Duas advogadas foram condenadas a 33 anos e oito meses de prisão por levarem drogas a presídios do Espírito Santo. Uma delas foi presa na tarde desta quarta-feira (15). Ela estava usando a tornozeleira eletrônica, mas desrespeitou as regras ao ameaçar pessoas envolvidas na investigação. Com elas, outros cinco envolvidos no esquema também receberam condenações.
A sentença é do juiz da 1ª Vara Criminal de Guarapari, Eliezer Mattos Scherrer Júnior. Joyce da Silva Boroto e Márcia Borlini Marim Sanches foram condenadas a 33 anos e 8 meses de prisão. Entre os condenados também está Rogério Alvarenga Carvalho Filho, namorado de Márcia.
É descrito na sentença que Rogério, inicialmente preso no Centro de Detenção Provisório de Viana (CDPV), mantinha um relacionamento amoroso com Márcia, que inicialmente era a sua advogada. “Ao que tudo indica, Márcia, desde este período, já se movimentava para o acesso às dependências do referido estabelecimento penal para a inserção de drogas e redistribuição por parte de Rogério”.
Consta ainda no processo que ela contou com a ajuda de um agente penitenciário, que também foi condenado, para movimentar as drogas no presídio. Posteriormente, Rogério foi transferido para o CDP de Guarapari, o que interrompeu os contatos de distribuição do entorpecente em Viana.
“Neste cenário, com o fito de manter as atividades ilícitas do tráfico de drogas as quais possivelmente já se perfaziam em Viana, se fazia necessário novas 'parcerias', agora em Guarapari. Márcia, namorada/companheira de Rogério, se viu necessitada de captar uma intermediária para que ela evitasse contato direto com os funcionários do novo estabelecimento penal”, é dito no texto da sentença. Foi quando a Márcia contratou os serviços de Joyce Boroto.
Na sentença é dito ainda : “A culpabilidade da acusada ultrapassa aquela vinculada ao tipo penal, na medida em que como advogada, e como tal indispensável à administração da Justiça, deveria ter mais zelo no cumprimento das regras legais e morais, sendo que sua conduta criminosa causa demasiada reprovabilidade no âmbito social, além de desonrar a Instituição que lhe acolheu”.
No processo, é relatado também que elas se valeram do exercício da advocacia para obter maiores acessos, facilitando a prática dos crimes.
Além das advogadas, foram condenados Rogério Carvalho Silva, a 21 anos e quatro meses; Abel Graciano, a 17 anos e 10 meses; João Victor Alvarenga Borges Carvalho, a 17 anos e 10 meses; Gerivan Ferreira Queiroz, oito anos e seis meses; e Thiago Luiz da Costa Nogueira Bicalho, a dois anos de reclusão (vai permanecer em regime aberto).
As duas advogadas haviam sido presas inicialmente na Operação Vade Mecum, deflagrada em 11 de setembro de 2020, pela Delegacia Especializada de Narcóticos (Denarc) de Guarapari, no cumprimento de seis mandados de prisão de pessoas relacionados aos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção ativa.
Foi essa investigação que identificou membros de uma organização criminosa empenhada em traficar entorpecentes para internos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarapari, aliciando servidores públicos e advogados para tais práticas mediante pagamento de propina. O delegado Guilherme Eugênio Rodrigues, que conduziu as investigações pela Denarc de Guarapari, explica que Márcia difere de todos os advogados já investigados por ele.
Márcia teve a prisão preventiva substituída por prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contudo, a condição foi reavaliada pela Justiça após investigações da Denarc de Guarapari e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), constatarem que, mesmo com a tornozeleira, ela estava ameaçando pessoas envolvidas na investigação e descumprindo as regras impostas pela prisão domiciliar ao qual estava submetida.
Na sentença do Juizado da 1ª Vara Criminal de Guarapari é dito: “Decreto a prisão preventiva da acusada Márcia Borlini Marim Sanches, na medida em que as medidas cautelares diversas da prisão, in casu, são insuficientes para garantir a ordem pública e a paz social, pois a ausência de vigilância, ainda que em prisão domiciliar e com monitoração eletrônica, está oferecendo risco à sociedade, considerando o alto poder de articulação da acusada”. E acrescenta: “a mesma vem descumprido as condições estabelecidas no monitoramento, em total afronta a Justiça”.
Márcia e Joyce também foram denunciadas pelo MPES, em um grupo de 40 pessoas, por participação na organização criminosa denominada Primeiro Comando de Vitória (PCV).
Entre os denunciados, que agora são réus, estão dez advogados envolvidos com a facção. Segundo informações do MPES, as provas contra eles foram obtidas na “Operação Armistício”. Apenas uma advogada teve a prisão preventiva revogada e os demais permanecem presos com o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Segundo as investigações, os profissionais utilizaram indevidamente as prerrogativas da advocacia para garantir a comunicação criminosa entre lideranças da facção, que se encontram detidas em unidades prisionais do Estado, e membros da organização criminosa em liberdade. As investigações tiveram início em 2019.
Foram utilizadas medidas judiciais de interceptações telefônicas e telemática, entre outras diligências. Com elas, foi possível obter provas de tráfico de drogas, aquisição e porte de armamentos e munições, execução e planejamento de crimes de homicídio, queima de ônibus e outras ações violentas. Esses crimes eram executados por meio dessa comunicação exercida por intermédio de advogados.
O advogado Hugo Nunes, que faz a defesa da advogada Márcia Borlini, afirmou que a prisão ocorrida na tarde desta quinta-feira (15) é ilegal. “A prisão domiciliar foi conseguida por intermédio de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que o presídio feminino do Estado, em Bubu, Cariacica, é inadequado para a prisão de advogadas, que têm direito a celas de Estado Maior, o que não existe no Espírito Santo”, explicou.
De acordo com Nunes, no presídio feminino as advogadas ficam em uma cela do regime semiaberto, na galeria com as demais presas. “Uma situação em que correm risco de vida, uma condição indigna, porque prestamos serviço para a sociedade”, destacou.
Ele informou que já está providenciando um pedido de habeas corpus para retirar a advogada do presídio. “O Tribunal de Justiça do Estado já reconheceu a inadequabilidade do presídio. E faremos uma reclamação ao STJ sobre a ilegalidade praticada pelos juízes de primeira instância de Guarapari. A doutora Márcia não possui nenhuma sentença com trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos — e é ré primária. Vamos tomar providências para ser feita a Justiça”, assinalou.
Avaliou ainda que não há provas na Operação Armistício contra a Márcia. “O que acontece no Espírito Santo é uma verdadeira perseguição aos advogados, porque o Judiciário capixaba está utilizando da prisão preventiva como punição aos advogados, antecipando pena condenatória”, explicou.
O advogado Selso Ricardo Damacena, que faz a defesa de Joyce da Silva Boroto, aponta ilegalidades na Operação Vade Mecum, realizada pela Denarc de Guarapari, e por isso avalia que a condenação dela é ilegal.
“Aquela operação foi ilegal, não obedeceu aos ditames legais. Houve um flagrante preparado, de um agente penitenciário que cometeu o crime de tráfico de drogas. Uma ilegalidade também da Promotoria de Justiça por não ter denunciado o agente penitenciário por corrupção ativo e ainda trafico”, destacou.
Ele adiantou que está preparando recursos contra a sentença de condenação. “Vamos recorrer contra esta condenação que se baseou em uma operação ilegal, dirigida pelo delegado de Guarapari. Tenho certeza de que iremos absolver a doutora Joyce com recursos em instâncias superiores”, informou.
De acordo com Selso, a advogada Joyce foi liberada da tornozeleira eletrônica e responde ao processo em liberdade.
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