Cacau, o fruto que dá origem ao chocolate, é uma das riquezas cultivadas nas terras capixabas. O Espírito Santo é reconhecido pela qualidade de suas amêndoas, além de ocupar a terceira posição no Brasil em produção da fruta.
Mas a atividade não para na colheita. Cada vez mais, produtores começam a fabricar seu próprio chocolate e outros derivados do cacau, capazes de agregar valor a toda a cadeia. Até aguardente virou experimento de sucesso.
Produzida totalmente a partir de frutas colhidas em Linhares, Norte do Estado, a bebida Cacahuatl é feita a partir das amêndoas do cacau prensadas em equipamento inox elaborado pelos produtores locais. Do mel extraído desse processo, o líquido é destilado em um alambique, originando a bebida com aroma e paladar frutados, com discretas notas de chocolate amargo. Com alto valor agregado, a aguardente vem sendo comercializada para vários Estados do Brasil e desponta no mercado internacional.
“Nossa matéria-prima é comprada de 10 produtores de Linhares. Então, temos muitas pessoas envolvidas nessa cadeia produtiva. À medida que conquistamos novos mercados, essa rede tende a se ampliar ainda mais”, aponta o produtor e criador da receita, André Luiz Scampini.
No processo de fabricação da bebida, não há nenhuma perda de amêndoas. Após retirada, a matéria-prima é processada normalmente para a produção, por exemplo, do chocolate.
“O cacau ainda é visto como commodity por causa da venda das amêndoas para a indústria. Mas estamos, cada vez mais, agregando valor a esse produto no Estado”, frisa Scampini.
A aguardente está entre os produtos acabados beneficiados no Espírito Santo que geram renda para diversas famílias, ao lado do cacau em pó e da manteiga de cacau. Mas o grande destaque continua sendo o chocolate.
A variedade na produção de derivados decorre de uma mudança de mentalidade voltada para a agregação de valor ao produto, segundo o secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), Enio Bergoli. “O cacau vem passando por um ciclo de renovação com novas bases tecnológicas mais produtivas e tolerantes a doenças. A produção vem crescendo em volume e qualidade, além de ajudar a diversificar a renda”, analisa.
Entre os programas de melhorias do cacau está o Nestlé Cocoa Plan, que já foi implantado em mais de 140 propriedades capixabas, principalmente em Linhares, São Mateus e Rio Bananal.
Os participantes recebem treinamentos em boas práticas agrícolas e orientações para adequar o cultivo. O objetivo é aumentar a produtividade, recrutar novas fazendas e fomentar técnicas sustentáveis em todos os pilares - sociais, econômicos e ambientais. Para se ter ideia, a expectativa é gerar um incremento de 50% no número de produtores dentro do programa e em volume de cacau produzido.
Outra iniciativa importante está garantindo mais trabalho aos agricultores de São Gabriel da Palha, no Noroeste do Estado. Eles fornecem cacau em pó para escolas da rede municipal de Nova Venécia, na mesma região. O produto é natural e sem açúcar.
“Os produtores aprenderam técnicas para fabricar, fizeram todo o trabalho de criação das embalagens e rotulagens e vêm fornecendo para as escolas desde 2022. As merendeiras receberam treinamento para usar o produto. E o resultado não poderia ser melhor: 8 mil alunos com acesso a um alimento mais saudável, e produtores com venda garantida de 200 quilos do produto todo mês”, aponta o extensionista Josyellen Nunes da Costa, do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
No processo de fabricação do cacau em pó, é retirada a gordura para deixar o alimento bem solúvel. E surge daí também a possibilidade de produção da manteiga de cacau. O objetivo futuro é oferecer ao consumidor final a substituição da manteiga animal.
A agricultora Adelma Bissoli, de São Gabriel da Palha, é uma das que está investindo na produção do cacau em pó e da manteiga de cacau, além de ter montado uma fábrica de chocolate artesanal, depois de 20 anos produzindo cacau apenas para venda das amêndoas. “A mudança de foco começou há três anos. Apesar de ainda estarmos no processo de investimento para melhoria dos maquinários, a renda da família já aumentou em 70%”, afirma Adelma.
Segundo a presidente da Associação de Cacauicultores do Espírito Santo (Acau), Kelllen Scampini, os produtos acabados agregam valor ao fruto, pois abrem novas possibilidades de negócios, por meio de mercadorias gourmet e com potencial de exportação.
Muitos produtores de cacau do Espírito Santo, com amêndoas reconhecidas por sua qualidade, querem ir além de vender o fruto e resolveram elaborar chocolate de qualidade. Com isso, o Espírito Santo tem hoje cerca de 40 marcas tanto com a produção a partir da amêndoa (bean to bar) quanto com a utilização de amêndoas da própria propriedade (tree to bar).
É o caso da família de Alexandre Pontual, que há quatro gerações cultiva cacau em Linhares - município que concentra 70% da produção do fruto no Estado e é o sexto maior produtor no país. Há quatro anos, eles resolveram apostar na fabricação de chocolates artesanais, sendo responsáveis por todo o processo, do plantio da árvore até a barra.
A ideia surgiu quando Alexandre foi estudar na Europa. Vendo os chocolates de alta qualidade, resolveu estudar o processo de fabricação e montar a indústria da família. Hoje já são duas lojas próprias: uma em Vitória e outra nos Estados Unidos.
Alguns produtores recorrem a parcerias com empresas fabricantes de chocolate. É o caso de Ivo Bassini Sueiro, da Perobas Cacau, no distrito de Perobas, em Linhares.
Ele assumiu os cuidados da plantação de cacau da família e da fábrica de chocolate iniciada pelo pai, introduzindo novas técnicas de manejo da lavoura e diversificação dos produtos derivados do fruto, além do chocolate, como geleias e chás.
Agora, Ivo é um dos 62 produtores mapeados na linha bean to bar da Le Chocolatier e vende diretamente na loja seu chocolate 70% cacau. A empresa criou o projeto em conjunto com cacauicultores capixabas, especialmente de Linhares, prevendo um espaço temático em suas sete lojas para a comercialização de chocolates elaborados por produtores do Estado que também fabricam o doce em seus estabelecimentos.
Há 24 anos, a família da Aline Rocha Mendes é produtora de cacau, com propriedades em Linhares e Sooretama. Desde o início, sempre tiveram o cuidado de usar a menor quantidade possível de agrotóxicos e, com o tempo, conseguiram adotar apenas insumos biológicos em suas lavouras. “Para nós, foi uma mudança gradual e muito natural”, conta Aline.
A família está entre os principais produtores de cacau de Linhares e fornece suas amêndoas para indústrias de chocolate. Desde 2018, Aline também começou a produzir o próprio chocolate da família, a Cacau Chauá. O nome escolhido tem tudo a ver com a preocupação ecológica dos produtores.
“Como não usamos agrotóxicos, nossa fazenda tem a presença muito constante do Chauá, que é uma espécie de papagaio ameaçada de extinção, mas que convive muito bem e em quantidade na nossa propriedade”, destaca.
Aline conta que, inicialmente, o objetivo era testar a qualidade do próprio cacau. Mas as coisas foram dando certo, os amigos foram pedindo e agora ela vende por encomenda, principalmente pela internet. Já são três linhas produzidas. Apesar de ainda ser um negócio pequeno perto da produção do cacau da família, ela vê futuro na nova marca de chocolate.
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