Segunda lei de incentivo cultural mais antiga da país - criada na gestão Vitor Buaiz (PT), em 1991 -, a Lei Rubem Braga completa 30 anos em junho cercada por dúvidas, especialmente em relação ao resultado do edital de 2020, lançado em agosto do ano passado e parado desde dezembro, ainda sob a gestão do prefeito Luciano Rezende (Cidadania). Também paira sobre a iniciativa a incerteza se um novo edital será lançado em 2021.
Em notícia publicada em janeiro, por A Gazeta, a atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura, cuja pasta conta com gerência de Luciano Gagno, afirmou, na época, estar em negociação com a Secretaria Municipal de Fazenda para conseguir recursos e contratar os pareceristas aptos a fazer a análise técnica dos projetos. Em dezembro, a Semc anunciou que 78 iniciativas haviam sido selecionadas em uma primeira etapa.
Procurado novamente pela reportagem, para saber se já teria uma data para a contratação desses profissionais, e, assim, fazer a Lei Rubem Braga de 2020 finalmente "andar", a Semc respondeu, por meio de nota, que "a solicitação do recurso para contratar os pareceristas já foi encaminhada para o Comitê de Controle dos Gastos Públicos (CCGP) para autorização. Assim que autorizado, será iniciada a contratação dos avaliadores", sem definir um prazo específico. Resumindo: em cinco meses, pouca coisa mudou.
Vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura de Vitória, o jornalista e escritor José Roberto Santos Neves lamenta a morosidade e o descaso com que o incentivo cultural está sendo tratado pelos dirigentes da capital.
"Sabemos que a cultura nunca está entre as prioridades da administração pública. A Lei Rubem Braga deveria ter sido entregue desde a gestão passada", lamenta, afirmando que a PMV não deixou claro sobre uma data para liberação do R$ 1 milhão - valor orçado para a iniciativa em 2020 - e nem quando pretende entregar o resultado do edital.
"Nada garante que o Comitê de Controle dos Gastos Públicos tratará a liberação desses recursos com urgência. Se existe uma lei e ela não é cumprida, não faz sentido algum ela existir. Nada justifica o atraso", desabafa, dizendo que o artista está sem poder trabalhar efetivamente, por conta da pandemia da Covid-19.
"Quanto mais demorar a contratação dos pareceristas, mais demora o resultado do edital. Vivemos um momento de emergência, onde a classe artística está passando por sérias dificuldades".
A Secretaria Municipal de Cultura traçou, por meio de nota, um "caminho" previsto para a tramitação da Rubem Braga, após a contratação dos pareceristas. "A seguir, o Conselho Municipal de Política Cultural de Vitória precisa definir o percentual do recurso a ser aplicado em cada área cultural. Acreditamos que, assim que autorizada a utilização do recurso, dentro de, em média, 3 meses, todas as etapas de análise de projetos, prazos previstos para recurso, análise do Conselho e processos administrativos necessários para repasse do recurso aos proponentes, serão concluídas".
José Roberto também questiona o prazo de três meses dado pela PMV. "O edital ficou parado por seis meses e a prefeitura não conseguiu os R$ 50 mil para contratar pareceristas. O tempo que eles estão propondo é muito pequeno, pois não há prazo o suficiente para a avaliação do material, especialmente os projetos de literatura. Seria interessante os avaliadores começarem a trabalhar agora para que, assim que a liberação do Comitê de Controle dos Gastos Públicos sair, os selecionados já estejam encaminhados."
Presidente do Conselho Municipal de Cultura, Tião Xará relata ter solicitado uma reunião com o Prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) para falar sobre a importância da liberação imediata do edital de 2020 e também da necessidade que um edital seja lançado em 2021. "Infelizmente, ainda não tivemos um retorno", lamenta. Perguntamos a Semc sobre um eventual pedido de reunião com o prefeito municipal, mas não obtivemos resposta até o fechamento da matéria.
Reformulada em 2019 - após ficar inativa por cinco anos - a Rubem Braga prevê, em seus estatutos, um investimento anual com valor calculado pela média do que foi aplicado em seus últimos dez anos. Também pelas normas, a Prefeitura de Vitória pode destinar uma verba menor, desde que haja uma justificativa para a retração de investimentos.
"Pela média, a Rubem Braga deveria ter investido cerca de R$ 2,6 milhões em 2020. Não sabemos o motivo de ter sido lançada com apenas R$ 1 milhão. Em conversas com o Conselho de Cultura, a gestão anterior afirmou que a diminuição do valor poderia ser por conta dos gastos municipais com a pandemia da Covid-19. O problema é que essa retração precisa ser oficializada pela Secretaria Municipal da Fazenda, com dados e números. O que não aconteceu", detalha.
"A atual administração da Semc pediu, em janeiro, 90 dias para tentar resolver o atraso no edital do ano passado. Com o período esgotado, pediu mais 90 dias no final de abril", lamentou Xará.
Por meio de nota, a PMV afirmou que "o valor previsto para 2021 é a mesma previsão do ano passado, que não foi utilizada em sua totalidade pela gestão anterior, de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)".
Em comunicado, também detalhou que "para o ano passado, foi previsto o recurso de um milhão de reais, porém não identificamos nenhum ato fundamentado da gestão para esta redução, como também não foi realizada a previsão orçamentária para este recurso no ano de 2021. A atual gestão está trabalhando, inicialmente, para conseguir manter o recurso previsto no ano anterior e entregar à sociedade esta política pública, e agirá conforme previsão legal".
Na mesma nota, a PMV confirmou a previsão declarando que o montante financeiro concedido anualmente aos empreendedores não pode ser inferior à média dos últimos dez anos dos recursos aprovados e investidos, mas, prevê, também, "que essa regra poderá ser revista mediante ato fundamentado do Chefe da Secretaria Municipal da Fazenda ou pasta equivalente na responsabilidade da gestão financeira e tributária do município". A Semc, porém, não respondeu quando isso será feito.
Em relação a um novo edital em 2021, Luciano Gagno afirmou, em entrevista ao portal A Gazeta, em janeiro, que a prioridade para 2021 é entregar o resultado da seleção do ano anterior. "Feito isso, vamos trabalhar junto ao Conselho Municipal de Cultura no intuito de lançar um novo edital em 2022".
Tião Xará, porém, afirma que os estatutos da Lei Rubem Braga não podem ser alterados. "Também é preciso uma justificativa plausível, com números e dados, sobre os motivos financeiros para que um novo edital não possa ser lançado em 2021", reitera.
Em março de 2020, o então secretário municipal de cultura, Francisco Grijó, revelou ao jornal A Gazeta que a PMV estaria fazendo um balanço em relação à prestação de contas da LRB e cobrando empreendedores que ainda não tinham apresentado o relatório obrigatório de gastos. Em termos de valores, no início de novembro de 2019, a Lei Rubem Braga ainda contava com um montante de R$ 5,68 milhões em pendências.
A atual gestão, por meio de nota, afirma que ainda continua com as cobranças, sem informar se a iniciativa foi concluída no ano passado ou mesmo declarando quais valores já voltaram aos cofres públicos.
"Com relação aos proponentes em débito com o município, continuamos trabalhando na notificação de forma que, antes de adotarmos medidas extremas, como a cobrança do recurso recebido, devidamente corrigido, todos os empreendedores em débito, seja pela ausência de prestação de contas, pela apresentação de prestação de contas irregular ou incompleta, sejam devidamente notificados e tomem ciência de sua situação junto ao Município. Desta forma, esgotamos todas as possibilidades de contato, seja por telefone, e-mail, correios e, por fim, por meio de edital de notificação no Diário Oficial. A cobrança do recurso é a última medida, e, caso o recurso não seja devolvido, a dívida é inscrita em Dívida Ativa junto ao Município, impedindo que o mesmo acesse este e outros mecanismos de apoio, patrocínio e etc".
Sobre a política de prestação de contas, o comunicado ainda afirma. "Conforme previsto na nova legislação da Lei Rubem Braga, no Art. 15 da Lei nº9.507/2019, os valores decorrentes de penalidades aplicadas aos empreendedores culturais e/ou pelo não cumprimento ou desaprovação de contas de projetos culturais, deverão ser transferidos ao Fundo Municipal de Cultura. Assim, cumpriremos a legislação e todo o recurso devolvido aos cofres públicos será transferido ao Fundo para aplicação em outras políticas públicas, permanecendo na cultura".
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