Capim Cidreira, novo disco de Rael, é afeto; é o gostinho afetivo do chá que a avó do rapper fazia quando ele e os primos ficavam muito agitados. Capim Cidreira também é solar, fala de amor, tem uma visão otimista, tem uma sonoridade que traz à cabeça do paulista de 36 anos o show de Jorge Ben a que assistiu de maneira inusitada: pulei o muro para não pagar e o segurança botou a gente pra fora. Acabou que conheci um mano lá na hora, o mano me emprestou a grana pro show... Ele é amigo nosso até hoje, mas nunca paguei essa grana pra ele, brinca Rael, por telefone, enquanto fala sobre a produção do disco que chega hoje às plataformas digitais.
Apesar de todo o afeto que cerca o novo trabalho, ele surgiu do luto Rael começou a produzir o disco com o produtor Carlos Eduardo Miranda, que faleceu em março de 2018. A ideia era um disco com sete faixas, uma para cada dia da semana. A gente já tava desenrolando as coisas, mas com a morte dele eu me encontrei na situação de eu mesmo produzir o disco, lembra o músico.
Rael então montou seu próprio estúdio e o nomeou Horta Music em função da hortinha que cultiva no local. Tive que viver o luto um pouco, sabe?, indaga, para completar em seguida: tive um quadro leve de depressão e isso muda a nossa forma de pensar. Eu não estava conseguindo me conectar comigo mesmo, então me conectei com a natureza. Era disso que estava precisando.
Em meio a este processo Rael percebeu também que queria um disco diferente do que estava sendo feito no meio e é este o ponto final da estética de Capim Cidreira.
Eu não queria falar do que tava todo mundo falando. A internet deveria conectar as pessoas, mas tem desconectado... Muito ódio, estamos nos distanciando, mas não queria ser mais um a falar disso, então resolvi falar de amor, explica.
O AMOR
O amor, segundo Rael, é o que une: me conecto mais às pessoas com o amor do que com outra mensagem.
Capim Cidreira é rap, reggae, reggaeton, música africana, brasileira... É um conjunto de influências e texturas que talvez soassem artificiais vindo de outro rapper, mas não o disco tem uma conexão natural com o trabalho que Rael entrega desde MP3: Música Popular do Terceiro Mundo (2010) e dialoga ainda mais com Ainda Bem que Segui as Batidas do Meu Coração (2013) e Diversoficando (2014).
As canções alternam boas melodias de voz com rimas que fazem jus ao ex-apelido do rapper (que assinava Rael da Rima). Tudo no tal clima solar que permeia todo o disco, um grande diferencial num mercado cada vez mais dominado pelo trap.
Não é que eu não goste de trap, eu gosto, mas, voltando ao que falamos antes, não queria fazer algo que tava todo mundo fazendo. Então eu ouvi muito Novos Baianos, o Kaya (disco do Bob Marley & The Wailers), e muito afro fusion, que mistura a cultura africana com música contemporânea, lembra.
Rael conta que foi a Angola gravar o clipe de Flor de Aruanda e depois seguiu para o Zimbábue e para a Tanzânia, lugares em que se deparou com diversos artistas que falavam de amor de forma poética. Tive que passar por esse processo para perceber que era essa a textura que eu queria pro disco, pondera.
O clima de boas vibrações também influenciou as participações no disco ao contrário de outros rappers, que normalmente convidam seus pares, Rael chamou Thiaguinho e a banda Melim. Ao lado do pagodeiro ele já havia gravado a música Miopia Ocular e participado do show Tardezinha. A gente chegou num período que não dá pra ficar segregando as coisas, colocando em caixinhas, faz mal... Thiaguinho foi uma parceria natural.
Já com a banda dos irmãos Gabriela, Rodrigo e Diogo a parceria é uma bem-vinda novidade. Eles tinham me chamado pra gravar com eles, mas não rolou. Aí nos encontramos na estrada, eles ficaram pra ver o meu show e eu senti uma conexão ali, conta. No disco eu queria falar de good vibes, e é esse tipo de música que eles fazem. Casou bem.
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