> >
Rapper viraliza com letra que mistura críticas sociais e contos infantis

Rapper viraliza com letra que mistura críticas sociais e contos infantis

Cesar MC, morador do Morro do Quadro, em Vitória, escreveu a letra de "Canção Infantil" que já soma mais de 4 milhões de visualizações e reúne personagens de contos de fadas com a desigualdade social

Publicado em 4 de julho de 2019 às 15:02

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Só no clipe lançado no dia 29 de junho, Cesar MC, de 22 anos, já tem mais de 4 milhões de visualizações. (Vitor Jubini)

Com mais de quatro milhões de visualizações no YouTube em seis dias, jovens do Morro do Quadro, em Vitória, estão fazendo história com a própria realidade. O clipe da música "Canção Infantil" (veja o clipe abaixo), composta pelo rapper capixaba e morador da comunidade, Cesar MC, de 22 anos, tem fortes críticas sociais associadas a personagens de contos de fadas.

"Do Morro do Quadro para o mundo" é uma das frases marcantes de Cesar, que escolheu a escola em que fez o ensino fundamental, na comunidade, o colégio Mauro Braga, para gravar o clipe que já tem mais de quatro milhões de visualizações na plataforma de vídeos. Cesar conta que sempre escreveu poemas e fez rimas, mas que participou de uma competição só em 2014 e, depois, conquistou um título nacional. 

"Na verdade, toda essa questão da poesia, da rima improvisada, dessa arte que eu faço, ela começou muito cedo na minha infância, só que era algo que eu guardava muito pra mim. Eu fazia minha poesia, entrava no ônibus e fazia rima improvisada, era uma coisa muito minha que eu não costumava mostrar pras pessoas. Somente anos depois, que eu amadureci, e em 2014 que eu fui ver pela primeira vez uma batalha (de rima improvisada) na minha frente e depois de muitas batalhas, eu cheguei ao duelo nacional de MCs"

O cantor ganhou destaque em 2017, quando venceu uma competição de rap e ganhou visibilidade de uma produtora do Rio de Janeiro, onde tem trabalhado. Cesar escreve poemas desde criança e o dom pode ser facilmente notado com a letra de "Canção Infantil", composta pelo rapper, que é profunda e emocionante, cheias de metáforas entre situações da vida real e contos de fadas.

PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS

Imagens do clipe da música "Canção Infantil", do capixaba Cesar MC, que gravou no Morro do Quadro na escola em que estudou. (Reprodução/YouTube)

Além das crianças da comunidade, que participam com o grupo de coral no videoclipe, outras duas pessoas também são marcantes para o projeto, a cantora e estudante Cristal Lopes, que agrega a voz suave à força do rap, e o amigo de infância do cantor Gustavo Rodrigues, que ficou responsável pelo violino, um instrumento incomum no mundo do rap, mas que trouxe um toque especial à melodia.

"Quando eu recebi o convite eu falei "será que eu consigo?", mas aí eu vi que atingiu as pessoas da forma correta, trazendo muita emoção e demonstrando que o violino pode estar na comunidade também", afirma Gustavo.

Imagens do clipe da música "Canção Infantil", do capixaba Cesar MC, que gravou no Morro do Quadro na escola em que estudou. (Reprodução/YouTube)

Cristal diz se sentir honrada por poder participar de um projeto que visa mostrar e fazer sentir o que acontece nas comunidades. "A gente alcançou o intuito que era fazer todo mundo sentir o que nem sempre todo mundo vê, mas acontece bastante. É uma honra estar no meio disso, estar com as crianças. É da comunidade, é pra eles, é para o povo, para todo mundo", diz Cristal.

REPERCUSSÃO E EMOÇÃO

Imagens do clipe da música "Canção Infantil", do capixaba Cesar MC, que gravou no Morro do Quadro na escola em que estudou. (Reprodução/YouTube)

Emoção é só um dos sentimentos que a canção tem despertado em quem assiste. A violência nas comunidades também é abordada na música e as crianças que participaram o clipe viraram mensageiras do recado social transmitido pelo cantor. Elas fazem parte do coral da escola, que existe há 9 anos. A professora Luciene Pratti diz que o clipe foi a melhor forma de dar voz as crianças da comunidade, que se sentiram representadas pela letra.

"Na verdade, o melhor disso tudo é o fato de, durante nove anos, os meninos terem cantado, buscado em outros repertórios esse grito que o Cesar na poesia dele traz. O Cesar vem e consegue trazer tudo o que a gente tenta mostrar às pessoas que estão fora de onde a gente vive", descreve a professora.

Por fim, Cesar fala do sentimento de gratidão que sente pela forma como a música tem se propagado e feito as pessoas sentirem a realidade desigual que as comunidades sofrem. Ele afirma que não se trata de uma música apenas, mas de um grito que estava preso não só na garganta dele, mas de todos os moradores.

"Cada vez que eu olho aqueles números (de visualização) e toda essa repercussão, eu fico em choque e muito grato de tudo o que está acontecendo. Não só pela forma que está sendo visualizado, mas pela forma que as pessoas estão sentindo. Não tinha forma mais sincera de representar um grito que vem das crianças, da comunidade, se não fizesse delas protagonista desse grito, porque não se trata só de uma música e sim de um grito, então ver esse tanto de pessoas tendo essa sensibilidade de olhar de uma forma plural, isso é o maior motivo de gratidão", descreve o rapper. 

Com informações da TV Gazeta

LETRA DA MÚSICA

Era uma casa não muito engraçada

Por falta de afeto, não tinha nada

Até tinha teto, piscina, arquiteto

Só não deu pra comprar aquilo que faltava

Bem estruturada, às vezes lotada

Mas memo lotada, uma solidão

Dizia o poeta, o que é feito de ego

Na rua dos tolos gera frustração

Yeah, yeah, yeah

Hmm, hmm, hmm

Yeah, yeah, yeah, yeah

Hmm, hmm, hmm

Yeah, havia outra casa, canto da quebrada

Sem rua asfaltada, fora do padrão

Eternit furada, pequena, apertada

Mas se for colar tem água pro feijão

Se o Mengão jogar, pode até parcelar

Vai ter carne, cerveja, refri e carvão

As moeda contada, a luz sempre cortada

Mas fé não faltava, tinham gratidão

Yeah, yeah, yeah

Mas era tão perto do céu

Yeah, yeah, yeah

Mas era tão perto do céu

Como era doce o sonho ali

(Como era doce o sonho ali)

Mesmo não tendo a melhor condição

(Mesmo não tendo a melhor condição)

Todos podiam dormir ali

(Todos podiam dormir ali)

Mesmo só tendo um velho colchão

(Mesmo só tendo um velho colchão)

Mas era feita com muito amor

Mas era feita com muito amor

A vida é uma canção infantil

É sério

Pensa, viu?

Belas e feras, castelos e celas

Princesas, Pinóquios, mocinhos e

É, eu não sei se isso é bom ou mal

Alguém me explica o que nesse mundo é real

O tiroteio na escola, a camisa no varal

O vilão que tá na história ou aquele do jornal

Diz por que descobertas são letais?

Os monstros se tornaram literais

Eu brincava de polícia e ladrão um tempo atrás

Hoje ninguém mais brinca

Ficou realista demais

As balas ficaram reais, perfurando a Eternit

Brincar nós ainda quer, mas o sangue melou o pique

O final do conto é triste quando o mal não vai embora

O bicho papão existe, não ouse brincar lá fora, pois

Cinco meninos foram passear

Sem droga, flagrante, desgraça nenhuma

A polícia engatilhou: Pá, pá, pá, pá

Mas nenhum, nenhum deles voltaram de lá

Foram mais de cem disparos nesse conto sem moral

Já nem sei se era mito essa história de lobo mau

Diretamente do fundo do caos procuro meu cais no mundo de cães

Humanos são maus, no fundo, a maldade resulta da escolha que temos nas mãos

Uma canção infantil, à vera

Mas lamento, velho, aqui a bela não fica com a fera

Também pudera, é cada um no seu espaço

Sapatos de cristal pisam em pés descalços

A Rapunzel é linda sim, com os dreads no terraço

Mas se a lebre vim de Juliet, até a tartaruga aperta o passo

Porque é sim tão difícil de explicar

E na ciranda, cirandinha, a sirene vem me enquadrar

Me mandando dar meia volta sem ao menos me explicar

De Costa Barros a Guadalupe, um milhão de enredos

Como explicar para uma criança que a segurança dá medo?

Como explicar que oitenta tiros foi engano?

Oitenta tiros, oitenta tiros, ah

Carrossel de horrores, tudo te faz refém

Motivos pra chorar, até a bailarina tem

O início já é o fim da trilha

Até a Alice percebeu que não era uma maravilha

Tem algo errado com o mundo

Não tire os olhos da ampulheta

O ser humano, em resumo, é o câncer do planeta

A sociedade é doentia e julga a cor, a careta

Deus escreve planos de paz, mas também nos dá a caneta

E nós, nós escrevemos a vida, iPhones, a fome, a seca

Os homi, os drone, a inveja e a mágoa

O dinheiro, a disputa, o sangue, o gatilho

Sucrilhos, mansões, condomínios e guetos

Tá tudo do avesso, falhamos no berço

Nosso final feliz tem a ver com o começo

Somente o começo, somente o começo

Pro plantio ser livre, a colheita é o preço

A vida é uma canção infantil, veja você mesmo

Somos Pinóquios plantando mentiras e botando a culpa no Gepeto

Precisamos voltar pra casa

Onde era feita com muito amor

Onde era feita com muito amor

(Mesmo só tendo um velho colchão)

Mas era feita com muito amor

Mas era feita com muito amor

 

Este vídeo pode te interessar

 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais