Com apenas 11 anos e do seu jeitinho, Geraldo Enrico Tigre Herzog, morador de Vitória, dá uma verdadeira aula sobre abelhas-sem-ferrão. Ele sabe todos os detalhes das espécies Jataí, Mandaçaia e Uruçu Capixaba. O garoto fica empolgado para falar do grande fascínio que tem por esses insetos pequenos, mas que fizeram grande diferença na vida do menino autista que encontrou nelas um caminho mais estreito para se comunicar e se sentir integrado à sociedade.
A paixão de "Gegê" por esses animais saiu de dentro de casa e chegou até a clínica onde ele faz terapia em Vitória. Há um ano, ele mesmo deixou no local uma caixinha de madeira com várias abelhas. Elas estão disponíveis para, quem sabe, ajudar outros colegas de terapia e funcionários que trabalham no local, fazendo os atendimentos.
A relação entre Geraldo e os insetos se tornou peça importante no dia a dia para o desenvolvimento de habilidade socio-emocionais, a interação com as pessoas e a importância de se identificar focos e temas de interesse das pessoas atípicas.
O pai de Geraldo se chama Germanni Baptista Herzog. Ele é funcionário público, mas desde 2018 é meliponicultor, criador de espécies sem ferrão. Germani explicou que o interesse do filho só começou cinco anos depois. Isso por que a criança, inicialmente, tinha medo desses animais.
Germani faz parte da Associação de Meliponiculturores Capixabas do Espírito Santo (Amecap-ES). Geraldo via e acompanhava o pai em algumas reuniões e passou a tomar gosto pelo assunto e, de quebra, perder o medo de abelhas. "O Gegê tinha pavor. Ele foi crescendo, começou a participar das reuniões on-line e, desde então, passou a se aproximar mais das abelhas e participar dos eventos da associação. Hoje em dia, até associado mirim ele é", contou o pai em entrevista à repórter Juirana Nobres, do G1 ES.
O menino ajuda a fazer multiplicações, manutenção nas caixas e tratamento das abelhas no sítio dos pais. O garoto passou horas falando com afinco das características das espécias, mostrou o mel dentro da caixinha deixada na clínica e fez questão de procurar atentamente onde se escondia a abelha rainha na colmeia para mostrar.
"Sou muito feliz em ficar perto das abelhas, elas saem da caixa e sabem voltar sozinhas, não têm problema. Não precisa nenhuma roupa diferente para ficar perto. Elas não são perigosas por não terem ferrão, então elas não picam. É preciso ter coragem e amor com as abelhas", disse Gegê, como é carinhosamente chamado.
A psicóloga Anna Maria Cunha acompanha a evolução do Geraldo desde quando ainda era um bebê com muitos atrasos no desenvolvimento. Ela contou que o diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) foi fechado quando o menino tinha seis anos. Desde então, trabalha com terapias para mapear as áreas que precisam ser estimuladas.
Anna Maria explicou que conforme Geraldo foi crescendo, as mudanças e as demandas foram mudando também. "Nesse momento, a gente está lidando com questões que têm mais a ver com habilidades sociais, a importância de aprender a esperar, a importância de se socializar melhor com os amigos e falar melhor diante de algumas situações. Hoje, os objetivos deles estão mais voltados para a chegada da adolescência".
Segundo a psicóloga, Geraldo sempre gostou de interagir e de conhecer pessoas novas. Por isso, conforme mostra algum interesse, é levado para a terapia. E assim foi com as abelhas. "Quando a caixinha chegou, foi uma festa. Foi uma forma dele conseguir passar para os colegas que não conheciam esse universo, uma forma de socializar por meio de algo que ele tinha domínio. Neste caso, as abelhas", lembrou Anna Maria.
Com as abelhas na clínica, Geraldo participa de atividades com outras crianças, fala sobre o tema e a psicóloga percebe que o tema desperta o interesse dele.
"O contato com a natureza, a possibilidade dele falar da importância do cuidado com os animais, da gente ficar atento ao meio ambiente, uma série de conteúdos também acabaram entrando nessa rotina. Hoje, a gente tem famílias, profissionais, pessoas com atraso em desenvolvimento que conhecem sobre a criação de abelhas e que não teriam dentro da rotina da clínica sem o Gegê", disse a especialista.
A psicóloga destacou também que as crianças dentro do espectro autista querem que as coisas aconteçam em uma velocidade impossível. Mas, com a própria lógica da criação das abelhas, eles mesmos conseguem entender que precisam respeitar. "A gente conseguiu também fazer analogias e mostrar que até nas situações do dia a dia exigem que a gente tenha mais tolerância", explicou Ana.
O dia a dia na clínica onde o Geraldo frequenta também mudou. O menino participa das interações e fica todo empolgado para mostra seu hobby para qualquer um que chega no local. Os especialistas reforçam a importância de as famílias ficarem atentos à demonstração de interesse das crianças atípicas. Ou seja, de temas ou assuntos que o autista pode ter mais afinidade.
"Muitas vezes, as pessoas têm uma preocupação muito grande com o famoso hiperfoco ou com interesses muito restritos. Mas, na verdade, os hiperfocos, os interesses restritos, são boas oportunidades de a gente perceber o que realmente motiva aquela criança ou aquele adolescente. A gente pode usar esse conteúdo e a motivação da terapia vai ser outra", alertou Anna.
Um Circuito Sensorial Ambiental totalmente voltado para pessoas dentro do espectro autista foi inaugurado em Vitória. O espaço fica na Fazendinha, uma unidade de conservação no bairro Jardim Camburi. No local, as pessoas vão ter acesso a animais, flores e caixas de abelhas-sem-ferrão em parceria com a associação que o pai do Geraldo faz parte.
"O circuito começa com o jardim sensorial, com uma série de mudas, com cores e odores diferentes. Tem tipos de folha e caule diferenciados. A gente quer desenvolver esse contato com os recursos daqui. Depois tem essa fase das abelhas-sem-ferrão, que têm toda uma metodologia de cultivo. Queremos alinhar com o autismo. Algo novo que sirva para poder despertar em toda a família que cuida de uma criança autista sobre esse novo mecanismo de desenvolvimento, de uma sensibilização ambiental", explicou o secretário de Meio Ambiente de Vitória, Tarcísio José Föeger.
O pai de Geraldo e membros da Amecap buscaram a parceria com a prefeitura. Ele explicou que as crianças autistas vão poder ver como uma caixa de abelha é por dentro, como é o ninho, a estrutura, o mel e, claro, ver bem de perto as abelhas. Para Germani, essa relação do filho com as abelhas e a possibilidade de outras crianças terem acesso é um sonho realizado.
"Fico muito emocionado por que conseguimos incluir mais crianças. Só nós, família atípicas, sabemos como isso é importante. Consegui unir o meu mundo, minha paixão com abelhas, com o meu filho. Assim, ele se aproximou mais de mim", explicou Germani, o pai do menino das abelhas.
Para realizar o circuito, é preciso fazer agendamento com Centro de Educação Ambiental da Mata Paludosa, pelos telefones 3382-6536 ou 3237-2405. O funcionamento é de segunda a sexta-feira, de 8h às 17h.
*Com informações de Juirana Nobres do G1 ES
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