As mulheres estão com tudo na arte urbana capixaba e seus trabalhos coloridos e cheios de mensagens de empoderamento e vivências estampam os muros do Espírito Santo. Nós do "Divirta-se" já mostramos recentemente a arte produzida por dois grafiteiros no Estado e agora trazemos a experiência de quatro mulheres que se dedicam à arte de pintar os muros, seja com tinta ou spray.
Keka Florencio, Camilla Correa, Luciana Bicalho e Ione Reis colorem os espaços públicos com orgulho das belas obras e a resistência das mulheres por mais espaços para exposição. Questionadas sobre o que as motiva a “colocar sua arte na rua”, como Sérgio Sampaio colocou seu bloco na canção, o ponto comum foi a acesso livre que a arte tem nos muros da cidade.
"É lá que estão todas as pessoas...todos os públicos", inicia Keka, que traz em seus painéis e quadros, em sua maioria, figuras de mulheres. Seus trabalhos cheios de detalhes parecem pular das paredes. A artista, moradora de Vitória, já pinta há 12 anos e conta almejar para o futuro que a arte faça as pessoas perceberem que ela faz parte da essência da vida. “Tem o poder de cura para tudo", completa.
Ione concorda e exemplifica que os trabalhos ao ar livre não precisam de ingressos para serem vistos. “O grafite me colocou em um outro espaço, diferente daquele habituado das galerias de arte, um lugar onde o público tem total liberdade e acesso para o diálogo. Desde o morador de rua com seus pés descalços ao dono de empresa dentro do seu carro de luxo, todos são livres para visualizar e opinar sobre os desenhos nos muros, isso antes, depois e durante a sua execução”, conta.
A baiana e artista plástica em formação mora em Vitória desde 2016. Em seus murais, a questão racial é latente e sua memória pessoal e artística foi transformada até em Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “A partir deste olhar para a história de outros artistas pretos e para minha trajetória como mulher negra, artista e baiana, foi que compreendi que, assim como a escritora Conceição Evaristo (2017) discursa sobre uma “escrevivência”, na qual se baseia em uma escrita que expõe as reverberações e relatos daquilo que se vive, é que considero o meu percurso como artista preta marcado por aquilo que chamo de “artevivência”, conta Ione.
Camilla atenta ainda para o ponto de que colorir a cidade é uma forma de fazer parte dela também. “É construir imaginários e imagens do que as pessoas guardam quando passam por determinado local onde há uma intervenção de arte” ,continua. Já Lu, além de pontuar a democratização da arte, fala desses trabalhos como pontos de um lúdico que falta no concreto das cidades.
Para além da arte em si, ser mulher em todo ambiente é uma questão. E as entrevistadas contam que tem visto as mulheres crescerem no meio da arte urbana, mas trazem suas pontuações.
Camilla, também conhecida como Camz, também retrata mulheres nas obras. A artista vê o ser mulher como ato político e pontua que toda mulher que atua fora dos padrões esperados é resistência. “A mulher é criada para o ambiente privado, a partir do momento que em que ela decide estar na rua, ela já arruma conversinha para cabeça dela".
Em seus trabalhos, as cores saltam aos olhos e os diversos traços das múltiplas mulheres ganham vida. Há quatro anos pintando os muros, conta que vive integralmente de seu trabalho artístico, que também envolve a produção de desenhos, mas alerta que exige muito jogo de cintura, planejamento e profissionalismo.
“Quem dera se fosse só sentar e desenhar. O artista, para dar conta, muitas vezes precisa acumular funções, como produzir, fotografar, editar, montar publicação, pensar nas vendas, atender clientes, passar orçamento, pensar produtos, buscar fornecedores, fazer entregas… Às vezes, parece aquele cara do circo equilibrando vários pratos”, conta Correa aos risos.
E quem também trabalha neste equilibrismo, fazendo um pouco de tudo, é Luciana Bicalho, mais conhecida como Lu Bicalho. A artista visual, natural de Vitória, já atua na área de ilustração há oito anos, tendo trabalhado em diferentes livros infantis, como “A Minhoca Milu”, “O Boto Cor-de-Rosa que Não é Rosa” e “Cada um Conta de um Jeito”.
Essa experiência no desenho para o público infantil é a grande influência de Lu em seus murais, que produz desde 2016. “Acho que esse universo lúdico e orgânico está bastante presente na minha produção”, explica.
Como Camilla, Bicalho vive integralmente da arte e também pontua suas questões sobre o assunto. Ela conta que é preciso desmistificar o artista como “ser iluminado com um talento nata e irretocável” e argumenta: “A arte é um ofício. Paga boletos e o leite das crianças. É preciso muito trabalho, dedicação e investimento para realizar um trabalho artístico, assim como qualquer outra profissão”. Tendo isso em vista, Lu conta que seu objetivo é poder continuar vivendo do que produz e se qualificar cada vez mais.
Reis, que já tem uma inserção no mercado de arte diz estar procurando mais espaços artísticos para ocupar, não apenas no Espírito Santo. "Acho que a meta para o futuro é dominar o mundo”, conta rindo. Ione detalha que não se considera grafiteira, pois acredita que este ofício envolve outras vivências. Sendo assim, Reis é uma artista plástica que também trabalha com a arte urbana.
Ser mulher que expressa sua arte nas ruas não é fácil. Ione Reis conta que apesar de hoje muitas mulheres estarem inseridas na arte urbana, ainda existe muito machismo no cenário. E concorda com Camilla ao dizer que são resistência. “Muitas mulheres que estão na ativa há anos, não ganham a mesma visibilidade que os homens”, aponta, colocando que ainda enfrentam muitas violências.
Elas relatam ainda que um dos maiores problemas enfrentados é o assédio. "Quando estamos pintando sozinhas ou só em mulheres, ouvimos muito mais "gracinhas" - poderia até dizer que só ouvimos isso em situações como essa. Basta ter um representante do sexo masculino para as pessoas se sentirem intimidadas de dizer o que realmente pensam", pondera.
Tendo em vista as dificuldades que as artistas enfrentam, a união pode significar a força. Um exemplo disso é que entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 oito mulheres que atuam na arte urbana no ES se juntaram para debater a sua presença neste espaço, produzindo o projeto Mulheres Urbanas, que contou com uma iniciativa de Residência Artística. O projeto utilizou recursos do Funcultura, através da Secretaria de Estado de Cultura.
O grupo foi composto pelas mulheres entrevistadas nesta matéria, além de Musca, Chama.Amanda, Kika Carvalho e a artista conhecida como Crochenarua. Essas profissionais, anteriormente não citadas, também podem ser acompanhadas em suas redes sociais, aonde compartilham seus trabalhos pelas ruas do Estado.
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