Dos 978 assassinatos registrados no Espírito Santo no ano de 2023, 80% das vítimas eram pretas e pardas. Conforme dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp) na terça-feira (2), em comparação com 2022, o Estado registrou queda no número de homicídios, mas as pessoas em regiões de vulnerabilidade social foram as mais atingidas.
De acordo com a Sesp, 65% dos mortos possuíam algum envolvimento com o tráfico de drogas ou armas; além disso, 66% dos crimes possuíam características de execução, principalmente com o uso de arma de fogo, utilizada em 79% dos casos registrados nos últimos doze meses.
Além disso, na lista dos 978 homícidios, 51% das vítimas estavam na faixa etária de 15 a 29 anos e 93% eram do sexo masculino.
“Esses números apontam para dados complexos. Quando vemos 80% dos pretos e pardos mortos, imediatamente vamos remeter à questão da pobreza, mas a realidade é mais complexa e são muitos fatores que influenciam para isso. O Brasil convive, há muitos anos, com um verdadeiro genocídio da população negra. Temos dados históricos que oscilam, ao mesmo tempo que são contínuos na sociedade brasileira, onde a população negra está sempre à margem da sociedade”, aponta Jônatas Nery, doutorando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Movimento Negro Unificado do Espírito Santo (MNU-ES).
De acordo com Jônatas, o envolvimento com o tráfico não pode ser o único fator a ser analisado para explicar e apontar a morte de pessoas negras, já que, em comunidades periféricas, várias outras situações podem se desdobrar para conflitos internos. "Além disso, já está enraizado na sociedade que continuaremos vendo ações (operações) do Estado para regiões de vulnerabilidade social", ressalta.
Durante coletiva de imprensa na manhã de terça, no Palácio Anchieta, em Vitória, o secretário estadual de Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, foi enfático ao afirmar que "o perfil de quem mata é parecido com o de quem morre".
E explicou: "É um desafio para a sociedade brasileira como um todo enfrentar esse problema para diminuir essa desigualdade social. [Temos que] oportunizar e [gerar] emprego e renda a essas pessoas, para que sejam retiradas do mundo do tráfico de entorpecentes", disse Ramalho, que apontou ações sociais como opção para a retirada de pessoas de áreas de vulnerabilidade.
De todos os municípios da Região Metropolitana, apenas Vitória apresentou aumento no número de homicídios dolosos — aqueles em que há a intenção de matar — de 2022 para 2023, conforme os dados divulgados pela Sesp. De um ano para outro, o número de assassinatos saltou de 70 para 85 na Capital, o equivalente a 21,4% de crescimento.
Para o doutor em Ciências Humanas Marco Aurélio Borges, coordenador e professor do curso de mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV), vários motivos podem ter contribuído para os indicadores negativos de Vitória, muitos dos quais associados ao tráfico de drogas.
Ele aponta que tanto aspectos amplos, como facilitação do acesso a armas e rota do tráfico internacional, quanto fatores locais, a exemplo de mortes e prisões de traficantes na Capital, são causas possíveis. Marco Aurélio, no entanto, observa que é necessário fazer uma análise mais aprofundada para afirmar se há, de fato, uma tendência de crescimento da violência em Vitória, como indicam os números.
"Mais oferta de armas de fogo, menor preço, inclusive no mercado ilegal. Com o preço menor, mais acesso e mais uso. É uma questão bastante lógica. Outros aspectos macro que podem ter interferido são as dinâmicas nacionais das facções, as rotas de tráfico internacional, dentre outros motivos. No contexto mais local, seria necessária uma investigação mais precisa nos locais específicos da cidade nos quais os homicídios foram mais frequentes para buscar compreender o que pode ter afetado. Em geral, a explicação mais imediata é 'guerra do tráfico'", reforça Marco Aurélio.
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