Linn da Quebrada é o que há... Usar a expressão popular (que serve para ressaltar as qualidades de uma pessoa) não é exagero no caso da artista. Ativista pelos direitos dos LGBTQ+ e dos negros, cantora, compositora e apresentadora de TV, ela confirma sua versatilidade artística investindo na carreira de atriz.
A paulistana de 29 anos é um dos destaques da série Segunda Chamada, que estreia nesta terça (8), na TV Gazeta. Na atração produzida por Fernando Meirelles (diretor de Cidade de Deus), Linn vive a travesti Natasha, que, além de ralar durante o dia, tenta vislumbrar um futuro melhor estudando à noite em uma escola da periferia de São Paulo.
Segunda Chamada vai explorar as dificuldades, o estado de abandono e a falta de investimentos por que passa o ensino do país. Desestrutura pedagógica, professores desgastados e desvalorizados, e uma sociedade que ainda não está disposta a encarar as diferenças que compõem o dia a dia da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus. No elenco, nomes de peso, como Paulo Gorgulho, Debora Bloch, Hermila Guedes, Thalita Carauta e Silvio Guindane.
Natasha é constantemente agredida pelos colegas por conta de sua sexualidade. Logo no primeiro episódio, por exemplo, é impedida de entrar no banheiro feminino pela aluna mais velha, Dona Jurema (Teca Pereira). Não sou obrigada a dividir meu banheiro com travesti, reclama a senhora, com preconceito.
Linn sabe o que é viver situações constrangedoras desse tipo e considera o debate sobre condição de gênero um dos vários pontos essenciais da série, que vai ao ar às terças-feiras, logo após a segunda temporada de "Filhos da Pátria".
É uma situação que enfrentamos diariamente. O respeito à condição de gênero é preciso ser debatido abertamente pela sociedade, para que não haja mais preconceito e desinformação, defende, em bate-papo com A GAZETA para falar sobre a participação em A Segunda Chamada. Durante a conversa, Linn também falou sobre dignidade trans, a importância de haver educação sexual nas escolas e abordou sua já conhecida versatilidade artística. A artista poderá ser vista nos cinemas até o final de 2019, com Bixa Travesty, de Kiko Goifman e Claudia Priscilla. O longa, que aborda a sua trajetória, venceu o Prêmio Teddy (voltado para produções LGBTQ+) no Festival de Berlim 2018.
Infelizmente, estudar se tornou privilegio de alguns, ao mesmo tempo que o ensino vem sendo precarizado. Me parece que, nesse momento politico, não é interessante ao governo termos pessoas que pensem, que estudem. Um dos pilares que temos que prestar mais atenção - no que diz respeito à construção de "corpos políticos e sociais" - é a educação. Acho fundamental que falemos deste assunto, que é complexo. A educação não pode ser um espaço hostil para pessoas trans e pessoas pretas. Temos que falar disso para pensar em como tornar a escola cada vez mais num espaço saudável, tanto para alunos como para professores. É fundamental pensar e repensar a educação brasileira como algo contínuo, que seja um ambiente para todos e todas e não só para "corpos" privilegiados.
Querendo ou não, esse já é um assunto discutido e produzido nas escolas. Nas aulas de Biologia, aprendemos sobre corpos, mas aprendemos a partir de um ponto de vista "cisheteronormativo". É preciso entender que existem outros corpos possíveis, com outras corporalidades, que escapam ao olhar branco-europeu-colonizador-cisgênero-e-ocidental. Nós existimos e merecemos também nos ver apresentados e representados nos livros didáticos. Sexualidade é como uma língua, um idioma. Você pode passar a vida inteira falando um só idioma, mas também pode aprender outros e com isso se comunicar. E isso só é ameaçador ao sistema porque aprender sobre sexualidades é aprender sobre novas formas e possibilidades de se relacionar. O que amedronta é perceber que nossas relações sexuais e afetivas podem construir novas relações sócio-econômicas. Entender mais sobre nossos corpos implica em ter mais controle sobre eles. Precisamos tirar este poder do Estado e reivindica-lo para nós mesmas.
Infelizmente, o preconceito de homo/lesbo/transfobia acaba sendo recorrente para mim, principalmente no que diz respeito às pessoas trans e travestis. Mas, ao mesmo tempo, outra questão que faz parte da nossa experiência é a coragem e a determinação. E de coragem a Natasha entende. Ela me inspirou muito, inclusive no que diz respeito a reconectar em mim a lembrança de que podemos sonhar. Ainda assim, é tão disposta a sonhar, quanto a realizar. A Natasha não é militante, mas luta pelo direito do seu corpo ocupar determinados espaços e está lutando pela própria vida, pela garantia de uma educação digna. Luta pela sua sobrevivência, dignidade e humanização.
Muitos dizem que a arte reproduz o mundo tal qual ele é. Eu costumo dizer que a arte é responsável também pela produção de novos projetos de mundo (risos). Para mim, a arte não é espelho, é martelo. Eu não me via nas novelas, nos filmes, na TV, não me via nos livros e nem nos romances, por isso mesmo eu resolvi "hackear" esses espaços para eu mesma contar a minha história. O que pretendo com todas as atuações artísticas é justamente inventar um novo imaginário social. E, quando a gente ouvir e dizer a palavra travesti, que isso soe com toda força, representando as nossas vitórias e conquistas.
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