Nas mãos, agulha e linha. Na cabeça, a memória da mãe fazendo crochê. É possível que, com essas poucas palavras, você já comece a criar na mente a imagem de uma pessoa. E se ela fosse, na verdade, um homem em situação de rua? É exatamente essa a história do artesão capixaba Marcos Antônio Alves dos Santos, de 46 anos.
Nascido em Cariacica, ele lembra da boa infância com a avó e conta que começou a trabalhar, ainda adolescente, em uma loja de tecidos no Centro de Vitória. "Depois, acabei mudando de profissão e trabalhando com culinária. Mas, infelizmente, eu dei um passo errado na vida e até hoje estou tentando reverter", admite.
Sentado em uma calçada de Vila Velha, Marcos Antônio chama a atenção das pessoas pela habilidade manual e a história dele chegou aos olhos apurados do fotógrafo Vitor Jubini, de A Gazeta, que entrevistou o artesão. O homem relata que recorreu ao crochê após sofrer com uma crise na vesícula e precisar voltar para a rua.
"Eu trabalhava em lava a jato em troca de algum dinheiro e lugar para ficar, mas como era uma época de chuva, não tinham muitos carros para lavar. O dono já tinha funcionários e eu passei a me sentir um peso morto. Então, eu fui embora e comecei a catar latinha, mas senti que precisava ir além", lembra.
Após receber o material doado em ato de solidariedade, ele deu ponto atrás de ponto. Surgiram toalhas de mesa, tapetes, bolsas e malhas. "As pessoas passavam por mim, gostavam do meu trabalho e encomendavam. Até estou em dívida com algumas, porque, como não tenho lugar para guardar, as linhas somem e eu preciso correr para repor da mesma cor que elas pediram", relata.
Atencioso, ele comenta sobre os cuidados extras que terá que ter para poder fazer um jogo de sousplat (uma espécie de suporte decorativo para pratos). "Eu pretendo fazer com a linha branca. Então, tenho que estar com as mãos limpas, brilhando, né? Para não sair um trabalho mal feito, sujo", afirma.
Para o futuro, Marcos Antônio espera poder colocar um preço nos trabalhos que faz. "Às vezes, eu passo dias fazendo um tapete grande. Aí passa um carro, pergunta quanto custa e eu falo que é R$ 60, mas ele só tem R$ 30. Com a minha necessidade, eu pego. Queria mesmo é poder colocar preço, como um comércio", aponta.
Durante a entrevista, concedida quase toda em tom esperançoso e, por vezes, até animado, Marcos Antônio consegue até apontar um ponto (quase) positivo do atual contexto. "Tem um lado mais suportável, que é a questão da liberdade. Eu gosto desse pontinho, mesmo que seja falsa essa liberdade e que, às vezes, até me custe caro", opina.
Entretanto, como ele bem disse, não tem lado bom em ser morador de rua. Sobram carências físicas e sentimentais. "O pior lado é a hora em que você precisa fazer necessidades e tomar um banho, porque o alimento até que vem. Já sentimentalmente falando, o que mais pesa é a falta da família", desabafa.
Cheio de saudade, ele parece costurar a esperança a cada ponto de crochê, em busca de um lugar para ficar. "Eu só quero um canto para colocar minhas coisas e deitar. Um banheiro. Essa é a minha necessidade hoje. Não sei até quando vou esperar. Só sei que um dia essa porta vai se abrir", finaliza, confiante.
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