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Entenda por que artistas como Ivete Sangalo decidiram atacar Bolsonaro

Entenda por que artistas como Ivete Sangalo decidiram atacar Bolsonaro

Logo que o país atingiu a marca de 500 mil mortos por Covid, Ivete Sangalo e Anitta, cobradas por não se posicionarem contra o governo federal numa classe que se opõe em massa ao presidente, parecem ter saído do armário

Publicado em 29 de junho de 2021 às 14:40

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A cantora Ivete Sangalo
A cantora Ivete Sangalo. (Reprodução/Instagram @ivetesangalo)

Pressão dos fãs, dificuldade de se manter neutro num ambiente político tenso e segurança em se posicionar contra Jair Bolsonaro no momento em que a opinião pública massacra o governo pela má condução da pandemia são alguns dos fatores que levaram estrelas da música pop a descerem do muro nos últimos dias, afirmam especialistas, uma tomada de posição que não necessariamente vai trazer danos de imagem a eles.

Logo que o país atingiu a marca de 500 mil mortos por Covid, Ivete Sangalo e Anitta, cobradas por não se posicionarem contra o governo federal numa classe que se opõe em massa ao presidente, parecem ter saído do armário. Depois de dizer que o meio milhão de vidas ceifadas não era "sobre partidos", mas "sobre humanidade" - o típico discurso isento - a baiana afirmou, sem mencionar Bolsonaro, que "esse governo que está aí não me representa nem mesmo antes da ideia de ele existir".

Há quem tenha visto nessa atitude uma resposta à funkeira carioca, para quem as 500 mil mortes são sobre "fora, Bolsonaro, sim", conforme Anitta escreveu em seu Twitter, acrescentando que é a favor da democracia e do senso coletivo. Depois dela, nomes associados ao campo progressista, como Djavan, Titãs e Pablo Vittar também se posicionaram contra o governo. No início do mês, Xuxa postou uma foto em que uma mulher enrolada numa bandeira do Brasil segura um cartaz onde se lê "fora, miliciano".

Esses artistas se posicionam num momento em que as redes sociais deixam de ser "um puxadinho da nossa vida privada e se tornam vias públicas", diz Marina Roale, gerente de pesquisa do grupo Consumoteca. Segundo ela, a mudança traz junto uma cobrança em torno de figuras públicas, e fica cada vez mais difícil separar a obra de um músico de sua opinião política, como era até mais ou menos 2010, em que ouvíamos bandas sem se preocupar com isso.

A pesquisadora exemplifica essa mudança com o caso de Anitta, cobrada nas eleições de 2018 para aderir à hashtag #elenão —ela apoiou e desafiou Ivete Sangalo a fazer o mesmo. Anitta também participou de aulas de política com a comentarista e ex-colunista do jornal Folha de S.Paulo Gabriela Priolli. "A gente está nesse momento em que tudo é político. A roupa que a gente usa, o que eu como ou não, a forma como eu exponho meu corpo no Instagram é um ato político."

Defender um ponto de vista faz com que artistas com milhões de seguidores e carreiras estabelecidas ganhem um novo impulso de visibilidade, entrando nos assuntos mais falados do Twitter e recebendo ampla cobertura da imprensa, lembra a professora Carolina Terra, da Cásper Líbero. Essa exposição, ela acrescenta, pode vir para o mal ou para o bem, gerando a perda de contratos e o cancelamento de shows, como no caso da ex-BBB Karol Conká, ou um aumento de credibilidade, como aconteceu com Juliette, outra ex-BBB.

Num mercado em que artistas são marcas valiosas, geridos como empresas, ou então contratados para ocuparem cargos em fintechs, como Anitta, o risco de emitir uma opinião é calculado. "Quando a Anitta faz um post desse, ela já sabe que boa parte da comunidade que a segue vai sair em defesa dela, porque pensa da mesma forma. É claro que vai ter um monte de 'hater'ali, mas a própria comunidade dela faz esse bate-boca automaticamente", afirma Terra, acrescentando que uma opinião do tipo pode, sim, afastar o público mais conservador.

Mas é provável que o número de fãs que clique em deixar de seguir não cause grande impacto na imagem de alguns dos músicos mais populares do país, segundo a gestora de crise Patricia Teixeira, autora de livros sobre o assunto. Ela afirma que a perda de seguidores é uma avaliação feita por marcas ao planejarem uma estratégia polêmica e que quem se retira talvez já não fizesse sentido para esses artistas.

Além disso, acrescenta a gestora, uma opinião polêmica pode trazer uma nova leva de fãs, já que perfis em redes sociais tendem a atrair pessoas com interesses em comum, "assim como as igrejas, o maior exemplo de rede social".

Depois de seu post em cima do muro, Ivete Sangalo viu seu índice de popularidade digital cair 24% "de 52,1 para 39,5", mas a postagem seguinte, claramente contra o governo, fez com que o índice subisse 51% "de 39,5 para 59,6", atingindo uma popularidade superior à que ela tinha antes do episódio, segundo um estudo da Quaest, empresa de pesquisa de dados. Já Anitta conseguiu aumentar sua popularidade com seu posicionamento.

"Se a Ivete não tivesse se posicionado e deixado o assunto rolar, provavelmente acumularia vários dias seguidos de reputação negativa", afirma o cientista social e CEO da Quaest, Felipe Nunes.

Reputação à parte, ambas as cantoras estimularam as pessoas a pensarem politicamente, acrescenta Teixeira, a gestora de crise. "É aquela velha frase 'futebol, política, sexualidade e religião a gente não discute'. Começar a discutir política é rico para o nosso futuro. Precisamos falar de política." Ela lembra que a maneira com que os artistas se expressam é geralmente de fácil compreensão por todos, independente do nível de instrução, e que eles podem impactar inclusive o voto das pessoas.

Para se ter a dimensão, somadas, Anitta e Ivete Sangalo têm 87,2 milhões de seguidores no Instagram, o equivalente a 41,1% da população brasileira. Xuxa tem 2,6 milhões de seguidores no Twitter, e Djavan soma, nas duas plataformas, cerca de 1,7 milhão.

Por outro lado, tanto Terra quanto Teixeira concordam que é mais seguro se posicionar contra o governo agora do que seria nas eleições de 2018. O cenário atual é de boa parte da opinião pública crítica ao presidente, com protestos em todo país, CPI da Covid em andamento e mais de meio milhão de mortos por coronavírus. "A tendência de você não ser cancelado é muito maior", observa Terra, da Cásper Líbero.

Nesse contexto, não marcar posição clara parece ser a decisão que mais gera críticas a um artista, como aponta Roale, a pesquisadora, lembrando o exemplo de Juliana Paes. No início de junho, a atriz fez um vídeo no qual dizia não querer ser colocada "em nenhum desses dois polos" da política brasileira. "Ela acabou levando paulada dos dois lados", diz Roale.

A pressão para que os artistas se manifestem está também ligada ao fato de muitos de seus pares terem morrido durante a pandemia, o que acabou sendo entendido pela classe como uma ausência de políticas públicas em relação à Covid, ressalta Gisele Jordão Costa, coordenadora do curso de cinema da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo. Segundo ela, a morte do ator Paulo Gustavo foi o estopim da cobrança de posição entre os artistas.

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A mensagem é que "quando você não se posiciona, você está a favor do que está acontecendo. Se a gente entender que o não posicionamento num momento de distensão forte também é um posicionamento, talvez seja melhor a gente assumir o que pensa."

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