> >
A história da mulher que gerou a filha da cunhada com doença rara no ES

A história da mulher que gerou a filha da cunhada com doença rara no ES

Família do interior de Barra da São Francisco se uniu em prol de um objetivo maior; após uma primeira tentativa frustrada de fertilização in vitro, a pequena Sarah veio ao mundo

Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 19:22

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura
Rosane Raimundo Faria, Renato da Silva Vitor e a pequena Sarah (pais e filha).
Rosane Raimundo Faria, Renato da Silva Vitor e a pequena Sarah (pais e filha). (Acervo pessoal)

Um ato de amor. Foi assim que a auxiliar contábil Miriam Cristina Vieira Correa, de 40 anos, descreveu a decisão de ser barriga solidária para Rosane Raimundo Faria, 43 anos, cunhada dela. Moradoras de Córrego da Sapucaia, na zona rural de Barra de São Francisco, no Noroeste do Espírito Santo, Miriam gerou a filha de Rosane, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) e menopausa precoce. Hoje, Sarah Faria Vitor, com 9 meses, trouxe alegria e amor à vida de Rosane, uma agricultora que sempre sonhou em ser mãe.

“Quando eu era bem nova, a médica me disse que eu não podia ter filhos, pois tinha menopausa precoce. Com cerca de 20 anos, fui diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal Progressiva (AME), que causa muito desequilíbrio, dificuldade para caminhar e agachar. Casei em 2015 e sempre tive o desejo de ser mãe, mesmo sabendo que não poderia engravidar. Procurei uma médica para confirmar e ela reforçou que realmente não era possível. Foi então que minha cunhada (Miriam) se ofereceu. Disse que, se eu quisesse tentar a fertilização (in vitro), ela geraria o bebê para mim. Começamos o tratamento logo em seguida, há cerca de três anos", contou a agricultora Rosane Raimundo Faria.

Ela deu detalhes de como foi todo o processo da fertilização in vitro (FIV), que foi marcado pela emoção. “Todo o tratamento foi realizado em Vitória, na clínica da doutora Layza. Acompanhei tudo. O parto aconteceu em Colatina e foi lindo demais. Até me emociono quando lembro. Não gosto nem de ir a hospital, sempre passo mal, mas dessa vez fiquei tranquila. Foi uma experiência muito emocionante", disse ela. 

O nome da bebê é Sarah Faria Vitor, atualmente com nove meses de vida. A mãe, Rosane, falou com nostalgia sobre a evolução da filha e as primeiras palavras ditas pela criança. 

Sarah Faria Vitor, de 9 meses
Sarah Faria Vitor, foi gerada através de uma barriga solidária. (Acervo pessoal )
Aspas de citação

É muito gostoso. Ela já está começando a falar ‘mamãe’, adora um colo e já está engatinhando

Rosane Raimundo Faria
Mãe da pequena Sarah
Aspas de citação

Questionada sobre o que diria a alguém com o mesmo sonho, mas enfrentando dificuldades, Rosane respondeu: “Eu falaria para correr atrás, né? Tudo Deus ajuda a gente, o sonho pode se realizar, é muito maravilhoso. Sarah é nosso 'xodozinho', nosso amor, princesinha", disse. 

Aspas de citação

Minha vida mudou muito depois que ela nasceu. Eu estava até com início de depressão antes dela nascer. Hoje, não tomo remédio nenhum

Rosane Raimundo Faria
Mãe da pequena Sarah, de 9 meses
Aspas de citação
Rosane Raimundo Faria, Renato da Silva Vitor e a pequena Sarah (pais e filha).
Rosane Raimundo Faria, Renato da Silva Vitor e a pequena Sarah (pais e filha). (Acervo pessoal )

"Ato de amor"

A auxiliar contábil Miriam Cristina Vieira Correa, 40 anos, esposa do irmão de Rosane, disse que ter gerado a Sarah foi a retribuição do amor doado pela Rosane com os filhos dela. Ela detalhou como se colocou à disposição para realizar o sonho da cunhada:

Aspas de citação

Desde que casei com o irmão da Rosane, ela sempre me ajudou com meus filhos e demonstrou muito carinho. Durante todas as minhas gestações, ela me acompanhava, ia aos médicos comigo e era como uma segunda mãe para as crianças. Quando meu filho mais novo tinha cerca de nove meses, estávamos reunidos na casa do meu sogro no final de ano, e ela mencionou a vontade de adotar uma criança

Miriam Cristina Vieira Correa
Auxiliar de serviços gerais 
Aspas de citação

"Naquele momento, lembrei de um vídeo que tinha visto na internet, em que uma mãe gerava um bebê para a filha. Então, disse para ela: ‘Rosane, se você quiser, eu gero um bebê para você’. Ela me olhou surpresa e perguntou: ‘Você está falando sério?’. Respondi que sim e disse para ela procurar uma clínica, descobrir como era o processo e que eu faria isso por ela. Assim, ela encontrou a doutora Layza, que nos acompanhou durante todo o procedimento”, completou Miriam. 

Autorização especial

Para que Miriam pudesse ser a barriga solidária de Rosane, foi necessária a autorização do Conselho Regional de Medicina. Isso porque a orientação do órgão é que a mulher escolhida para ser barriga solidária pertença à família do casal até o 4º grau, o que não era o caso de Miriam. Na ausência desse parentesco, a gestação só pode ocorrer mediante autorização do CRM.

Miriam, Rosane e Sarah no dia do nascimento da bebê
Miriam, Rosane e Sarah no dia do nascimento da bebê gerada na barriga da cunhada. (Acervo pessoal )

"Fizemos a primeira inseminação, mas não deu certo. Antes disso, eu, Rosane, meu esposo e o marido dela nos reunimos para assinar vários documentos e pedir autorização ao CRM. Como eu não sou parente de sangue da Rosane, essa autorização era necessária, e aguardamos cerca de um ano até que fosse liberada. Assim que saiu, realizamos o processo e tentamos a primeira fertilização, mas não funcionou", detalhou Miriam.

"Cerca de um ano depois, fizemos a segunda tentativa. Durante os exames, foi descoberto que eu tinha trombofilia hereditária. Para levar a gravidez adiante, precisei tomar heparina, uma medicação que deve ser aplicada diariamente na barriga, sempre no mesmo horário. Ao longo da gestação, tomei aproximadamente 280 injeções, desde antes da implantação até o dia anterior ao nascimento da Sarah. Após a implantação, fiquei dez dias de repouso em Vitória, seguindo uma dieta, e, finalmente, o resultado foi positivo", disse a auxiliar contábil em entrevista concedida para A Gazeta.

Empatia de médica

"Durante os nove meses, fizemos o acompanhamento com a obstetra doutora Priscila. Gosto de mencioná-la porque ela foi muito importante. Antes mesmo da fertilização, procuramos outros obstetras, e alguns diziam que eu era louca, que destruiria meu corpo, e outras coisas do tipo. Mas a doutora Priscila Guaitolini foi diferente, muito amorosa e carinhosa durante todo o processo. O que ela não sabia sobre barriga solidária, ela pesquisou e buscou informações para nos orientar", contou Miriam.

Após a confirmação de que a fertilização havia dado certo, Rosane e Miriam se aproximaram ainda mais. "A gente ficava colada, eu e a Rosane, o dia todo. Ela passou a cuidar da minha casa e dos meus filhos, principalmente porque nos três primeiros meses eu passei muito mal. A doutora explicou que, como era um corpo estranho, algo que não era meu, o meu corpo tinha tendência a rejeitar. Então, praticamente passei três meses em repouso. A Rosane e a irmã dela se revezavam para cuidar da minha casa e dos meus filhos. Eu e a Rosane sempre fomos muito parceiras, e isso só fortaleceu ainda mais a nossa relação", detalhou Miriam.

Miriam Cristina Vieira Correa, de óculos, gerou a bebê da cunhada Rosane Raimundo Faria
Miriam Cristina Vieira Correa, de óculos, gerou a bebê da cunhada Rosane Raimundo Faria; foto do dia do parto. (Acervo pessoal )

Miriam contou para A Gazeta que a proximidade entre as casas contribui para o sucesso da relação familiar. "A gente mora bem pertinho, bem pertinho mesmo. Nos vemos todos os dias. Todo mundo mora perto: ela, minha sogra. Minhas crianças passam mais tempo lá do que aqui em casa; eles adoram brincar com a Sarah. Tenho uma menina de 10 anos, a Maria Clara, a Ester de 5 anos e o Davi de 3 anos", relatou.

Quando questionada sobre o que diria a outras pessoas que pensam em ser barriga solidária, Miriam afirmou: "O amor supera qualquer coisa. O amor é a base de tudo. Se você tem amor pela pessoa e pela família dela – no meu caso, a família do meu esposo, mas que se tornou minha também. Desde o início, o que pensei foi no amor que eu tinha por ela e no amor que ela tinha pelos meus filhos. Então, por que não fazer por ela o que ela sempre fez por mim? E, em segundo lugar, a informação". 

Aspas de citação

Hoje, muito se fala sobre barriga solidária em reportagens. É importante procurar uma boa clínica de fertilização e ter um bom acompanhamento com um obstetra que tenha carinho pela história. Todas as pessoas que nos acompanharam tiveram empatia pela nossa história.

Miriam Cristina Vieira Correa
Barriga solidária da cunhada 
Aspas de citação

Caso raro

A médica Layza Merizio Borges, que acompanhou desde o início a realização do sonho da família, conversou com A Gazeta. Doutora em Reprodução Humana, responsável pelo Instituto de Medicina Reprodutiva e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ela explicou o caso da família de Barra de São Francisco.

Aspas de citação

É um caso raro e mobiliza muito. Acho que o objetivo principal é trazer esperança para mulheres que, talvez, também tenham recebido a sentença de que não podem ser mães devido a alguma limitação física. Ao se espelharem em histórias reais, elas podem voltar a ter esperança e saber que existem recursos na medicina que podem ajudar

Layza Merizio Borges
Médica Doutora em Reprodução Humana
Aspas de citação
Médica Layza Merizio Borges,Doutora em Reprodução Humana
Médica Layza Merizio Borges, Doutora em Reprodução Humana. (Acervo pessoal )

A médica conta que "o caso da Rosane e da Miriam começa dessa maneira. A Rosane foi diagnosticada com uma doença neurológica que causa alterações no equilíbrio e na marcha, e tende a piorar com a gestação. Por isso, um neurologista recomendou que ela não gerasse um filho. Ela teve a comprovação da doença, pois a gestação representaria um risco de evolução irreversível, o que poderia levá-la até à cadeira de rodas", conta.

"O maior desejo da vida dela era ser mãe. Receber essa notícia foi muito frustrante para ela, o que resultou em depressão e uma série de questões psicológicas. Por muito tempo, ela aceitou que não poderia ser mãe, até que decidiu buscar uma orientação especializada, e foi quando eu a atendi, em 2021. Expliquei para ela que seria possível realizar o tratamento, desde que houvesse uma pessoa disposta a gerar o bebê para ela. Tecnicamente, chamamos isso de gestação de substituição, mas, popularmente, é conhecido como barriga solidária", complementa a doutora. 

"A partir daí, iniciamos o tratamento de fertilização in vitro e o embrião foi transferido para o útero de Miriam. Esse é um tratamento de reprodução assistida muito delicado, pois a mulher que vai gerar o bebê não é a mãe biológica. É fundamental que esses papéis estejam bem definidos. Por isso, o Conselho Federal de Medicina orienta que todos os envolvidos sejam avaliados por um psicólogo e que haja um parecer favorável para a realização do processo", disse. 

A médica finalizou dizendo: "A Sarah é o presente precioso que esse casal recebeu. Este é um caso bem complexo, que envolveu uma equipe multidisciplinar integrada, um órgão de notoriedade médica, que é o Conselho Regional de Medicina, e uma técnica de alta complexidade da reprodução assistida, que é a fertilização in vitro". 

Aspas de citação

Esse caso, ao mesmo tempo que é belo, também possui uma grande complexidade. Envolve muito esforço, várias mãos unidas, para alcançar um resultado tão bonito como esse. Sem dúvida, é um caso que marca profundamente. Ver a realização da Rosane, ela enviando vídeos da bebê, entendendo que, embora a filha dela não tenha sido gerada em seu útero, é sua filha. É uma construção

Layza Merizio Borges
Médica Doutora em Reprodução Humana
Aspas de citação

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais