O professor da UFES Gil Maulin publicou seus escritos por anos em um blog pessoal, além de já ter feito parte de coletâneas, mas foi durante a pandemia que lançou seu primeiro livro de poesia. Descaroço casa ilustrações e versos, sendo montado em uma caixa de papelão com páginas soltas, intercalando as cores dos desenhos e a transparência do papel translúcido que acolhe o texto.
Trata-se de um livro-objeto, a obra é classificada dessa forma por mesclar literatura e uma produção visual de uma forma que extrapola o modelo de publicação tradicional. O uso de materiais diversificados e texturas é característico desse tipo de publicação, que muitas vezes foge do padrão de abrir o livro encadernado e folhear cada página para se consumir a história.
A proposição do Descaroço é uma conversa sobre as nossas diferenças, comenta Maulin, explicando que cada pessoa terá um diálogo distinto com a obra, interagindo ao seu modo com os cartões que compõem o livro-objeto.
Para além do despertar de uma nova relação com o texto, o livro traz nos seus versos inquietações e momentos vividos por Gil. O afeto e o prazer também têm espaço em seus poemas, sendo trazidos sem meias-palavras, com uma franqueza sem pudor. Eu gosto de me expor, é uma escrita muita pessoal, adianta o escritor.
Já seus desenhos, mostram figuras humanas em uma distorção, sem traços definidos, sem regras, alternando as cores primárias junto ao preto. Sua arte de aspecto livre é para Gil resultado de uma produção sem formação no desenho, onde se constrói uma identidade através da experimentação.
Um detalhe interessante é que as folhas que têm as ilustrações são postais, podendo vir a ser um cartão para um amigo ou familiar.
O nome do livro diz muito sobre o seu texto. O título "Descaroço" vem do blog antigo de Gil e o escritor explica o termo: "É a coisa do se descobrir, se inventar, ir se dizendo. É quase uma terapia, tem essa coisa da psicanálise, quanto mais você se diz, mais você se descobre".
Ele também resume sua escrita: "O Luiz, um dos prefaciadores fala O Gil escreve e desenha para se entender, eu gosto dessa expressão, acho que é mais ou menos isso".
A obra, que teve seu lançamento oficial no dia 29 de agosto, está à venda no site da Cousa, custando R$ 50. Os moradores da Grande Vitória também podem receber o livro em casa entrando em contato com a televenda através do número (27) 99958-9142.
Maulin conta que a aproximação com a arte e a literatura veio de uma influência familiar em sua juventude: Meus tios tinham muito a coisa de escrever, de desenhar. Eu acabei tomando gosto de ir em exposição, muitos livros circulavam lá em casa. Foi a partir daí, né, um caminho que para mim sempre foi muito natural, não foi Ah! Hoje eu vou sentar e virar escritor.
Em suas referências, estão escritores como Manoel de Barros, com sua poesia profunda e instantânea, como define Gil; Hilda Hilst; o cronista Manoel Bandeira; Oswald de Andrade; Paulo Leminski; e Alicia Ruiz. Acho que pode ser mais ou menos esse o caldo dos poetas que me formaram de algum modo, conta. Na arte, Maulin cita Samico, Djanira, Miró, Antônio Augusto Bueno, Picasso e Bispo do Rosário.
Como Descaroço, outros livros-objeto ganham vida nas mãos do leitor, mexendo com os seus sentidos. No estilo das obras infantis que tem personagem pulando das páginas em imagens 3D ou textos escondidos em pequenos envelopes, livros adultos também podem trazer surpresas ao extrapolar o formato convencional.
Quem Gil indicou neste tipo de produção foi a autora Aline Prúcoli, dona das obras Temporária e Anatomia, também publicadas pela Editora Cousa. O primeiro é um calendário, com a prosa contida em suas páginas, enquanto no segundo a literatura vem em cartões de papel transparentes acolhidos em um envelope.
"Sempre num livro o resultado é inesperado, mas nesse tipo de livro mais ainda. É gostoso fazer, é legal também ver a reação das pessoas 'é um livro, não é um livro ?'. O próprio questionamento em cima do formato já instiga, já faz reflexão, que é o que uma boa obra literária tem que produzir também", comenta o editor da Cousa, Saulo Ribeiro.
E os modelos não param por aí. A editora paulista Lote 42, fundada por três jornalistas, também se dedica a produzir livros fora da caixa. Entre eles, Queria Ter Ficado Mais, onde a prosa vem em cartas ilustradas. Já na edição de Bartleby, O Escrivão, publicada pela Editora Ubu, o projeto gráfico obriga o leitor a descosturar a capa e a cortar as páginas não refiladas do livro para conseguir adentrar a obra.
Confira os detalhes desses outros livros-objeto para ler de um modo diferenciado:
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