Ao longe, montanha e céu pareciam ostentar a mesmíssima cor. Foi o que os colonizadores portugueses pensaram quando avistaram uma imponente rocha na região serrana do Espírito Santo. Reza a lenda que o apelido foi cravado ali nos idos de 1500, e assim o monumento natural foi batizado de Pedra Azul. A alcunha se consolidou. Mais tarde, já em fins do século XIX, com a chegada de imigrantes italianos e alemães em solo capixaba, a denominação não somente ganhou força como serviu de inspiração para os povoados que surgiriam ao redor da estrutura mineral de 1.822 metros de altura: hoje, Pedra Azul é também a designação de uma área incrustada em terreno fértil de Mata Atlântica, num raio que engloba os distritos de Aracê e de Santa Isabel, ambos vinculados ao município de Domingos Martins. No charmoso pedaço de terra, algo parece ser redescoberto.
A paisagem bucólica, bordada por vegetação intacta, tem chamado a atenção de turistas. De setembro de 2017 para cá, as visitas ao parque estadual que leva o nome do monólito de granito cresceram em 61%. O motivo? Para alcançar as belas piscinas naturais sobre o maciço, há uma nova trilha autoguiada, alternativa ao caminho com escalada.
"A procura aumentou demais. Nos últimos cinco meses, recebemos 25 mil pessoas", conta o guarda florestal José Bellon, ele próprio uma atração à parte no passeio que percorre 3,5 quilômetros no meio dos 1.300 hectares de mata (apenas 4% do território são abertos ao público).
O trajeto dura quase três horas. É que Belo, como o guia se apresenta, faz questão de propagar alguns causos do local, além de apontar espécies vegetais como jacarandás, cedros-rosas e jequitibás. Ele garante que a Pedra Azul reflete 36 cores ao longo do dia, a depender da incidência do sol. Com tanta energia acumulada sobre o gigante mineral, o resultado é promissor: quem encosta as mãos sobre a rocha deve realizar dois desejos. A parada é obrigatória.
"Só não pode pedir namoro, casamento ou dinheiro. Isso a pedra não devolve", brinca Belo.
As crianças dão risada. Os adultos se entreolham. E é assim que a caminhada segue por entre as árvores fincadas sobre as nascentes do Rio Jucuí, fonte abastecedora de 60% da Grande Vitória.
CENÁRIO DE NOVELA
Há tons improváveis aos pés do monte, além de azul, cinza e verde. Na Rota do Lagarto, uma estradinha calma entre as rodovias BR-262 e ES-164, restaurantes dividem espaço com pousadas. Na alta temporada, entre o fim de abril e agosto - época em que a temperatura beira 0°C -, as filas tomam as portas.
Há quem ignore a floresta para se dedicar exclusivamente aos vinhos, aos cafés e aos pratos conceituados. No Quadrado de São Paulino, uma praça ao fim do vilarejo, há opções para refeições e compras no fim de semana.
Tudo é produzido inteiramente por aquelas bandas. Os artigos de costura e os itens decorativos são confeccionados por artesãos locais. As criações gastronômicas são feitas com ingredientes colhidos no quintal. Há um incontestável clima de refúgio, apesar do crescimento a escaladas largas do turismo. Uma novela da Globo, aliás, já foi gravada na região ("Alto astral", em 2014).
"Falam que somos uma espécie de Campos do Jordão do Espírito Santo", diz a jovem Luisa Lang, uma das funcionárias da Marietta Delicatessen, casa que já recebeu personalidades como Claude Troisgros e Ana Maria Braga. "Gente de todos os estados vem para cá".
BOA PROSA EM VÊNETO
Hoje, das 64 famílias italianas que habitam a região, 30 fazem o mesmo: recebem os turistas em suas casas, sem qualquer cerimônia. Aos fins de semana, em alguns lugares, o visitante pode se juntar à mesa para degustar vinhos com os proprietários, sem a exigência de levar algo. É a chance ideal para ouvir os mais velhos deixarem escapar palavras no dialeto vêneto, variante da língua que os avós cultivavam na Europa.
A onda "agropop" se estende para outros cantos. No roteiro de quem visita a Pedra Azul, são paradas obrigatórias o Apiário Florin, do simpático holandês Arno Wieringa, e o Sítio Rosa de Saron, que cultiva folhas e flores com uma inusitada técnica de hidroponia (apenas com água, sem terra). Na famosa Fazenda Carnielli, é possível entender as transformações do café, do milho e do leite em visitas agendadas.
Endereço mais escondido, o Orquidário Caliman é outro ponto imperdível. Mantido por Sávio Caliman, o espaço é o mais procurado no Google entre os amantes de orquídeas, segundo fontes do site de buscas. O dono do lugar, no entanto, é mais recolhido - apenas 20% das espécies que cultiva ficam expostas ao público. Ele se justifica: "Comecei o negócio de forma ideológica, mas agora as pessoas me exigem a venda em larga escala. Não quero isso. O lado bom da vida é o que está fora do plano cartesiano".
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