O lar é o local onde meninos e meninas deveriam se sentir mais protegidos. Mas, para a maioria das vítimas de estupros, é exatamente o lugar onde os horrores acontecem. Isso porque, geralmente, os abusadores sexuais são pessoas que moram ou frequentam a mesma casa que as vítimas.
Segundo Diego Bermond, delegado- ajunto da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), nos casos de estupros contra menores de 14 anos, cerca de 80% dos acusados são familiares das vítimas.
Entre essas vítimas está a menina de 10 anos que era estuprada dentro de casa, em São Mateus, Norte do Estado. A criança contou que era abusada desde os 6 anos. A Polícia Civil indiciou o tio da menina, de 33 anos, como suspeito dos crimes. Ele foi preso em Minas Gerais, na manhã desta terça-feira (18).
"O fato de ter contato direto com o menor favorece a ação do criminoso, são pessoas que detém a confiança das demais pessoas ao redor da vítima. Podem ser avós, padrastos, pais, tio ou até um vizinho próximo. Essa confiança também é o que dificulta para que o crime seja descoberto, uma vez que são pessoas que utilizam até o cômodo de casa para esses abusos, o que impede que haja testemunhas", pontuou o delegado.
Somente entre janeiro e julho deste ano, foram realizadas 313 denúncias junto à Polícia Civil sobre casos de abusos sexuais contra menores, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp).
Juíza da vara da Infância e da Juventude, Richarda Aguiar explica que não é necessário que haja o ato sexual em si para que se configure o crime. "O estupro é mais evidente nas situações em que há conjunção carnal, porém, quando se trata de estupro de vulnerável, considera como violência atos libidinosos. Isso também dificulta que o delito seja identificado já que há, por vezes, ameaças de perigo a outros membros da família, fazendo a criança ficar em silêncio", descreve a juíza.
Diego Bermond também reforça que as vítimas costumam ser ameaçadas para permanecem caladas. "Percebemos na escuta na delegacia de que a criança é vítima também de violência psicológica, seja tacitamente ou com ameaças diretas a quem ela tem apreço, além de se sentirem culpadas por aquilo que estão sofrendo", completou.
Quando se trata dos alvos dessas violências, não há como traçar um perfil. Segundo Alessandra Santana, que atua como conselheira tutelar há nove anos, é possível afirmar que as meninas são as maiores vítimas, mas o crime acontece atinge toda a sociedade. "O crime de estupro contra uma criança não escolhe classe social, moradia, rico ou pobre, periferia ou área nobre. Ele acontece quando há oportunidade", destacou a profissional.
Quase sempre, são os conselheiros tutelares os primeiros a terem acesso às vítimas, uma vez que são eles que atendem às denúncias que chegam anonimamente pelo telefone do conselho tutelar municipal ou pelos números 100 e 181.
Outros meios de denúncias são professores e pedagogos escolares, além de vizinhos e também parentes que não residem na mesma casa da criança, mas que servem de escuta para esse menor de idade vitimado.
O delegado, a juíza e a conselheira tutelar são unânimes em considerar que a pandemia do novo coronavírus tem sido ainda mais prejudicial para meninos e meninas que ainda sofrem no silêncio de lares.
"Acreditamos que nessa pandemia, o confinamento das crianças esteja gerando uma demanda reprimida, já que percebemos a queda dos registros de denúncias. Isso deve-se ao fato da escola ser uma local onde professores e pedagogos percebem os abusos ou em que a vítima acaba se manifestando. Além da escola, pastores e até parentes com quem as crianças tinham contato antes da pandemia eram os comunicantes dos crimes e, atualmente, elas não estão tendo contato para que possam se manifestar", observa o delegado Diego Bermond.
Alessandra Santana diz que, atualmente, são as unidades de saúde que mais acionam os conselhos tutelares. "Em qualquer atendimento médico, se houver suspeita de qualquer delito contra menor de idade somos chamados para acompanhar. Antes da pandemia, a escola era quem realizada grande parte dos acionamentos", explica.
A magistrada Richarda Aguiar também adverte sobre a importância do diálogo em casa. "Em razão do pudor, de achar que não é a hora, os responsáveis deixam de verbalizar com os filhos sobre essas questões. Mas deve haver, dentro da linguagem adequada para cada faixa de idade, uma conversa sobre limites, a necessidade da proteção e até em quem confiar. Muitas vezes, a criança que é vítima não entende que é uma violência o que está vivendo, pois o abuso acontece de forma lúdica", observou.
Para Alessandra Santana, a conversa com os pequenos é o que faz com que eles sejam retirados desse ciclo de violência. "Digo que é preciso enxergar os filhos, os sinais, a tristeza, se anda calado, ou muito no quarto. A família deve cuidar. Se tiver algo errado, procure o conselho tutelar e acredite no seu filho", completou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta