Um ato de amor. Foi assim que a auxiliar contábil Miriam Cristina Vieira Correa, de 40 anos, descreveu a decisão de ser barriga solidária para Rosane Raimundo Faria, 43 anos, cunhada dela. Moradoras de Córrego da Sapucaia, na zona rural de Barra de São Francisco, no Noroeste do Espírito Santo, Miriam gerou a filha de Rosane, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) e menopausa precoce. Hoje, Sarah Faria Vitor, com 9 meses, trouxe alegria e amor à vida de Rosane, uma agricultora que sempre sonhou em ser mãe.
“Quando eu era bem nova, a médica me disse que eu não podia ter filhos, pois tinha menopausa precoce. Com cerca de 20 anos, fui diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal Progressiva (AME), que causa muito desequilíbrio, dificuldade para caminhar e agachar. Casei em 2015 e sempre tive o desejo de ser mãe, mesmo sabendo que não poderia engravidar. Procurei uma médica para confirmar e ela reforçou que realmente não era possível. Foi então que minha cunhada (Miriam) se ofereceu. Disse que, se eu quisesse tentar a fertilização (in vitro), ela geraria o bebê para mim. Começamos o tratamento logo em seguida, há cerca de três anos", contou a agricultora Rosane Raimundo Faria.
Ela deu detalhes de como foi todo o processo da fertilização in vitro (FIV), que foi marcado pela emoção. “Todo o tratamento foi realizado em Vitória, na clínica da doutora Layza. Acompanhei tudo. O parto aconteceu em Colatina e foi lindo demais. Até me emociono quando lembro. Não gosto nem de ir a hospital, sempre passo mal, mas dessa vez fiquei tranquila. Foi uma experiência muito emocionante", disse ela.
O nome da bebê é Sarah Faria Vitor, atualmente com nove meses de vida. A mãe, Rosane, falou com nostalgia sobre a evolução da filha e as primeiras palavras ditas pela criança.
Questionada sobre o que diria a alguém com o mesmo sonho, mas enfrentando dificuldades, Rosane respondeu: “Eu falaria para correr atrás, né? Tudo Deus ajuda a gente, o sonho pode se realizar, é muito maravilhoso. Sarah é nosso 'xodozinho', nosso amor, princesinha", disse.
A auxiliar contábil Miriam Cristina Vieira Correa, 40 anos, esposa do irmão de Rosane, disse que ter gerado a Sarah foi a retribuição do amor doado pela Rosane com os filhos dela. Ela detalhou como se colocou à disposição para realizar o sonho da cunhada:
"Naquele momento, lembrei de um vídeo que tinha visto na internet, em que uma mãe gerava um bebê para a filha. Então, disse para ela: ‘Rosane, se você quiser, eu gero um bebê para você’. Ela me olhou surpresa e perguntou: ‘Você está falando sério?’. Respondi que sim e disse para ela procurar uma clínica, descobrir como era o processo e que eu faria isso por ela. Assim, ela encontrou a doutora Layza, que nos acompanhou durante todo o procedimento”, completou Miriam.
Para que Miriam pudesse ser a barriga solidária de Rosane, foi necessária a autorização do Conselho Regional de Medicina. Isso porque a orientação do órgão é que a mulher escolhida para ser barriga solidária pertença à família do casal até o 4º grau, o que não era o caso de Miriam. Na ausência desse parentesco, a gestação só pode ocorrer mediante autorização do CRM.
"Fizemos a primeira inseminação, mas não deu certo. Antes disso, eu, Rosane, meu esposo e o marido dela nos reunimos para assinar vários documentos e pedir autorização ao CRM. Como eu não sou parente de sangue da Rosane, essa autorização era necessária, e aguardamos cerca de um ano até que fosse liberada. Assim que saiu, realizamos o processo e tentamos a primeira fertilização, mas não funcionou", detalhou Miriam.
"Cerca de um ano depois, fizemos a segunda tentativa. Durante os exames, foi descoberto que eu tinha trombofilia hereditária. Para levar a gravidez adiante, precisei tomar heparina, uma medicação que deve ser aplicada diariamente na barriga, sempre no mesmo horário. Ao longo da gestação, tomei aproximadamente 280 injeções, desde antes da implantação até o dia anterior ao nascimento da Sarah. Após a implantação, fiquei dez dias de repouso em Vitória, seguindo uma dieta, e, finalmente, o resultado foi positivo", disse a auxiliar contábil em entrevista concedida para A Gazeta.
"Durante os nove meses, fizemos o acompanhamento com a obstetra doutora Priscila. Gosto de mencioná-la porque ela foi muito importante. Antes mesmo da fertilização, procuramos outros obstetras, e alguns diziam que eu era louca, que destruiria meu corpo, e outras coisas do tipo. Mas a doutora Priscila Guaitolini foi diferente, muito amorosa e carinhosa durante todo o processo. O que ela não sabia sobre barriga solidária, ela pesquisou e buscou informações para nos orientar", contou Miriam.
Após a confirmação de que a fertilização havia dado certo, Rosane e Miriam se aproximaram ainda mais. "A gente ficava colada, eu e a Rosane, o dia todo. Ela passou a cuidar da minha casa e dos meus filhos, principalmente porque nos três primeiros meses eu passei muito mal. A doutora explicou que, como era um corpo estranho, algo que não era meu, o meu corpo tinha tendência a rejeitar. Então, praticamente passei três meses em repouso. A Rosane e a irmã dela se revezavam para cuidar da minha casa e dos meus filhos. Eu e a Rosane sempre fomos muito parceiras, e isso só fortaleceu ainda mais a nossa relação", detalhou Miriam.
Miriam contou para A Gazeta que a proximidade entre as casas contribui para o sucesso da relação familiar. "A gente mora bem pertinho, bem pertinho mesmo. Nos vemos todos os dias. Todo mundo mora perto: ela, minha sogra. Minhas crianças passam mais tempo lá do que aqui em casa; eles adoram brincar com a Sarah. Tenho uma menina de 10 anos, a Maria Clara, a Ester de 5 anos e o Davi de 3 anos", relatou.
Quando questionada sobre o que diria a outras pessoas que pensam em ser barriga solidária, Miriam afirmou: "O amor supera qualquer coisa. O amor é a base de tudo. Se você tem amor pela pessoa e pela família dela – no meu caso, a família do meu esposo, mas que se tornou minha também. Desde o início, o que pensei foi no amor que eu tinha por ela e no amor que ela tinha pelos meus filhos. Então, por que não fazer por ela o que ela sempre fez por mim? E, em segundo lugar, a informação".
A médica Layza Merizio Borges, que acompanhou desde o início a realização do sonho da família, conversou com A Gazeta. Doutora em Reprodução Humana, responsável pelo Instituto de Medicina Reprodutiva e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ela explicou o caso da família de Barra de São Francisco.
A médica conta que "o caso da Rosane e da Miriam começa dessa maneira. A Rosane foi diagnosticada com uma doença neurológica que causa alterações no equilíbrio e na marcha, e tende a piorar com a gestação. Por isso, um neurologista recomendou que ela não gerasse um filho. Ela teve a comprovação da doença, pois a gestação representaria um risco de evolução irreversível, o que poderia levá-la até à cadeira de rodas", conta.
"O maior desejo da vida dela era ser mãe. Receber essa notícia foi muito frustrante para ela, o que resultou em depressão e uma série de questões psicológicas. Por muito tempo, ela aceitou que não poderia ser mãe, até que decidiu buscar uma orientação especializada, e foi quando eu a atendi, em 2021. Expliquei para ela que seria possível realizar o tratamento, desde que houvesse uma pessoa disposta a gerar o bebê para ela. Tecnicamente, chamamos isso de gestação de substituição, mas, popularmente, é conhecido como barriga solidária", complementa a doutora.
"A partir daí, iniciamos o tratamento de fertilização in vitro e o embrião foi transferido para o útero de Miriam. Esse é um tratamento de reprodução assistida muito delicado, pois a mulher que vai gerar o bebê não é a mãe biológica. É fundamental que esses papéis estejam bem definidos. Por isso, o Conselho Federal de Medicina orienta que todos os envolvidos sejam avaliados por um psicólogo e que haja um parecer favorável para a realização do processo", disse.
A médica finalizou dizendo: "A Sarah é o presente precioso que esse casal recebeu. Este é um caso bem complexo, que envolveu uma equipe multidisciplinar integrada, um órgão de notoriedade médica, que é o Conselho Regional de Medicina, e uma técnica de alta complexidade da reprodução assistida, que é a fertilização in vitro".
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