Na semana em que começou a quarentena em São Paulo, dois dos principais museus da cidade, o Masp e o MAM, Museu de Arte Moderna de São Paulo, planejavam abrir mostras cercadas de expectativa.
A do Masp era "Hélio Oiticica: a Dança na Minha Experiência", que articula o tema da programação deste ano, a dança, e o incontornável artista carioca, expoente do neoconcretismo. A do MAM, a primeira retrospectiva do paraibano Antonio Dias desde a sua morte, há dois anos, com o subtítulo de "Derrotas e Vitórias".
Quase seis meses depois, elas enfim podem ser vistas pelo público, em prévias virtuais -os museus ainda não têm data para retomar as atividades, embora a prefeitura paulistana estime que isso possa acontecer entre o final de setembro e o início de outubro.
No caso do Masp, esse aperitivo consiste numa seleção de imagens das obras e da exposição montada no subsolo e de um vídeo de uma visita guiada por ali com o curador-chefe da instituição, Tomás Toledo. Ainda foi lançado um catálogo caprichado, à venda no site do museu.
Toledo afirma que a proposta da exposição era partir dos parangolés, icônicas capas criadas por Oiticica para serem vestidas pelo público, mas sem se limitar a isso.
Desse modo, ali estão reunidos vários dos "Metaesquemas" do artista, em que formas geométricas e traços coloridos parecem bailar sobre o papel. E seus "Núcleos", "Penetráveis" e "Bólides", peças que traduzem as preocupações cromáticas e geométricas para um espaço tridimensional e que marcam o início da busca de Oiticica pela aproximação com o corpo do visitante.
Os últimos, caixinhas com pigmentos e outros materiais que originalmente podiam ser manuseadas pelo público, inauguram o momento em que o carioca começa a tratar de temas políticos e sociais na sua obra. "São trabalhos que trazem a rua para dentro de si", diz Toledo.
Ele cita o "Bólide" em homenagem ao bandido carioca Cara de Cavalo, executado à queima-roupa pela polícia nos anos 1960. Ou aquele que, abrigando um espelho, reflete os passantes e o local onde estão.
É, porém, um outro "Bólide" da mostra que talvez melhor resuma a busca do artista no momento anterior à invenção dos parangolés, diz o curador. É uma caixa cheia d'água, em cujo fundo se inscreve a frase "mergulho no corpo".
Já a mostra do MAM reúne trabalhos encontrados no próprio ateliê de Dias, no Rio de Janeiro, cidade onde ele viveu seus últimos oito anos. O peso deles, aliado ao fato de que o artista chegou a comprar alguns dos itens de outros colecionadores, podem indicar como Dias enxergava suas criações, diz Felipe Chaimovich, à frente da mostra. "É um museu que ele fez da própria obra."
Da seleção original de quase 70 peças, porém, apenas dez estão na prévia que o museu inaugurou no Google Arts and Culture. A maioria delas é acompanhada de trechos de entrevistas de Dias que, na exposição original, estariam decalcadas nas paredes. "Quis muito dar voz ao artista, já que era a coleção dele", justifica Chaimovich.
A mostra online constrói, assim, uma espécie de panorâmica da trajetória do artista, passando das referências aos quadrinhos de obras como a seminal "Nota sobre a Morte Imprevista", da época da ditadura, até chegar à sua produção dos anos 2000 com "Seu Marido", figura saltitante que, coberta por franjas amarelas, lembraria um personagem infantil não fosse a aparência fálica.
Segundo Chaimovich, são trabalhos marcados por uma certa incompletude, não só em termos de composição como num sentido ético. "Sempre há algo que falta, e de certa maneira essa falta costura toda a obra. É um artista que lidou com a ideia da finitude humana", afirma o curador.
Mesmo que a reunião de obras do Google Arts and Culture seja uma boa porta de entrada para o trabalho de Dias, a transposição para a tela do computador deixa alguns prejuízos.
Exibida numa fotografia, imóvel, "Seu Marido" perde parte do humor e da surpresa. A série de vídeos "The Illustration of Art /Gimmick", em geral mostrada em três televisores, foi reduzida a um único frame.
Isso sem falar nos trabalhos que usam pigmentos minerais, que na visão de Dias operavam como condutores de energia. "A representação virtual é sem dúvida didática, mas para o próprio artista, o sentido de várias de suas obras é físico", diz Chaimovich.
Na mostra de Oiticica, a maior perda será da mostra física. As réplicas de parangolés que o museu produziu para serem usadas pelos visitantes a princípio não poderão ser manuseadas, por causa do risco de transmissão do coronavírus, conta Toledo.
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