Em tempos de quarentena e de distanciamento social causados pela pandemia do coronavírus, a ajuda nunca esteve tão distante e a fome nunca esteve tão perto. Quem sente fome, sabe que ela dói.
O Marcos Vilela tem quatro filhos. Desempregado, faz bico de vigilante à noite e, de dia, pede dinheiro no sinal em Vitória. Ele afirmou que não sente vergonha em pedir no sinal, pois leva o dinheiro arrecadado para seus filhos. A ajuda, entretanto, tem sido cada vez mais difícil.
"A pior dor que tem é ver uma criança com fome, e você não poder matar a fome de uma criança. É por isso que a fome dói. Quando eu não tenho um serviço pra fazer, eu venho pedir mesmo no sinal. Pedir não é vergonha, vergonha é roubar, é tirar de quem não tem. Muitas vezes, pessoas que nos ajudavam, não estão ajudando porque também estão passando por necessidade. O dinheirinho que eu ganho, levo pra minha casa, pros meus filhos. Às vezes eu fico sem comer pra poder levar comida pra eles", disse.
Para Marcos, neste momento, a principal necessidade é de trabalho. "Mesmo que esses trabalhos sejam momentâneos, mas que possam suprir as necessidades de quem está passando fome”, contou.
A fome tem atingido muita gente nesta quarentena, principalmente quem mora nas ruas. Em Vitória, o Raphael Paixão cata latinhas para sobreviver, mas durante a quarentena elas desapareceram, principalmente por conta do fechamento dos restaurantes e bares, onde, segundo ele, havia mais consumo no local. Além disso, o fechamento do comércio também diminuiu as opções de doação de comida.
"Sumiu muito. Latinha era em loja de conveniência, em postos, região com bares, trailer de cachorro quente e espetinho, tudo que você imaginar que pediram pra fechar, fecharam e pediram pra não ter consumo local. Você não tem noção do que é a comida que sobra em bar, lanchonete, restaurante, Triângulo das Bermudas, shopping, no ponto de ônibus, copo com metade de milk-shake… você não sabe o que isso representa pra parcela que não tem condição de custear sua própria alimentação”, afirmou.
O que resta é procurar comida no lixo das pessoas. Raphael contou que comeu comida do lixo pela primeira vez no início da pandemia e, desde então, vez ou outra, essa acaba sendo a única opção para matar a fome.
Raphael Paixão disse que os serviços oferecidos pela Prefeitura de Vitória não são suficientes para todos que precisam. Por isso, ele acredita que, neste momento tão difícil, cada pessoa também pode ajudar. E não precisa de muito.
“Não precisa dar o pão inteiro, vai ficar caro, mas tira o miolo do seu, enrola em um guardanapo, em uma sacolinha limpa de mercado e sai com isso na rua. O primeiro morador de rua que você encontrar, fala ‘olha, eu sei que nesse momento de tudo fechado, deve estar complicado pra vocês conseguirem alguma coisa no lixo pra reciclar, conseguir uma sobra, uma doação… não repara que é simples, mas eu trouxe isso pra você porque sei que está difícil’. E eu tenho certeza que na hora que você presentear a pessoa explicando o motivo, a pessoa vai olhar nos seus olhos e, naquela hora, o poder superior vai falar através daquela pessoa e vai dizer: ‘eu não acredito que você percebeu isso. Você existe?’”, finalizou
Em nota, a Prefeitura de Vitória informou que as pessoas em situação de rua na Capital recebem atendimentos e encaminhamentos diariamente pelas equipes da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). O trabalho, segundo o órgão, é permanente e realizado de forma integrada com outras secretarias municipais, especialmente Saúde e Cidadania e Direitos Humanos. Segundo a Semas, há em torno de 320 pessoas em situação de rua na Capital e "o número vem se mantendo estável nos últimos meses".
Sobre alimentação, a prefeitura alegou que o município oferta alimentação de qualidade, café da manhã, almoço e lanche da tarde, no Centro de Referência Especializado de População de Rua (Centro-Pop), diariamente. "Vale destacar que as equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) oferecem o transporte até o Centro-Pop para quem aceita esse encaminhamento", diz a nota enviada à reportagem da TV Gazeta.
"As equipes do Seas percorrem as ruas e logradouros públicos da cidade, dia e noite, incluindo feridas e fins de semana, oferecendo os serviços socioassistenciais como Centro-Pop (alimentação, banho, lavagem de roupas, atendimentos psicossociais); Albergue para Migrantes (acolhimento, assistência psicossocial e benefício passagem), Hospedagem Noturna, Abrigo, Casa Lar I e II,Casa República (esses cinco últimos são acolhimentos), Consultório na Rua, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD) - esses dois ligados à Saúde -, e outros serviços voltados para inclusão e reinserção familiar e comunitária", conclui a nota.
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