Quase dez anos de pesquisa culminaram na obra “Estética das práticas performativas da dança afro-brasileira cênica”, lançada em março deste ano pela editora Appris. O livro do dançarino, filósofo e fomentador cultural Maicom Souza surgiu da inquietação do capixaba ao perceber a ausência de textos que tragam a temática com olhares regionais.
"No Brasil tem, mas um olhar local, que fale sobre os nossos pesquisadores, os nossos bailarinos, nossos artistas, nós não temos. A gente tem que sempre pegar emprestado escritos de outros Estados", afirma o autor, que pontua ter produzido a obra na perspectiva de contribuir com o nosso cenário enquanto escrito sobre dança negra.
O livro de 92 páginas, ilustrado com imagens, pensa então a estética da dança afro a partir do espetáculo "Kalunga”, desenvolvido pelo Coletivo Emaranhado, do qual Souza é gestor, além de dançarino. "A gente começa o livro dividindo o espetáculo em algumas cenas e descrevendo através do canto, dança e batuque as impressões estéticas dessas cenas. As impressões estéticas eu entendo como sensações e percepções, não é só a figura movimento, né. São as impressões que aquilo me passa, sensações que aquilo reverbera no meu corpo", detalha.
Vale destacar que há um motivo para o autor usar em suas falas o "nós". "Isso parte de uma das premissas que adotei na Filosofia Africana, minha área de estudo, na qual acredito que não somos/estamos sozinhos neste mundo. Nós somos o nosso presente carregado da energia e experiência de nossos ancestrais", conta.
Em seu texto, Maicom ainda traz aporte teórico, finalizando o livro ao tratar de Dona Mercedes Baptista. Esta última foi a propulsora das pesquisas de dança afro no Brasil, além de primeira mulher negra a integrar o ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Na obra, sua presença se liga ao curso de qualificação de dança afro existente no Museu Capixaba do Negro (Mucane), visto que foi inspirado em sua figura.
Para Maicom, a maior potência da obra está exatamente no registro da memória, ao versar sobre a representatividade do Mucane para os seguimentos da dança no Estado. "Eu acredito que daqui a alguns anos, se alguém procurar algo que fale sobre dança no Estado do Espírito Santo, esse livro vai contribuir com as questões históricas", pontua.
Quanto ao público, o capixaba conta que o livro, com linguagem acadêmica, portanto mais técnica, pode ser gostoso para os interessados em arte, filosofia, estética e até mesmo questões afrodiaspóricas, que buscam evidenciar a cultura negra na atualidade e suas formas de se reinventar.
Através de sua obra, o autor natural de Domingos Martins, quer propor que a dança afro esteja em diálogo, assim como o ballet, e exprime o seu desejo: “Quem sabe um dia, quando a pessoa escutar a palavra dança, a primeira coisa que venha na cabeça dela seja a dança afro e entenda que, por exemplo, o samba é uma dança afro, o funk é uma dança afro, que as danças urbanas são danças afro”.
Aos interessados, o título está à venda em diferentes livrarias no Brasil, além de também ter exemplares acessíveis na Biblioteca do Mucane, no Centro de Vitória.
Agora mestrando na Universidade de Brasília (UnB), o autor segue o seu caminho de pesquisa na temática afro. Seu estudo é a epistemologia do corpo negro, os saberes do corpo negro a partir da enunciação da dança. “Meu olhar é um olhar dramatúrgico, sobre a estética de uma dança preta, mas desse âmbito da dramaturgia, de uma dança cênica, da dança para o palco, da dança para o público”.
Ele conta que teve um projeto aprovado pela Lei Aldir Blanc. "A gente vai lançar nosso segundo texto, que fala sobre dramaturgias pretas, a partir de um dado estatístico que é a violência contra a mulher no Espírito Santo. Então, a agente vai pegar um espetáculo, tentar descrever sobre suas estéticas pretas e correlacionar com o tema muito característico do espetáculo que é a violência contra as mulheres, mais especialmente as mulheres pretas”, adianta sobre o novo livro.
A obra "Abajur Cor de Carne - Cartografia pela Dança: possíveis epistemologias de uma arte negro-brasileira", da qual Souza é organizador, será lançado pela editora Cousa no dia 29 de junho em formato digital, 30 dias depois ganha sua versão impressa.
Maicom detalha que o novo trabalho conta com textos dos próprios dançarinos do espetáculo. "Durante a pandemia a gente não teve projeto de montagem, a gente não conseguiu ir para a cena, a gente não conseguiu ensaiar, porque nós somos grupo de risco, ou seja, a gente não se reuniu para ensaiar, então a gente se reuniu para escrever", explica.
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