Quais suas lembranças de quando você tinha 10 anos? Para muitos, certamente, são as brincadeiras e o tempo de escola que marcaram a primeira década de vida. No entanto, para uma menina que ficou grávida após ser vítima de estupro, em São Mateus, Norte do Estado, as memórias não serão nada semelhantes.
Por quatro anos, ela conviveu silenciosamente com a violência sexual dentro de casa. Ela morava com avó paterna desde que o pai foi preso. A mãe da criança teria morrido, segundo informações da polícia.
O suspeito dos crimes é o tio dela, de 33 anos, que foi preso uma semana depois da descoberta dos estupros. A situação veio à tona quando a criança sentiu dores na barriga e, ao ler levada pela tia a um hospital, os médicos perceberam que ela estava grávida.
A partir daí começou um novo ciclo de violências e desrespeito contra esta menina. Com o aval da Justiça, a garotinha teve reafirmado o direito de interromper a gravidez. Mas ela acabou tendo sua identidade exposta e a integridade ameaçada, chegando até a ser chamada de "assassinada" na porta do hospital onde a interrupção da gravidez seria realizada.
No dia 07 de agosto, a tia levou a menina para o pronto-socorro do Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, cidade do Norte do Estado, pois a vítima reclamava de dores na barriga. Ao ser analisada clinicamente pelo médico e realizar exame de sangue, a gravidez de 22 semanas foi constatada. A Polícia Militar e a assistente social foi acionada, momento em que ela finalmente pode contar o que estava sofrendo.
A partir daí, a Polícia Civil que atua em São Mateus deu início às investigações e descobriu os estupros aconteciam desde que a menina tinha 6 anos. O autor, segundo relato da vítima, seria o tio de 33 anos. Enquanto a avó trabalhava como ambulante na praia, suspeito ia à casa da família buscar mais produtos para vender. Nessa oportunidade, ele ficava sozinha com a sobrinha e a violentava.
O delegado que investigou o caso, Leonardo Malacarne, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de São Mateus, solicitou à 3 Vara Criminal que fosse expedida uma ordem de prisão contra o suspeito do crime.
No dia 12 de agosto, a Justiça concedeu o mandado de prisão. Iniciava-se uma caçada pelo suspeito, que já havia deixado o Espírito Santo para escapar da polícia.
Uma operação das equipes policiais que formam a Superintendência de Polícia do Norte tentou prender o suspeito em uma cidade da Bahia, onde suportaria ele estaria. Porém, sem sucesso. No mesmo dia, a Polícia Civil indiciou o tio como acusados dos crimes,
Mesmo tendo em mãos a identidade, fotos e mandado de prisão em mãos, a Polícia Civil não podia divulgar essas informações na tentativa de receber informações de populares para localizar o suspeito, uma vez que iria expor a identidade da vítima.
A interrupção gestação advinda do estupro contra a criança foi analisado pelos magistrados, a pedido do Ministério Público Estadual. A situação é uma das três previstas em lei para que possa feito o aborto legalmente.
Somente uma semana depois da violência sexual ser descoberta, o juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus, decidiu pela autorização do procedimento de retirada do feto.
Do Norte do Estado, acompanhada de assistentes sociais, da avó paterna e com a decisão da Justiça em mãos, a vítima chegou em Vitória para realizar o procedimento de interrupção da gravidez. O Hospital Universitário Cassiano Antônio Morais (Hucam) é o hospital referência, mas a direção se recusou a fazer o procedimento alegando que estaria fora do tempo gestacional permitido.
A alegação é de que seria um critério técnico que não permitiria que fosse realizado o aborto. De acordo com o hospital, para que fosse realizado aborto deveria ter até 500 gramas e no caso concreto possuía 573 gramas, além da vítima já estar com um pouco mais de 22 semanas de gestação.
Diante disso, a criança foi encaminhada pelo próprio governo estadual para um hospital na cidade de Recife, em Pernambuco, que aceitou fazer o procedimento.
A viagem de avião, realizada na manhã do último domingo (16), foi o início de mais uma violência contra a criança. Antes mesmo de chegar no Centro Integrado de Saúde Aumary de Medeiros, em Recife, grupos religiosos foram para a porta do hospital. Ela e avó tiveram que entrar no porta-malas de um carro para terem acesso ao hospital, pois muitos religiosos protestavam. A menina de 10 chegou a ser chamada de "assassina" pelos protestantes.
Os protestantes chegaram a tentar invadir o hospital para impedir o procedimento. A mobilização surgiu após a extremista Sara Geromini postar nas redes sociais um vídeo indicando o local onde o abordo seria feito e o nome da criança, o que é considerado crime uma vez que fere o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ao final do dia, a criança deu início ao procedimento de retirada do feto. Na manhã de segunda-feira (17), a equipe médica conseguiu finalizar todo o processo.
O Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar o vazamento de informações sobre a vítima. Além disso, a Polícia Civil capixava vai apurar as publicações envolvendo os dados da vítima. O caso está sendo acompanhada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Defensoria Pública do Espírito Santo entrou com pedido junto à Justiça para que fossem retiradas as publicações no Youtube, Google e redes sociais com a identificação da menina. O pedido foi acatado.
O acusado dos crimes foi preso após se entregar à Polícia Civil. O tio da menina entrou em contato com um policial de São Mateus e se entregou, informando que estava com medo de ser agredido por causa da repercussão do caso. Ele foi preso em Betim, Minas Gerais, onde se escondia na casa de parentes.
O Governo do Estado do Espírito Santo afirmou que menina, caso queira, poderá retirar uma nova identidade, assim como poderá ter um novo lugar para morar, além da manutenção de despesas por quatro anos.
A repercussão também levou a artista como Whindersson Nunes e Felipe Neto se comprometeram a pagar tratamento psicológico e também estudos.
A criança recebeu alta do hospital de Recife e passa bem após o procedimento. No local ela recebeu o carinho dos funcionários e vários presentes de pessoas que procuram a unidade hospitalar. A data e o horário em que ela sairá de Recife e voltará para Vitória não foi informado para evitar possíveis manifestações.
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