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'Tributação verde' quer taxar agrotóxico e isentar orgânicos no ES

"Tributação verde" quer taxar agrotóxico e isentar orgânicos no ES

Órgãos de defesa do consumidor elaboram projeto para incentivar Estado a adotar novo modelo de cobrança de impostos de insumos com a finalidade de incentivar produção mais natural

Publicado em 16 de dezembro de 2019 às 10:58

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Aplicação de agrotóxico no campo: elemento traz riscos à saúde do produtor e também do consumidor. (Marcelo Prest)

Zerar o imposto para o produtor orgânico e criar alíquotas escalonadas para quem produz com agrotóxicos. Essa é a principal ideia da “tributação verde”. O tema, que começou a ser discutido com mais ênfase no Espírito Santo por meio dos órgãos de defesa do consumidor, propõe uma mudança sobre a forma como são taxados os defensivos e os fertilizantes agrícolas hoje.

No país, empresas produtoras de insumos agrícolas são isentas do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Isso vale para qualquer tipo de defensivo ou fertilizante, desde os biológicos (naturais) até os químicos. Com a “tributação verde”, quanto mais “perigosos” forem os produtos usados na lavoura, maior será o imposto pago por eles.

A adoção de mecanismos tributários para incentivar o cultivo orgânico ou uma produção com menor uso do agrotóxico faz parte de uma proposta do Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat), coordenado pela promotora de Justiça Sandra Lengruber, atual presidente da Associação do Ministério Público do Consumidor (MPCON).

“Esse caminho da tributação conforme a toxicidade é bastante interessante. Em muitos casos, os mais tóxicos são os mais baratos. Lutamos para que aqueles que fazem uso desses produtos utilizem corretamente”, afirma.

Feira de alimentos orgânicos na Praça do Papa. (Vitor Jubini)

De acordo com a promotora, a proposta é criar uma legislação estadual usando como base um projeto que teve início em Santa Catarina. Segundo o texto do Estado do Sul, dependendo da classificação toxicológica do defensivo agrícola, ele pode ser taxado de 0% a 17%.

“Sobre aqueles denominados extremamente tóxicos e altamente tóxicos (com o rótulo vermelho) incidiria uma carga tributária de 17%. E, nos produtos que têm rótulo amarelo - moderadamente tóxicos (12%) - e rótulo azul - pouco tóxico (7%) e improvável de causar dano agudo (4,8%) -, a alíquota seria menor. Já os produtos naturais não seriam taxados”, explica Sandra.

Um dos principais pontos da tributação é fortalecer o cultivo de alimentos orgânicos e estimular a competitividade deles no mercado. A mudança pode tornar os alimentos mais competitivos em relação aos cultivados no modelo tradicional. Dessa forma, quando o consumidor for a um supermercado, por exemplo, ele encontrará os produtos orgânicos e não orgânicos com preços mais parecidos, diferente do que ocorre hoje.

MERCADO DE ORGÂNICOS ESTÁ CRESCENDO

O mercado para produtos orgânicos vem crescendo nos últimos anos. Cada vez mais, os consumidores estão atentos aos riscos que o excesso de agrotóxicos nos alimentos causam à saúde, o que vem gerando novos mercados. As políticas de importação de alimentos dos Estados Unidos e da Europa, por exemplo, também estão mais restritivas quanto ao uso de agrotóxicos, o que vem forçando os agricultores a mudarem o seu modelo de produção.

De acordo com a Pesquisa do Consumidor Orgânico 2019, feito pelo Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), que reúne cerca de 60 empresas do setor, o mercado brasileiro de orgânicos faturou R$ 4 bilhões em 2018. O número foi 20% maior do que o registrado no ano anterior.

Ainda segundo a pesquisa, 84% das pessoas consomem produtos orgânicos pensando primeiramente na saúde. Os dados ainda apontaram que 67% dos brasileiros que já consomem orgânicos estão dispostos a aumentar esse hábito. E 27% dos entrevistados que ainda não são consumidores também planejam implementar esses alimentos no seu dia a dia.

Além disso, em menos de uma década, o número de produtores orgânicos registrados no Brasil triplicou, de acordo com levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). No ano de 2012, o país tinha quase 5,9 mil produtores registrados e, em março de 2019, já registrou mais de 17,7 mil.

Já no Espírito Santo, de acordo com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), 300 produtores rurais já possuem a certificação orgânica. Em torno de 1,3 mil propriedades agrícolas não utilizam produtos químicos nas lavouras e buscam o selo de produção natural. Há ainda outros 300 em fase de transição.

MUDANÇA NA COBRANÇA DE TRIBUTOS DOS AGROTÓXICOS PRECISA SER ESTUDADA 

A isenção sobre agrotóxicos e fertilizantes químicos existe há mais de 20 anos no país. De acordo com o governo do Espírito Santo, a volta de uma tributação sobre esses produtos precisaria, antes de tudo, ser muito bem estudada, já que causaria impacto em todo o agronegócio, da produção à exportação.

“A iniciativa do fórum de desestimular o uso de defensivos que possam fazer mal às pessoas é muito louvável, mas ela precisa ser harmonizada com a economia do país e a produtividade da agricultura. Esse é um equilíbrio muito importante e que precisa ser alcançado com muita cautela, diálogo e estudo. Pensar na saúde a longo prazo é muito importante, mas os impactos de uma mudança na tributação precisam ser estudados”, aponta Rogelio Pegoretti, secretário de Estado da Fazenda (Sefaz).

Michel Tesch, subsecretário da Secretaria de Agricultura do Estado (Seag), aponta que sem os incentivos fiscais desses produtos, os alimentos podem ficar mais caros. “O custo de produção é uma variável que temos que controlar. O resultado de uma mudança na tributação incide diretamente nele e na perda de produtividade. Se tributar esses produtos o agronegócio vai perder a competitividade, já que os agricultores gastarão mais para produzir, o que encarecerá o produto final”, pondera.

AGRICULTORES ESTÃO FAZENDO CURSOS PARA APENDER A USAR AGROTÓXICOS

De acordo com Murilo Pedroni, engenheiro agrônomo da Federação da Agricultura do Espírito Santo (Faes) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-ES), o próprio mercado consumidor é que está restringindo o uso de agrotóxicos nas lavouras.

“É um caminho sem volta o que estamos vendo. Hoje os agricultores estão em busca de usar produtos cada vez menos nocivos. Esse é o primeiro passo para eles passarem a adotar os produtos biológicos (naturais) em suas propriedades”, comenta.

Murilo ressalta ainda que falta orientação para os produtores usarem esses produtos. Segundo ele, no Senar, por exemplo, quando o agricultor vai receber orientação, em 100% dos casos ele está comprando mais produtos químicos do que o necessário.

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“O treinamento de Aplicação de Defensivos Agrícolas é o mais procurado do Senar. Neste ano, aplicamos o curso em 113 turmas de 30 municípios do Estado. Ao todo, 1.357 pessoas foram capacitadas. Nosso objetivo é levar informação para todos os agricultores”, conta.

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