O ano era 2002 quando Aline Malta começou a coordenar equipes compostas, majoritariamente, por homens em uma fazenda na Bahia. Mesmo com formação técnica, ela conta que não tinha o respeito de alguns funcionários da propriedade.
“Eu trabalhei a vida inteira com cacau. Comecei treinando as mulheres e os filhos dessas mulheres em 2002. Os homens tinham uma certa resistência. Alguns eram grosseiros. Por uma questão de machismo, eles não se sentiam seguros para fazer uma atividade que estava sendo orientada por mim”, relembra.
Aline, que hoje é gerente de produção da Fazenda Três Marias, em Linhares, comenta que foi muito "teimosa". "Eu sabia o que queria, eu estudei para aquilo, eles tinham de me aceitar. Alguns homens faziam gracinhas, eles ficavam meio que falando piadinhas, mas fui superando tudo. O preconceito no campo é muito grande e há 20 anos era muito mais”, afirma.
O relato fez parte da discussão do painel “Elas no campo e na pesca: empoderamento feminino e fortalecimento da agricultura capixaba" promovido nesta sexta-feira (10) na Tecnoagro 2022, evento promovido pela Rede Gazeta, em Linhares.
A feira reuniu expositores, produtores rurais, investidores e lojistas para discutir as oportunidades de avanço para os negócios do campo com foco na revolução tecnológica de práticas e processos, antecipando tendências de mercado para unir tecnologia e produção rural.
Além de Aline, também participaram do painel a coordenadora de projetos da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento Aquicultura e Pesca (Seag), Patrícia Ferraz, e a médica-veterinária Alessandra Maria da Silva. Hoje, ela atua como coordenadora do Projeto Mulheres no Cacau e no Projeto Elas no Campo.
A conversa foi mediada pela jornalista Elaine Silva, editora-chefe de A Gazeta e coordenadora do Projeto Todas Elas. A iniciativa nasceu para inspirar e gerar empatia, oferecer informações que auxiliem na educação de toda a sociedade, além de ajudar a denunciar a violência contra a mulher, questionar desigualdades e encorajar mulheres na luta pelos seus direitos.
Na Tecnoagro 2022, Elaine pontuou que as reportagens ampliam vozes de mulheres que lutam por valorização, combate ao preconceito, violência, falta de oportunidades e os desafios enfrentados em nome do reconhecimento feminino.
“A gente sabe a importância da educação, como o empreendedorismo, que faz a mulher se libertar da dependência financeira. Os números do Espírito Santo mostram que no total das pessoas que estão no campo, a ocupação é de mulheres, mas consideradas mulheres produtoras são só 14%”, destaca a editora-chefe.
Os números apresentados por Elaine também foram comentados por Patrícia Ferraz, coordenadora de Projetos da Seag. Segundo ela, 47% da população brasileira está na área rural.
“E a gente só tem 14% de mulheres no campo (no Espírito Santo)? No Brasil, são 19%. Ela só é considera trabalhadora quando ela é viúva, comanda sozinha ou é solteira. Quando ela é casada, quem é considerado gestor são os homens", disse.
“Quando um homem sofreu algum tipo de piadinha quando foi exercer a atividade naquilo que se formou, pelo fato de ser homem?”, questiona Alessandra Maria da Silva.
Ela complementa dizendo que as mulheres estão invisíveis em todos os campos. Para lutar contra isso, ela cita a importância da capacitação dos técnicos que atuam na extensão rural e as políticas públicas que fomentam o empreendedorismo, empoderamento feminino e a valorização da mulher.
"A gente não tem o valor que a gente merece ter. O machismo é tão enraizado que se a gente não fizer trabalhos especificamente para mulheres, a gente vai ficar invisível. A partir do projeto Elas no Campo e na Pesca temos vários projetos de colegas trabalhando com mulheres no Estado todo", informa.
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