"Quero usar a arte para sustentar minha família". A frase é de Lucas - nome fictício para preservar a identidade do jovem de 18 anos -, um interno do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases) que vê na arte uma forma de criar expectativas e mudar sua atual condição de vida. Ele faz parte de um dos projetos do plano de desenvolvimento das unidades do instituto e é uma prova de que inserir atividades ligadas à cultura no dia a dia dos adolescentes apreendidos é uma bola dentro, tanto para o futuro dessas pessoas quanto para a sociedade.
Atualmente, o Iases contabiliza 767 internos em todo o Espírito Santo e a maioria participa do plano de desenvolvimento das unidades. Ele é feito individualmente e, no Estado, conta com oficinas e atividades culturais que são ofertadas aos internos, que desenvolvem diferentes habilidades, indo da pintura à música. Além da educação e cursos profissionalizantes que eles precisam realizar, há oficinas de instrumentos musicais, artesanato e quadros, por exemplo, que vão de acordo com a escolha de cada adolescente.
"Eles não são obrigados a fazer nenhuma atividade (extra) dessa. As oficinas, quando eles decidem por fazer, precisam ter algum sentido na vida deles, porque ela deve ser usada no pós-internação. E quando essa atividade é incluída no plano individual, que a gente elabora para cada um dos jovens assim que ele chega até nós, já está previsto se ele fará ou não algo ligado à cultura", explica Fabiana de Araújo Malheiros, diretora socioeducativa do Iases.
O que ela diz é exatamente o que pensa Lucas. O jovem quer levar o que aprendeu e desenvolveu na pintura dentro da Unidade de Internação Norte (Unis), em Linhares, para a vida. E mais que isso, trabalhar e tirar o sustento da família a partir da arte que aprendeu lá dentro. Ele participou de projeto de releituras de pinturas de Romero Brito.
Segundo o jovem, a atividade cultural pode abrir portas e despertar - assim como fez nele - talentos em outros colegas. "Aprendi também a trabalhar em equipe. Todos do grupo que fizeram a oficina comigo davam opiniões. A gente tem que compartilhar já que todas as opiniões eram diferentes", lembra.
Uma obra deste jovem, inclusive, faz parte da exposição "Redesenhando Caminhos", que está em cartaz até o próximo dia 15 de novembro, em três lugares diferentes de Vitória, sendo: o Tribunal de Justiça do ES, a sede administrativa da Defensoria Pública do ES e o Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo (Ciase).
"A gente acredita que a arte e a cultura resgatam a cidadania e também ajudam nas questões de transformação e temos inúmeros estudos até internacionais que mostram isso. No Norte já temos adolescentes que trilhou carreira na música e isso mostra o quanto o processo de resgate efetivamente acontece", celebra Fabiana.
"Quando estou na atividade, eu reflito, percebo habilidades que nem sabia que tinha", brinca Juliano (também nome fictício), que também está na Unis. O rapaz, de 18 anos, participa das oficinas de artesanato e, a partir de materiais como papelão e jornais, produz esculturas. Para o jovem, a arte e o trabalho manual soa como uma terapia durante a internação.
"Acho que foi a cultura que conectou assim, a arte. Me senti como se estivesse me descobrindo. Vejo a própria arte com outros olhos. Vou me aperfeiçoar, com certeza, quando sair e em quantos cursos da área eu puder. É oportunidade de me preparar para o futuro", finaliza.
Lucas concorda que as atividades culturais e artísticas o fazem refletir. E mais do que isso, ele garante reviver bons momentos da infância durante o exercício: "Durante as atividades, eu tive a sensação de voltar no passado. Me lembrei de quando eu era criança e minha mãe comprava livros para eu colorir. Acho que foi naquela época que eu tive o primeiro contato com a pintura e que comecei a tomar gosto", conta o futuro pintor.
Vale explicar que as atividades nas unidades do Iases não são permanentes. Elas são temporárias e desenvolvidas por meio da ação de agentes socioeducativos e de editais, onde empresas concorrem e dependendo de sua localização fazem o número de opções de atividades aumentar ou reduzir em cada unidade.
Para Fabiana, ouvir os depoimentos dos jovens que estão em Linhares é uma motivação para que as atividades sejam contínuas e expandidas para demais unidades. "Hoje algumas atividades são ofertadas pelo Iases e outra parte dessa agenda é oferecida por empresas parceiras que doam instrumentos, materiais, mão de obra e até parte que chega da sociedade civil que quer colaborar", detalha,.
"A gente tem vários exemplos de adolescentes que se conectam com a vida de uma outra forma depois de ter esse contato com a arte, o que mostra como ela e a cultura podem, sim, fazer evoluir e contribuir para a ressocialização. O jovem constrói outra leitura de vida com a arte e isso modifica até o comportamento dele", continua a diretora.
A diretora socioeducativa do Iases arremata que esse resgate faz parte de todo o processo de reinserção dos jovens depois do período em que ficam internados. Uma outra forma da sociedade ajudar é comparecer nas exposições e conferir os trabalhos feitos.
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