Leitores apaixonados chegam a pagar preços que preenchem a casa dos mil reais em livros autografados por autores famosos. Em matéria da Folha, de 2015, o livreiro Ramon Rodrigues afirmou ter vendido a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, por R$ 24 mil. A busca por essas raridades é consistente e o mercado abrange de sebos especializados a leilões.
Mas há quem não procure pela sorte e a encontre. A professora de literatura e apreciadora de Drummond Aurélia Nascimento comprou o livro de crônicas Os Dias Lindos em abril de 2020 e, para a sua surpresa, ele veio com dedicatória e autógrafo. A obra pela qual pagou R$ 7,50 no portal Estante Virtual, foi buscada para dar prosseguimento a uma atividade desenvolvida com alunos, não havendo a pretensão de que fosse um objeto raro.
Na hora que eu peguei o livro, vi que ele estava meio amarelinho, falei: poxa vida, podia ter a assinatura de Drummond. No que eu abro, meu filho tava comigo, eu fiquei tonta, perdi o chão, relatou Aurélia, dizendo ainda diz ter sentido a presença do escritor na obra.
O livro tem uma dedicatória direcionada a Fernando Monteiro e sua família. A família não deve nem ter percebido o tesouro que tinha nas mãos, cogitou a professora, que diz ter o costume de comprar livros em sebos, mas nunca havia conseguido algo assim antes.
Nascimento comentou não ter entrado em contato com nenhum profissional para saber se o autógrafo era de fato do consagrado autor brasileiro. Não, porque eu tinha certeza que era de Drummond, já vi aquela assinatura mil vezes. Qualquer letra fora do lugar eu reconheceria a fraude, garantiu Aurélia sobre a autenticidade.
Olhando com mais atenção o registro de sua compra, a professora descobriu que na descrição do produto havia a especificação de que o livro era autografado, mas, ainda assim, fica o mistério de pôr que uma obra que poderia ser vendida por um valor bem mais alto custou apenas R$ 7,50. O mesmo livro, com dedicatória e autógrafo, foi arrematado por R$ 320 em um leilão do site Letra Viva, no dia 30 de novembro de 2019.
Quem também parece ter tirado a sorte grande e teve uma história parecida com a de Aurélia foi a jornalista Any Cometti. Há cerca de 5 anos, ela comprou, a obra Biografia Dona Zica da Mangueira, de Odacy de Brito Silva, que veio com dedicatória da própria sambista Dona Zica, direcionada a um Cláudio não identificado. A compra também foi feita através do site Estante Virtual e custou por volta de R$ 20. Nem acreditei na hora que eu vi, porque eu sou mangueirense, contou entusiasmada.
Cometti buscou comparar a assinatura na Internet, mas não encontrou outro registro para analisar a semelhança. A veracidade é um mistério, mas o livro é guardado como um tesouro. Eu agradeço ao Cláudio por ter vendido esse livro, comentou entre risos a jornalista
Já a bibliotecária Cynthia Balbino comprou o livro Crônicas do Espirito Santo, do capixaba Rubem Braga, no sebo Veredas, localizado no bairro Mata da Praia, no final de 2019, e conquistou com as páginas uma dedicatória e um autógrafo.
Para a também cachoeirense, a conquista foi inesperada. Foi uma surpresa, eu sempre gostei do autor. Ter o livro assinado por ele representa para Cynthia uma volta no tempo, sendo que a obra detalha em suas crônicas o litoral sul do ES, tendo locais que marcaram a trajetória da bibliotecária.
O detalhe interessante é que a obra foi lançada em 84 e a assinatura é datada de outubro do mesmo ano. A fator de comparação, o livro foi comprado por Cynthia por R$ 20, já a obra autografada A cidade e a Roça, do mesmo autor, está sendo vendida por R$ 150, pelo sebo de São Paulo, especializado em obras raras, O Buquineiro.
Na época do achado, foi o editor da Cousa, Saulo Ribeiro quem analisou a assinatura do livro comprado por Cynthia Balbino. "O Rubem Braga tinha assinaturas muito diferentes nos autógrafos. Eu também, como escritor, quando estou fazendo muito rápido faço de um jeito, quando estou com mais calma faço de outro jeito. Mas deu para ver que era a mesma assinatura, explicou Ribeiro. No entanto, ele alerta que nesses casos, para uma certeza é preciso buscar um profissional especialista em firma, em assinaturas, para que olhe outros autógrafos e compare.
O presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Getúlio Neves, que tem experiência com artigos antigos, sugere que, para averiguação de autógrafos, seja feita uma primeira pesquisa via internet. Caso ela apresente consistência, a obra deve ser analisada por alguém do mercado de livros antigos. Se for uma coisa muito valiosa, aí vale uma perícia, completa.
Neves também conta que existem catálogos de assinaturas pelos quais pode-se fazer uma comparação, mas ressalta que eles podem ser difíceis de achar. Se você pega um documento atribuído a uma dessas personalidades [contidas nos catálogos] e a assinatura é parecida, você já tem 90% de chance", explica, acrescentando que, a partir daí, vale buscar locais onde existem especialistas, como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
O autor capixaba Reinaldo Santos Neves, diz gostar especialmente quando os livros usados, de preferência em capa dura, trazem nomes de seus antigos proprietários e dos locais de onde vieram. Para o escritor de Vitória, a partir do contato com um livro que tem marcas de seu antigo dono, cria-se uma relação, ainda que póstuma, com essas pessoas.
"É especialmente agradável encontrar um livro com ex-libris do proprietário. Os ex-libris são uma marca, quase um brasão, que identifica o proprietário', explica Reinaldo sobre a curiosidade literária. Ele conta que seu pai comprou a obra "Rimas", de Francesco Petrarca, em Veneza, no ano de 1820, cujo ex-libris indicava que o livro pertenceu a um oficial de artilharia do exército italiano, Tullio Marchesi.
"Como escritor, às vezes aproveito alguma coisa que encontro nos livros usados para 'enfeitar' um tópico qualquer. Assim, incluí num conto do livro "Mina Rakastan Sinua" toda a descrição do livro de Petrarca como se tivesse pertencido ao personagem do conto", relata o escritor.
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