desde sempre.

Nasce, assim, uma história interessante que joga luz de maneira corajosa e crua sobre questões raciais, preconceito e identidade. E que, sobretudo, faz ser apetitosa a vida de um homem que tinha tudo para amargar a mais absoluta irrelevância, mas que, pela pena do premiado Mabanckou, vira alguém de quem se deseja saber mais.

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