Dentre dez vacinas contra o novo coronavírus, cujo desenvolvimento está mais avançado, três se destacam com chances maiores de estarem disponíveis já no próximo ano. São elas: a chinesa CoronaVac, a AstraZeneca e a americana Pfizer. Mas o acesso a elas passa pelo desafio de superar a polarização política para chegar à população, como pondera a epidemiologista Ethel Maciel.
A pós-doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito santo (Ufes) explica que a CoronaVac é a que está mais avançada e com mais chances de chegar rapidamente ao mercado. Porém, é também a que enfrenta mais resistência por parte do governo federal. Já há até negociações diretas, com governadores e secretários de Saúde do País cogitando a possibilidade de se unirem em um consórcio para financiar e distribuir a CoronaVac, assim que houver aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É a alternativa diante da possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro ignorar a vacina contra a Covid-19.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou que as primeiras 120 mil doses da Coronavac chegarão no dia 20 de novembro ao estado paulista. E que, até o dia 30 de dezembro, é esperado um total de 6 milhões de doses do imunizante utilizado contra o novo coronavírus. Mas a aplicação das doses dependerá da aprovação Anvisa.
Uma briga política que pode impedir o acesso ao imunizante, que passará a ser produzida pelo paulista Instituto Butantan. Outros países da América do Sul já manifestaram vontade em comprar a produção, caso não haja interesse nacional. O que será muito ruim, a vacina ser produzida no Brasil e seguir para outro país, observa Ethel.
Nesta segunda-feira (9) à noite, poucas horas depois do anúncio do Dória, a Anvisa determinou a interrupção dos estudos clínicos da Coronavac, informando sobre efeito adverso. O Instituto Butantan declarou ter sido surpreendido com a decisão da agência federal, e que vai apurar com detalhes o que ocorreu.
Outro problema, destaca a epidemiologista, é a possibilidade de os Estados começarem a fechar acordos separadamente para a compra da vacina. Não é bom que haja acordos para que as vacinas sigam para alguns lugares específicos, acordos que não entrariam via programa nacional de imunização. É uma situação ruim para a estratégia dentro de uma pandemia, argumenta.
A segunda vacina cujo desenvolvimento está mais avançado é a AstraZeneca, que informou uma possibilidade de produção até abril do próximo ano de 40 milhões de doses, e até o final de 2021, de outras 60 milhões. Com ela, daria para vacinar em torno de 50 milhões de pessoas, considerando as duas doses necessárias. Estudos da fase 3 estão sendo finalizados, mas a Fiocruz teria capacidade de ter esta produção, relata Ethel.
E há ainda a vacina americana da Pfizer, cujo laboratório também anunciou a entrada na fase final e que seu imunizante tem 90% de eficácia. A empresa tem um acordo com o governo americano para as primeiras 100 milhões de doses, que devem ficar prontas até o final deste ano, mas já adiantou que sua produção poderá chegar a 1,3 bilhão de doses até o final de 2021.
Mas aqui, novamente, entra o desafio político. Em entrevista para a Revista Veja, Carlos Murillo, CEO da Pfizer Brasil, informou que foi feita uma proposta para o governo brasileiro de venda de doses, mas não houve acordo. Nós nunca recebemos uma resposta formal do governo brasileiro, nem pelo sim nem pelo não, disse à revista, informando ainda que foi enviada uma carta ao presidente Jair Bolsonaro, mas não houve resposta. E o prazo dado ao Brasil já venceu.
O Espírito Santo é um dos estados que está negociando a compra da vacina, diretamente, com o laboratório americano. Em nota, no último mês de outubro, a Pfizer Brasil informou: "A Pfizer está em conversas com diversos Estados, incluindo o Espírito Santo, para avaliar possíveis parcerias para um futuro fornecimento de sua vacina contra a Covid-19, a depender da aprovação regulatória da mesma".
No final, como a quantidade de doses a ser produzida e vendida por cada laboratório, individualmente, não será suficiente para toda a população, é provável que uma das estratégias seja utilizar uma combinação de várias vacinas para a imunização no país, observa Ethel. É possível que se tenha que fazer combinações de vacinas por Estados, o que já é feito hoje com outras imunizações e não seria problema. É um tempo curto para produzir muitas doses, destaca.
Outra dificuldade será a distribuição das vacinas pelo país. Embora o programa de imunização já tenha a experiência, é preciso superar novos desafios. Um deles vem do fato de que uma das vacinas, a da Pfizer, precisa de uma refrigeração superior a 60 graus negativos. Vamos precisar de equipamentos mais potentes que hoje estão presentes, em sua maioria, nos laboratórios centrais. Mas não é a realidade nos pontos mais distantes dos municípios, constata Ethel.
E há ainda circunstâncias, como a que ocorreu com o Amapá, que ficou por um longo período sem energia. É preciso que haja um olhar para esta rede de frios, saber se possuem equipamentos adequados até para suportar uma situação como a do Amapá, observa.
Em sua entrevista para a Revista Veja, o CEO da Pizer no Brasil informa que o laboratório está trabalhando também na produção de uma embalagem para a vacina. Uma caixa especial que a manteria na temperatura adequada por 15 dias. Após esse período, é possível trocar apenas o gelo seco dessa embalagem e o armazenamento está garantido por mais 15 dias. A embalagem permitiria fazer essa manobra três vezes.
O executivo diz ainda que a vacina tem estabilidade de pelo menos 5 dias em condições normais de refrigeração, disponível no Brasil graças ao Programa Nacional de Vacinação.
1 - CORONAVAC - Desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac Biotech, ela também será produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo. Segundo a epidemiologista Ethel Maciel, dentre as três vacinas, ela é considerada a mais conservadora por adotar uma tecnologia que já é utilizada em todas as outras. Usa a técnica de vírus atenuado, presente em imunizantes conhecidos, como a da febre amarela, da rubéola, dentre outras. Ethel lembra que o Butantan, que já produz hoje 70% das vacinas do programa nacional de imunização, incumbiu-se da produção da CoronaVac ao assumir a transferência de tecnologia.
2 - PFIZER - Desenvolvida em conjunto com a alemã BioNTech, ela é considerada a mais tecnológica de todas as vacinas no mercado, ao utilizar uma técnica inédita nas imunizações, baseada em RNA. Em contato com o nosso organismo, ela vai estimular produção de proteínas que vão ajudar na luta contra a Covid-19, explica Ethel. Uma vacina que há dez anos não seria possível fazer. É uma biotecnologia, desenvolvida nos últimos anos e que permitiram vários avanços, incluindo o desenvolvimento deste tipo de vacina, relata. Outra conquista, lembra Ethel, é que a sua nova tecnologia permitirá a descoberta de outras vacinas, contra outras doenças que ainda não contam com imunização, como o HIV, e que não foi possível até agora com a tecnologia mais conservadora. Na ciência, já estamos acostumados com isto: pesquisa para uma coisa e o conhecimento é utilizado para outra doença. Acredito que esta nova tecnologia vai abrir um novo horizonte contra outras doenças, observa.
3 - ASTRAZENECA - Desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com a multinacional farmacêutica. No Brasil, a Fiocruz assinou o acordo para obter a transferência de tecnologia. Ela utiliza o chamado vetor viral, um adenovírus, que, de uma forma simplificada, apresenta para o sistema imunológico o coronavírus, para que este possa dar uma resposta para combater a doença. Segundo Ethel, é uma técnica nova, que já vinha sendo estudada para outras patologias.
De nenhuma das vacinas foi apresentado os resultados finais da fase 3 de testes. Só temos os anúncios, como o da Pfizer, informando quais os resultados e que estão enviando para análise do FDA (a Anvisa americana). Precisamos aguardar os resultados serem entregues e publicados para termos mais elementos, explica Ethel.
Ao todo, segundo a epidemiologista, mais de 200 vacinas estão sendo desenvolvidas no mundo. Dez estão em fase mais acelerada. Além das três citadas, há ainda a vacina russa chamada de Sputnik V e está em desenvolvimento pelo Instituto de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya. Ela utiliza a tecnologia de vetor viral, em que outro tipo de vírus é modificado e utilizado para transportar informações genéticas do novo coronavírus. Esta vacina ainda passa pela finalização da fase 2 de testes.
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