Se você tem crianças em casa, sabe que um dos maiores desafios dessa pandemia é equilibrar o uso das telas. Com os pais em home office e o afastamento presencial da escola, como evitar que os pequenos passem o dia inteiro (ou a maior parte dele) distraídos com celular, televisão ou tablet?
Para ajudar você a equilibrar essa relação, A Gazeta conversou com três especialistas sobre o assunto: o educador parental para a disciplina positiva, Thiago Queiroz - conhecido na internet como Paizinho, Vírgula -, o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, com participação no programa Encontro com Fátima Bernardes, e a psiquiatra infantil Fernanda Mappa.
Para pais e mães que estão em casa, mas precisam dar conta do home office, as telas aparecem como uma solução tentadora: em frente à TV, ao tablet, ao celular ou mesmo a um vídeo game, a criança vai fazer menos barulho, não vai chamar você toda hora e você vai conseguir trabalhar. Parece perfeito, eu sei. Mas será que é saudável?
Pai de três filhos, o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral diz que aquilo que aparece como um apoio, em um primeiro momento, se transforma rapidamente em pesadelo. "A criança que fica muito tempo na tela, começa a viver uma percepção alterada da sua realidade, em que se ela não estiver na tela, ela não consegue se ver construindo uma brincadeira criativa. A criatividade parte do vazio, a criança precisa primeiro viver uma certo tédio, uma certa angustia, para que depois ela crie uma brincadeira", explica.
No entanto, abrir mão das telas exige paciência dos pais. "Diminua as expectativas. Não tem como acharmos que vamos conseguir trabalhar 8 horas em home office e não vamos poder ser interrompidos pelos nossos filhos", alerta o educador parental Thiago Queiroz.
Equilibrar o trabalho com as demandas das crianças não é tarefa simples, mas o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral garante que tirar a criança da frente das telas, depois que ela já está habituada a isso, é ainda mais difícil.
"A transição de volta, às vezes, é muito complicada porque envolve a criança ou adolescente, que pode manifestar muita raiva, muito descontentamento por a tela ter sido retirada do dia dela ou dele. A criança vai se queixar, vai culpar os pais e dizer que não tem nada para fazer em casa. Isso é que tem desesperado mães e pais na pandemia. Enquanto eles precisam trabalhar no home office, e isso não é um luxo, é uma necessidade, as crianças estão nas telas, assistindo, jogando. Retirar a tela é mais tortuoso, do que não deixar que a criança consuma tanta tela", esclarece.
Ainda sem saber como agir? Listamos dicas práticas para ajudar você!
A rotina de mães e pais na pandemia têm sido cansativa, mas faça um esforço para sentar com o seu filho à noite, depois do trabalho, e planejar com ele as atividades e brincadeiras que ele fará no dia seguinte enquanto você trabalha. "Tentar planejar atividades para as crianças, que elas consigam desenvolver sem a sua ajuda. Pode ser algo para colorir, uma atividade de recortar e colar, lego, qualquer coisa que a criança goste", detalha Thiago Queiroz, o Paizinho, Vírgula. "Você começa a dar algumas dicas para a criança, e ela pode começar a se conectar de novo com essa experiência do brincar", explica o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral.
Tenha todo tipo de material: papéis, massinha, jogos, figuras para colorir, tintas, cola, materiais para experimentos. Tudo é bem-vindo. "O legal para eles é ter atividades diferentes, por isso vale comprar tinta guache, cola colorida, papel de diferentes tamanhos e tipos: EVA, sulfite, cartolina... Enquanto você trabalha, tenta dar um direcionamento nas brincadeiras", aconselha a psiquiatra infantil Fernanda Mappa. Ela é mãe de dois e adota essa dica em casa!
Nem todos os brinquedos precisam estar disponíveis ao mesmo tempo. A ideia é fazer um revezamento, uma espécie de rodízio, assim a criança terá sempre brinquedos "novos" para usar. "A criança fica um tempo sem ver, esquece o brinquedo. De tempos em tempos, você troca os brinquedos da caixa e oferece para a criança", ensina o Paizinho, Vírgula. O psicólogo Alexandre Coimbra Amaral diz que vale fazer também uma analogia com o filme Toy Story: "Se a criança já viu o filme, lembrar daquela cena em que os brinquedos sentem falta de serem brincados. Eles ficam tristes por não estarem sendo brincados".
Sempre que possível, pai e mãe podem (e devem) sentar para brincar. Muitas vezes, com os adultos dando início à brincadeira, a criança se anima e começa a brincar também. "Imagina essa cena: a mãe e o pai brincando de lego, por exemplo, e a criança vai querer entrar na brincadeira. A mãe e o pai ali montando lego no chão, a criança vem e simplesmente deixa a brincadeira acontecer. Você vai envolvendo a criança. Muito mais do que ficar falando o que ela precisa fazer, é fazer com ela. Isso pede que nós, adultos, nos conectemos de volta com o lúdico", explica o psicólogo.
Em geral, o home office traz algumas flexibilidades. Assim, vale fazer pequenas pausas de 10, 15 minutos, durante o dia de trabalho, para brincar com a criança, conversar e interagir com ela. "Várias pausas de 10 minutos, 15 minutos. Essas pausas ajudam bastante, inclusive a reduzir a demanda das crianças para quando você está de fato trabalhando em algo em que não pode ser interrompido", ensina Thiago Queiroz.
Quando há mais de um cuidador em casa, vale tentar que eles trabalhem em horários diferentes. Assim, a criança terá sempre a companhia e um adulto enquanto o outro cuidador trabalha. Essa dica vale, principalmente, para as crianças menores. "Em alguns casos, o home office trouxe algumas facilidades. É tentar organizar a agenda de horários dos pais, para que eles trabalhem horários alternados. Assim, um fica com a criança em uma parte do dia enquanto o outro trabalha, depois troca. Dessa forma, a criança tem sempre alguém para brincar com ela, orientar nas atividades, sem precisar da companhia das telas", indica o Paizinho, Vírgula.
Se a criança é muito pequena, precisa de supervisão o tempo todo, e só há um cuidador em casa, uma saída pode ser montar uma espécie de "mini escritório" para ela ao lado da mesa de trabalho do adulto. "Uma cadeira e uma mesinha perto da sua, as crianças amam. E aí você tenta administrar enquanto trabalha. O importante é ter bastante opção de coisas para essa criança fazer: papel, massinha, giz de cera, brinquedo…", sugere Thiago Queiroz.
Você não precisa abrir mão das telas por completo. Há opções interessantes na internet, como desenhos que ensinam sobre os sentimentos e aplicativos educativos, que auxiliam no aprendizado. "Usar a TV ou tablets não pode ser encarado como vilão sempre. Precisamos equilibrar e tentar disponibilizar acesso às telas quando for possível a supervisão de um adulto. A qualidade do conteúdo ofertado também é importante, afinal tem muitos aplicativos e jogos que podem auxiliar no processo de desenvolvimento de habilidades cognitivas, inclusive de acesso gratuito", afirma a psiquiatra infantil Fernanda Mappa.
A música pode ser uma ótima alternativa às telas. Escolha uma playlist que a criança gosta e coloque para tocar. Quem foi que disse que só dá para dançar se tiver clipe no YouTube com os passos para criança copiar? "Podemos recorrer à tecnologia, mas sem necessariamente usar as telas. Coloca música, em vez de clipe na TV ou no celular. A criança escuta as coisas que ela gosta, e isso por si só já é entretenimento para ela por um bom tempo", opina o educador parental Thiago Queiroz.
Troque os eletrônicos por jogos de tabuleiro. Essa é uma ótima opção para brincar em família depois que o trabalho no home office terminar, e também para irmãos se divertirem juntos enquanto você trabalha. "Jogos de tabuleiro são ótimas ferramentas para se divertir em família, ensinam sobre regras, fortalecem vínculos e estimulam o desenvolvimento cognitivo", defende Thiago Queiroz.
Construir a rotina de forma lúdica, com espaço para diferentes brincadeiras, também pode ajudar. "Fazer um quadro de rotina, que fique bem visual, para a criança entender mesmo que ela ainda não saiba ler. E aí ter horário para a música, para brincar com os pais, para jogar bola, para colorir. Isso causa previsibilidade e ajuda a criança a entender o que vai acontecer durante o dia dela", explica o Paizinho, Vírgula.
Para as crianças quem têm irmãos, é importante incentivar a parceria entre eles. Não estimular a competição facilita para que eles brinquem juntos. "Nada de estimular disputas entre eles, como quem termina de comer mais rápido ou quem toma banho primeiro. Isso vai fazer eles competirem um com o outro também pela atenção dos pais. É importante mostrar como a vida é melhor quando eles cooperam entre si, se ajudam, brincam juntos. E isso vira um alívio para gente quando eles brincam juntos, sem a nossa interferência. Isso funciona principalmente para crianças com idades próximas", afirma Thiago Queiroz.
Na sua casa, qual adulto descansa primeiro? Quando estamos exaustos temos dificuldade para exercitar a criatividade e auxiliar as crianças no processo do brincar. Por isso, é importante que as tarefas do dia sejam divididas de forma igualitária entre os adultos da casa. "O cansaço da gente nesse modelo é a primeira coisa que precisa ser avaliada. Nós estamos exaustos. Esse modelo satura, sobretudo, as mães. Que as mães possam conversar das suas exaustões com outras mães, em grupos maternos, discutir junto com seus companheiros sobre a carga mental, sobre a divisão igualitária das tarefas e o planejamento das atividades domésticas. Mãe/pai cansado não consegue criar nada com os filhos", alerta o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral.
Essas são opções para você testar em casa e ver quais se adaptam melhor à rotina da sua família. Mas é sempre bom lembrar que dicas não são regras. Logo, está tudo bem se nada disso funcionar durante todos os dias. "Às vezes, nada disso vai dar certo, a criança vai chorar o dia inteiro ou vai interromper você o dia inteiro. São aqueles dias que a gente só tem que respirar, sobreviver ao dia, e está tudo bem", conclui o educador parental para a disciplina positiva Thiago Queiroz.
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