O tempo em que as pessoas trocavam um quilo de tomates por um quilo de sal ficou no passado, certo? Nas aulas de História, aprendemos que o escambo é uma coisa lá da Idade Média, de antes de existir a moeda. Mas a tecnologia pode estar chegando a um modelo parecido em que é possível comprar diretamente com os produtos rurais. Não é troca, nem escambo, é a tokenização. Essa tecnologia é considerada por especialistas alternativa promissora para produtores rurais, proporcionando maior liquidez, segurança e rastreabilidade das operações. Ainda está associada a outro conceito: o blockchain, que pode impactar positivamente o mercado agrícola.
Tokenização é o processo de transformar produtos reais, como imóveis, commodities ou qualquer outro tipo de propriedade, em ativos digitais, ou seja, numa representação por meio dos tokens. Estes são armazenados em uma rede chamada blockchain para garantir segurança, autenticidade e rastreabilidade.
O blockchain é como um banco de dados, funciona como um livro de registros, mas acompanhado de um arquivo que garante que as informações não sejam violadas. Isso significa que as transações e registros feitos na rede não podem ser alterados retroativamente, proporcionando uma maior confiança nas operações realizadas. “Você tem uma casa, por exemplo, feita de tijolos, e no cartório, há uma escritura que representa essa casa. Um token, por sua vez, representa esse ativo real no mundo virtual”, explica o diretor do Banestes Vicente Duarte.
As duas tecnologias passaram a ser adotadas no agronegócio para dar rastreabilidade às produções e também capitalizar um negócio rural. “Um produtor pode colher sua safra e, imediatamente, tokenizá-la, convertendo-a em ativos digitais para serem comercializados com segurança e rastreabilidade. A tokenização permite que o produtor venda seus produtos para atravessadores ou exportadores, e toda a transação fica registrada no blockchain, aumentando a segurança e o controle de qualidade em toda a cadeia produtiva”, detalha.
Além disso, de acordo com o executivo do banco capixaba, a tokenização de ativos rurais pode ser uma solução interessante para produtores que buscam formas de consolidar financiamentos. Ao utilizar os tokens como garantia, a transparência e a rastreabilidade desses ativos elevam a confiança das instituições financeiras na concessão de crédito. Uma vantagem é permitir a negociação 24 horas por dia, além do fracionamento dos ativos com a venda para mais de um investidor. Outra possibilidade é transformar esses tokens num criptoativo rural.
Apesar de já estar disponível, toda essa tecnologia ainda não é adotada no Espírito Santo. Porém, o Estado tem mercadorias promissoras nesse mercado digital. Segundo o especialista em mercado de capitais Lélio Monteiro, dono da Pedra Azul Investimentos, commodities com produção em larga escala, como o café conilon, apresentam maior potencial para tokenizar, principalmente se por trás do cultivo está uma fazenda de credibilidade no mercado.
Ele explica que no longo prazo o mercado pode se abrir a culturas de menor porte, como o café especial do Caparaó. Mas tudo depende de que esse tipo de ativo seja regulamentado pelo Banco Central, por funcionar como uma moeda, e também pela Comissão de Valores Imobiliários, para ser comercializado como investimento. Monteiro ressalta que, para evitar fraudes, é importante que o gestor do token transmita e forneça credibilidade.
Segundo o diretor e porta-voz da Agritoken, Anderson Nacaxe, a complexidade do assunto não dificulta a implementação. “A prática por trás da operação é o que a faz ser de fácil compreensão. Sistemas de pagamento digitais, como cartões de crédito e ApplePay, são assustadoramente complexos. Mas, na prática, aperto duas vezes no celular, faço o pagamento e saio com o produto.”
Nacaxe explica que a tecnologia é caminho para aumentar a rentabilidade dos produtores e lidar com as flutuações de preços. Com a tokenização, o produtor rural transforma seus ativos em meios de pagamento, garantindo uma forma mais direta de negociação e a eliminação de intermediários, o que pode se refletir positivamente nos preços finais dos produtos comercializados. “Da ideia de usar a riqueza que sai do solo como meio de pagamento, volta-se um pouquinho à origem, à época do escambo. Mas para trocar um carro por soja, por exemplo, seria inviável, porque seria preciso de vários caminhões de soja. É aí que a tecnologia entra, transformando-a em ativos digitais. Colocamos dentro do celular e conseguimos ir lá e fazer a transferência, sem necessariamente converter para real ou dólar”, enfatiza.
Vicente Duarte destaca ainda que as possibilidades vão além do retorno financeiro. Como todas as operações são registradas e imutáveis, a tokenização também pode ser uma aliada importante contra roubo de cargas. Além disso, consumidores mais exigentes vão poder ter mais detalhes das origens dos produtos, escolhendo aqueles que estão mais alinhados com ideais de responsabilidade social e ambiental.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta