Cem dias se passaram desde que famílias montaram acampamento na entrada da Prefeitura de Vitória. De um lado, o grupo reivindica que o município custeie o pagamento de aluguel social ou forneça algum tipo de abrigo. Do outro, a administração municipal afirma que eles não se encaixam nos critérios do programa habitacional e que vem tentando oferecer uma solução alternativa para o problema.
Os integrantes do grupo, denominado Ocupação Chico Prego, foram acampar em frente à sede municipal como protesto, após serem notificados pela Justiça a deixar a Escola Irmã Maria Jacinta Soares de Souza Lima, no Romão, onde moraram por cerca de sete meses. Eles recorreram do processo movido pela prefeitura de reintegração de posse da unidade de ensino, que está inativa desde 2013 e agora passará por reforma.
No entanto, na última terça-feira (12), a ação foi extinta pelo juiz Mario da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, sem resolução do mérito, uma vez que as famílias já haviam deixado a escola. Quanto à exigência dos ocupantes por benefícios sociais, o magistrado entendeu que não cabia discutir a questão dentro da ação.
Na sentença, o juiz destacou: “[...] mesmo sendo sensível à atual situação dos demandados e que se compreenda a singularidade do momento por eles vivenciado, tal fato não é suficiente para o acolhimento da referida pretensão nesta demanda.”
Assim, o protesto por moradia e o impasse permanecem, enquanto tramita na Justiça outra ação, esta do Ministério Público, para que a prefeitura conceda benefícios às famílias, para tirar crianças e adolescentes da situação de vulnerabilidade.
No grupo, que se denomina Ocupação Chico Prego, algumas famílias estão há pelo menos cinco anos sem moradia e já participaram de outras ocupações, como na Fazendinha, no bairro Grande Vitória; na Casa do Cidadão, em Maruípe; e no prédio do IAPI, no Centro.
A ocupação mais longa foi no edifício Santa Cecília, no Parque Moscoso, onde ficaram por mais de dois anos até o local ser desocupado para ser transformado em moradia popular. A restauração foi concluída em abril e passou a atender famílias dos bairros Piedade, Moscoso, Fonte Grande e Santa Clara, que tiveram que deixar suas casas por estarem em áreas de risco ou de interesse ambiental.
Por fim, o grupo passou a morar na Escola Irmã Maria Jacinta Soares de Souza Lima, no Romão, até ser notificado pela Justiça, em abril, para deixar o local. Desde então, os remanescentes, que são 34 pessoas, com idades entre 4 meses e 67 anos, estão acampados em frente à Prefeitura de Vitória.
Entre os integrantes da ocupação está Rafaela Regina Caldeira, mãe de dois adolescentes, que está há cinco anos andando de ocupação em ocupação e atua como espécie de líder informal do grupo. Ela conta que, a cada reintegração de posse dos imóveis, o desânimo toma conta e diz que as famílias são abandonadas à própria sorte.
Diante de todas as dificuldades aparentes, Rafaela lamenta que o poder público não ofereça condições para que consigam moradia. "A gente se sente humilhado de estar aqui, de ter que ficar pedindo, expondo a família. Só queremos o que é direito de todos: ter um lugar digno para morar."
Ela explica que, em abril, eram 22 famílias acampadas, mas muitos desistiram desde então, por conta das condições a que estavam sujeitos. Comida, água e roupa vêm de doações. Não há local para tomar banho ou utilizar o banheiro.
Rafaela relata ainda que alguns dos ocupantes atualmente são beneficiados com o Auxílio Brasil, benefício social temporário, criado pelo governo federal após o fim do Bolsa Família. O pouco que recebem é repartido para suprir necessidades do grupo. Entretanto, o benefício não supre a falta de moradia. “O pessoal do Sine tentou ajudar com trabalho, mas que empresa aceita a gente, se não temos nem onde tomar banho? É difícil.”
Mãe solo de quatro filhos — duas crianças e dois adolescentes — Mirian Santos também está na luta por moradia e destaca o apoio que recebe com as doações porque só assim pode sustentar a família. Porém, lamenta as dificuldades do dia a dia e observa ainda que o inverno tem sido penoso, especialmente para as crianças, que adoecem com frequência. Algumas chegaram a desenvolver pneumonia. “Quando o tempo fecha, Deus que me perdoe, mas a gente até reza para não chover.”
De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento da Cidade, Marcelo de Oliveira, as pessoas que ali estão fazem parte de um movimento histórico de ocupações em Vitória, e a legislação não permite que sejam encaminhadas aos abrigos municipais por não atenderem ao perfil dos atendidos.
"Elas têm um histórico de invasão de espaços públicos, mas o meio e o instrumento legal para estar inserido em um programa habitacional é a lei. Não é o fato de invadir um espaço que dá o direito de ocupação.”
Sobre as condições para integrar programas habitacionais, a gestão municipal explica que as famílias não são oriundas de áreas de interesse ambiental, risco geológico ou mesmo possuíam imóveis em risco estrutural.
Por causa disso, não atendem ao disposto na legislação municipal para serem atendidas com benefício transitório, sendo a única alternativa participar de seleção para futuros residenciais, quando houver inscrição.
As famílias se queixam da falta de assistência. Porém, o secretário assegura que todas foram recadastradas em programas sociais e a elas foi oferecido emprego, mas muitos recusaram.
“A gestão atual conseguiu onze empregos, com realocação imediata de postos de trabalho para todas as famílias e elas decidiram não aceitar. O município, logo no início dos processos, fez o recadastramento das famílias e elas recebem benefícios sociais. Não são famílias que estão desassistidas. Elas têm usado os instrumentos errados.”
Por meio de nota, a Prefeitura de Vitória também destacou outras ações que vem realizando:
A Prefeitura destacou ainda que iniciou um programa de regularização fundiária na cidade, por meio do qual já foram entregues 2.119 escrituras. “A atual administração do município entregou, em pouco mais de 18 meses de gestão, 126 residências. Só em dois empreendimentos entregues neste ano, o Santa Cecília e o Consolação, são 83 moradias.”
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informou que, por meio da 5ª promotora de Justiça da Infância e Juventude de Vitória, ajuizou uma Ação Ordinária combinada com uma Medida Protetiva com pedido de Tutela de Urgência, perante a 1ª Vara da Infância e Juventude de Vitória, para que o município “sane a evidente situação de vulnerabilidade social das crianças e adolescentes beneficiárias.”
O MPES informou ainda que tem realizado reuniões para o atendimento dos pleitos das lideranças do movimento, visando buscar as soluções céleres que o caso demanda.
A Defensoria Pública do Espírito Santo também atua no caso e informou, por meio de nota, que “vem tentado intermediar a situação das famílias com a prefeitura, mas ainda não há qualquer solução.”
O órgão também foi questionado, mas ainda não se manifestou sobre a possibilidade de novas ações após a extinção do processo que tramitava na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, sem definição quanto ao que será feito em relação às famílias.
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