Ao menos três vezes durante a semana a oceanógrafa Even Aguiar, de 26 anos, acorda de madrugada para cair na água salgada de Vitória, praticar canoa havaiana e, de quebra, contemplar o belo amanhecer da Capital. A experiência que já é gratificante ficou ainda mais na última sexta-feira (21), quando ela se deparou com um brilho diferente no mar.
Ao remar na região conhecida como Andorinhas, na altura da Cuva da Jurema, Even percebeu que em certos pontos da água algo brilhava intensamente na cor azul ao menor contato com o remo ou mesmo com o agito das ondas. Pela primeira vez, a oceanógrafa se deparou microrganismos bioluminescentes, que emitem luz similar à das lampadas de LED.
"O dia já estava começando a raiar, mas eu vi uns pontinhos brilhantes em azul. Comecei a remar e passar por vários pontos e a cena se repetia. Como já estava clareando, o efeito visual foi menor. Então esperei anoitecer, voltei para a água por volta das 19h30 e foi quando eu consegui fazer os registros. Quanto mais escuro, melhor fica para ver. Foi a primeira vez que vi isso de perto, não apenas em Vitória, como no Estado, no Brasil. Isso não é comum para nossa região", explicou.
Quando a oceanógrafa afirma que o registro é raro por aqui, ela fala com conhecimento de causa. Even trabalha no monitoramento baleias e golfinhos em um projeto de conservação ambiental e explica que a presença dessas algas minúsculas e irradiantes de luz são mais comuns em outras praias do mundo ou mais para dentro dos oceanos.
"Em 2017, estive na Tailândia e por lá encontrei estes microorganismos. Eles ocorrem também mais para as regiões oceânicas. Especificamente na costa do ES e até do Brasil são poucos registros. Fiquei muito encantada, falei com amigos. No entanto, ficou também uma preocupação, pois pode ser um indício de presença de material orgânico em grande quantidade na água. Pretendo voltar quando passar esta fase da lua vermelha, pois vai dar para ver melhor", pondera a oceanógrafa.
"O fenômeno visto nas fotos (tons azuis semelhantes a uma iluminação de LED) é causado pela presença de microrganismos bioluminescentes, que neste caso, são algas unicelulares. A luz que essas algas emitem é causada por uma reação química. Geralmente, esse mecanismo é usado ou pode ser usado para afastar predadores. A luz só pode ser vista com mais nitidez quando acontece alguma agitação na coluna d’água, a onda quebrando, alguém passando a mão ou remando", explicou.
O efeito de "luz de LED" presenciado pela oceanógrafa também é conhecido por "maré azul", uma clara referência à tonalidade da iluminação gerada pelos microrganismos. O biólogo especializado em biodiversidade marinha, Daniel Motta, explica que esta situação ocorre por uma combinação de fatores e é desencadeado de uma reação química de defesa desses seres microscópicos.
"O fenômeno chamado de 'maré azul' é provocado pela proliferação de algas bioluminescentes chamadas de dinoflagelados, que na sua grande maioria são marinhos, cosmopolitas (encontrados em todo o globo terrestre) e fazem parte do que chamamos de fitoplâncton. A espécie de dinoflagelados Noctiluca scintillans (em itálico), também chamadas de 'lágrima azuis', é a mais conhecida por promover esse fenômeno", conta.
Segundo Motta, essas algas possuem a proteína luciferina, que está presente em todos os seres vivos bioluminescentes, caso do vaga-lume, que emite uma luz mais esverdeada. A bioluminescência acontece quando a enzima luciferase reage com a luciferina, acrescida de oxigênio e ATP (molécula que garante a liberação de energia para as células dos seres vivos). Com a perturbação da água por ondas, correntes marítimas e até mesmo uma agitação na água provocada pelo remo (vide foto), essas algas emitem luz como resposta para afugentar possíveis perigos, como, por exemplo, predadores.
O que parece bonito aos olhos pode não ser ao ecossistema local. Segundo o biólogo, a presença destes pequenos seres vivos na região indica que a pode existir muita matéria orgânica, que pode ser proveniente do despejo de esgoto. Nestas condições, a proliferação das algas é intensa e pode provocar um outro efeito na água.
"Os dinoflagelados são potenciais produtores de toxinas. Estas, inibem o crescimento e a reprodução de outros organismos aquáticos. Em abundância, eles são um dos causadores a chamada 'maré vermelha'. Tal fenômeno ocorre pelo aumento de nutrientes na água, ou pela mudança da salinidade e/ou temperatura. Com o aumento excessivo dessas algas, a água é privada de oxigênio, criando as chamadas zonas mortas", salienta o biólogo.
Ainda segundo o especialista, dependendo da intensidade da maré azul, estas são registradas até mesmo em imagens captadas por satélites na órbita da Terra. Este detalhamento é utilizado no monitoramento e pesquisas sobre o tema em todo o mundo.
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