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Luiz Paixão: 'O jazz é o alimento da alma'

Luiz Paixão: "O jazz é o alimento da alma"

Professor aposentado, que abre a nova fase do "Somos Capixabas", de A GAZETA,  é uma das referências do país quando o assunto é jazz e MPB

Publicado em 6 de outubro de 2019 às 06:00

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Data: 16/09/2019 - Luiz Paixão, aposentado e amante da música . (Vitor Jubini)

"O jazz é como um alimento que penetra a minha alma... O mundo sempre desaparece quando ouço". Foi assim, com uma declaração de amor ao gênero que consagrou nomes como Ella Fitzgerald e Billie Holiday, que o jazzófilo Luiz Paixão, de 94 anos, recebeu a reportagem para falar sobre os seus mais de 70 anos de devoção à música.

O ex-professor de inglês aposentado, que abre a nova fase do projeto "Somos Capixabas", de A GAZETA, construiu um templo sagrado da música em sua simpática casa no agitado Triângulo das Bermudas, na Praia do Canto, em Vitória. Em um quarto especial, guarda milhares de discos de vinil, CDs, DVDs, pôsteres e um computador com uma gravadora embutida, que serve para fazer cópias de suas raridades para presentear os amigos. "A melhor coisa que a tecnologia pode fazer para a música", suspira.

Anteriormente, Luiz passava várias horas no local, que ele carinhosamente chama de estúdio, curtindo suas raridades. Agora, devido à saúde debilitada - agravada por conta de um sério problema na coluna, que deixou seus movimentos bem limitados -, fica boa parte do dia no quarto, repousando em sua cama. "Trouxe tudo o que mais gosto para cá". 

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Não teria sentido viver sem meus discos. A paixão cada vez mais aumenta

Luiz Paixão
Jazzófilo e professor aposentado
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Sua coleção de autógrafos de nomes consagrados do jazz também é famosa. De acordo com Luiz, as relíquias chegaram até ele com "um pouco de sorte e uma pitada de malandragem". "A Jazz at the Philharmonic foi um prato cheio para isso. Consegui ingresso e, na portaria, falei que era brasileiro e tinha autorização do governo americano para estar ali, pois o auditório estava lotado. Os caras, então, me mandaram assistir os espetáculos atrás do palco", ri, vibrando até hoje ao lembrar do feito.

"Naqueles dias, consegui autógrafos de gênios como Gene Krupa, Buddy Rich, Ella Fitzgerald, Ray Brown, Oscar Peterson e Dizzy Gillespie, um dos maiores trompetistas da história. Gillespie, inclusive, me convidou para jogar xadrez com ele!", dispara e, ao ser questionado se venceu a partida, demonstrou humildade: "Nunca... O cara era fera! Me venceu rapidinho... Nunca fui um enxadrista brilhante", confessa, com um sorriso discreto.

INTIMIDADE

E os momentos de intimidade com os famosos não se resumem a um malfadado jogo de tabuleiro. "Você conhece a história do cachorrinho da Billie Holiday?", pergunta e, ao receber a afirmativa da reportagem de que é mais gostoso quando ele conta a história, se enche de um orgulho que não cabe no peito. "Isso foi em Cleveland, em 1956. Ela se apresentava em um café. Fui falar com o seu agente e ele me levou ao camarim. Billie estava com um cachorro, um simpático chihuahua chamado Pepe. O bicho foi com a minha cara! Billie Holiday levou um susto e me disse que o animal estranhava todo mundo. Ela me deu uma missão: tomar conta dele enquanto o show rolava", vibra, em tom de nostalgia.

Por falar em Billie Holiday, é da diva um dos discos preferidos de Luiz Paixão, "Music for Torching" (1955). "É um dos seus melhores trabalhos. Tenho o disco autografado. Acho que ninguém no mundo tem um exemplar tão personalizado assim. Rui Castro, uma vez, até escreveu uma crônica sobre essa história", relembra, dizendo que seu coração também bate por outro álbum raro.

"Além deste disco, gosto muito do primeiro LP gravado por Dave Brubeck, na década de 1950. Uma vez, contei para o músico que tinha esse álbum e Dave ficou surpreso, falou que nem ele tinha mais... mas "Music for Torching" realmente é 'o especial', pois me 'trouxe façanhas impensáveis'", diz, em tom de mistério.

DESAFIOS

Luiz Paixão ao lado de seus discos favoritos. (Gildo Loyola - 25/11/1994 - A GAZETA)

Calma! Não é nada relacionado à espionagem da CIA ou a outras instituições ianques (vide que Luiz Paixão adora a cultura americana). É algo mais simples, mas, sem dúvidas, trata-se de um feito inegável. "Uma vez, encontrei Lima Duarte em um restaurante aqui de Vitória. Falei sobre o disco e ele não acreditou. O convidei para vir a minha casa para conferir de perto. Ele topou e ficamos horas conversando sobre a nossa paixão por Billie Holiday. Aquele dia foi incrível. Deve ter uns dez anos isso..."

Além de Lima Duarte, outros famosos também já visitaram a casa do ex-professor. "Tive o prazer de hospedar Vinícius de Morais, em 1962. Na época, morava no Centro de Vitória. Era um homem muito inteligente e educado. Ficamos amigos e ele acabou sendo o padrinho de crisma da minha filha. Também hospedei Art Blakey (baterista de jazz, líder do Jazz Messengers) e Dave Brubeck, quando vieram fazer apresentações no Estado, nos anos 1970”, enumera.

CENA CULTURAL

Luiz Paixão e sua coleção de autógrafos. (Gildo Loyola - 25/07/1989 - A GAZETA)

Sobre a nova geração da música, porém, Paixão afirma que não tem boas referências. "Olha (suspira pausadamente)... Hoje em dia, a música está muito ruim. Da nova geração, só gosto da Ivete Sangalo. Tem uma voz limpa e, quando quer, um ótimo repertório. O disco que gravou ao vivo em 2012 (‘Especial Ivete, Gil e Caetano’), com Caetano Veloso e Gilberto Gil, é genial. Ela amadureceu cantando clássicos da MPB. As outras novas vozes eu realmente não curto muito", dispara, dizendo que, em partes, o baixo nível dos cantores e compositores é o responsável pela crise por que passa a indústria fonográfica.

"Tem também a questão da pirataria e do fim das mídias físicas. Eu não gosto, prefiro segurar em um CD ou vinil, mas sei que é uma tendência músicas baixadas em plataformas digitais. Preciso me adaptar. Mas também tem a qualidade", responde, voltando ao assunto inicial. "Agora, só tem pagode, sertanejo e funk. A juventude não ouve mais música de qualidade... Tem Anitta e Pabllo Vittar", enumera.

Questionado se conhece o trabalho das cantoras, ele não se faz de desentendido. "Já ouvi e são muito fracas. Pabllo eu não gosto. Da Anitta, só consigo admirar as suas belas pernas", ri, de maneira saliente.

Por falar em belas pernas, Luiz Paixão guarda em seu quarto uma coleção de DVDs do mestre do cinema erótico italiano Tinto Brass (autor dos clássicos "Calígula", de 1979, "Monella – A Travessa", de 1998, e "Todas as Mulheres Fazem", de 1992).

"Seus filmes trazem garotas muito bacanas, bonitas... Bonitas e bacanas como as que frequentam os bares aqui em frente a minha casa. Vitória tem muita garota bacana", fala, com mais risos.

QUALIDADE

Volúpias à parte, para melhorar o nível musical do país, de acordo com o ex-professor, basta investir em mudanças na educação, especialmente no ensino médio e fundamental. "A escola precisa ter a música como disciplina obrigatória. Os alunos teriam acesso a instrumentos e iriam apurar os ouvidos para o jazz, a MPB... mas é difícil. Hoje, os jovens só querem saber de produtos musicais ruins, não gostam nem do básico, que é ler livros e jornais”, reclama.

Em suas aulas de inglês, Paixão - que foi professor do Ibeuv, Colégio Americano e Salesiano- exibia filmes e cantava músicas com os estudantes. "Uma vez, falei de 'Casablanca' (1942) e ensinei os alunos 'As Time Goes By', de Frank Sinatra, um dos meus intérpretes preferidos", conta Luiz, que já emendou cantarolando: "You must remember this/ A kiss is still a kiss/A sigh is just a sigh…".

NOTÍCIAS

Luiz Paixão, curtindo o seu imenso acervo de CDs, DVDs e LPs em seu estúdio, na Praia do Canto, Vitória. (Edson Chagas - A GAZETA - 15/07/1999)

Relembrando o papo sobre jornais, ele não esconde que sempre teve uma ligação afetiva com A GAZETA. "É um periódico importante, atuante, que conta com matérias bem escritas e que não devem em nada aos maiores veículos do país. Um jornal que trabalha para resolver os problemas do Estado. Estou esperando as novas mudanças do veículo com ansiedade", revela. Os familiares de Luiz Paixão, inclusive, já estão preparando um tablet para ele acompanhar a nova A GAZETA totalmente digital.

Na década de 1960, o jazzófilo foi uma espécie de embaixador da cultura americana no Estado. "Trabalhei como secretário dos cônsules Williams Beal e Ray H. Crane. Atuava na área de cultura da USIA (Agência de Informação Americana). Recebia uns discos de vinil e uns filmes, que eram exibidos em projetores. Viajava pelo interior, mostrando filmes e músicas para os alunos das escolas públicas. Era um tempo de muita cultura e bom nível intelectual", rememora, dizendo que hoje a cultura americana está como a brasileira: estagnada.

"Só produzem coisas enlatadas, de qualidade musical sofrível. Dizem que a Era Trump é uma das responsáveis. Não sei avaliar. Não gosto de falar de política... Acho que todos (os políticos) são iguais....", despista.

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(PS: mesmo sem gostar de falar sobre política, Luiz Paixão é bem-informado. Em sua cama, no dia da reportagem, estava uma edição da revista “Veja”, de 11 de setembro de 2019, que trazia a manchete: “A Facada que Mudou a História”, uma análise sobre o primeiro ano do ataque sofrido por Jair Bolsonaro em Juiz de Fora/MG).

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