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Zé Celso: 'Não é nenhuma pena fazer teatro hoje, é um prazer'

Zé Celso: "Não é nenhuma pena fazer teatro hoje, é um prazer"

Um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro fala sobre arte e política

Publicado em 11 de junho de 2018 às 22:28

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Colaboração: Gabi Costa, atriz e jornalista

Peça que marcou o teatro brasileiro e o tropicalismo, “O Rei da Vela” completou 50 anos em 2017. Com texto de Oswald de Andrade, escrito em 1933 na ascenção do fascismo, o espetáculo ganhou vida pelas mãos de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, um dos nomes mais importantes das artes cênicas do país, e sua companhia paulista Teat(ro) Oficina. Agora, cinco décadas depois, Zé e a Oficina estão em temporada no Rio de Janeiro com a remontagem da peça, que ganhou novos contornos políticos.

Diretor teatral Zé Celso . (Lilo Clareto/Divulgação)

O diretor, ator e dramaturgo acredita que, na sua loucura particular, o impeachment foi fagulha para que o texto fosse remontado. “O Rei da Vela” é uma alegoria de um país subdesenvolvido e pressionado pelo capitalismo. Semelhanças não são meras coincidências, “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, já dizia Oscar Wilde.

Zé Celso era um jovem estudante de Direito da Universidade de São Paulo quando co-fundou o Teat(r)o Oficina. Hoje, aos 81 anos, é “Exu das artes cênicas brasileiras”, título que recebeu de uma das autoridades máximas do candomblé, Mãe Stella da Bahia. É homem das artes, da resistência. “O teatro é meu corpo”, deixa claro.

Entrevistar Zé Celso é honraria, mas também desafio. Na entrevista abaixo, ele conversou sobre arte, política e os planos de levar o espetáculo para “todos os grandes teatros brasileiros”.

O momento que a República vem vivendo contribui para que você se canse ou é fagulha para se manter ativo?

Desperta minha felicidade guerreira.

“A revolução é cultura”, mas o Brasil realmente luta por esse caminho?

Não existe “O Brasil”, existem povos indígenas, africanos, operárias e operários, emigrantes, professoras, professores, secundaristas, sem teto, sem terra, jornalistas livres, baixa classe média arrochada, artistas chamados de vagabundos, artistas ligados aos movimentos que surgem telúricos, gays, lésbicas, trans, macumbeiros, que se mostram, se veem, se ligam e são a própria revolução cultural. É um povo orgulhoso de si mesmo.

Há uma ignorância coletiva em torno dos valores intangíveis das artes?

A arte que é arte é tangível, toca os corpos, inverte os valores e está vivendo uma primavera cultural, exatamente por ser bodificada pelas classes que mandam. Essas sim não dão valor algum à arte. A burguesia dominante, que já foi até revolucionária, hoje está burra, militarizada, virada no cifrão só.

Cortes orçamentários, lutas contra o Grupo SS (o Grupo Silvio Santos tenta erguer torres comerciais no terreno ao redor da sede do oficina) e desvalorização das artes... ainda compensa fazer teatro?

Oswald de Andrade dedicou “O Rei da Vela” à dura criação do teatro nacional. Hoje esta sua peça lota depois de 81 anos de sua publicação, lota todos os grandes teatros em que estamos causando com ela. Não é nenhuma pena fazer teatro hoje, é mais que um poder, é um prazer! Imagina se vou abandonar o que me dá mais prazer na vida?!

A Oficina nunca esteve em Vitória. O público pode ter esperanças de se encontrar com “O Rei da Vela”?

Nunca nos apresentamos em Vitória. Não acredito na “esperança”, é pura espera de Godot. Temos o desejo de correr todo o Brasil. Mas o movimento tem de ter mão dupla. É preciso acontecerem ações em Vitória que criem as condições a serem inventadas para o prazer de atuarmos nesta belíssima cidade. Por exemplo: o público do Rio queria ver o “Rei”, nós também. Nós topamos ir por bilheteria. A maior parte do elenco ficou em casas de amigos. Mas houve um movimento entre os artistas cariocas de levantar o custo do transporte dos maravilhosos cenários, alimentação. E também havia o belíssimo Teatro da Cidade das Artes, cuja animadora é a atriz Bel Kutner. Então aconteceram delírios em todas as sessões lotadas. A peça pede teatrões, equipados, com muitos lugares para o grande público. Estive poucas e rápidas vezes em Vitória, não conheço os teatros daí. Mas amo esta palavra, “vitória”. Cantei-a muitas vezes nas “Bacantes”.

Da morte do seu papagaio ao título de “Exu das Artes Cênicas”, como o teatro esculpiu Zé Celso?

Não há uma escultura chamada Zé Celso. O teatro é uma arte de vida, aqui, agora, de pessoas diante de pessoas. O “Vento Forte pra um Papagaio Subir” me fez voar ao encontro desta profissão chamada teatro, e “Exu Senhor das Artes Cênicas” é o título que mais amo. Mas Exu é um bicho entre o inferno e o céu, que não se deixa jamais esculpir. Sabe como é ele? Sempre viajando.

Zé, “a arte é mesmo a verdadeira vida”, como dizia (Marcel) Proust?

“A verdade meu amor, mora num poço, é Pilatos lá na Bíblia que nos diz, e morreu por ter pescoço, o infeliz autor da Guilhotina de Paris”. Não acredito nesta senhora: Dona Verdade. Acredito nas muitas perspectivas que a vida que amo oferece.

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