Depois de 24 anos recebendo cuidado e carinho da equipe do Hospital da Polícia Militar (HPM) ‘Clarinha’, como ficou conhecida a mulher sem registro oficial atropelada em 2000, morreu na noite desta quinta-feira (14). Ela passou mal ainda pela manhã e teve uma broncoaspiração. Apesar dos esforços da equipe médica, ela não resistiu.
A informação e confirmação da morte foi comunicada pelo médico que cuidou da paciente e sempre esteve ao lado dela nestas mais de duas décadas, o coronel Jorge Potratz. Emocionado, ele falou sobre a tristeza de não ter resolvido o "mistério de Clarinha" e não ter conseguido encontrar a família para oferecer esse encontro.
“É muito triste ter esse desfecho, mas temos que lembrar que Deus tem um propósito. Em um futuro vou entender tudo isso. Tentamos tornar a vida dela, que é tão difícil, com mais dignidade. É triste esse fim”, enfatizou.
Atropelada no Dia dos Namorados, em 12 de junho de 2000, sem portar qualquer documento de identificação, o caso ganhou repercussão após uma reportagem do Fantástico, exibida no ano 2016, em que um jornalista do Paraná procurou o coronel Potratz para informar que conhecia uma família que poderia ser a da paciente.
Como não tem documentos oficiais, o corpo de Clarinha pode ser sepultada como ‘indigente’ após passar pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO). Entretanto, a "família" formada pela equipe médica do HPM vai atuar para evitar essa situação e possibilitar um sepultamento digno a quem por anos recebeu uma atenção especial de todos eles.
Assim como buscaram dar uma vida digna e respeitosa a ela ao longo dos anos, agora luta é por um enterro ‘’humano’’. Ainda não há uma definição do que será feito, mas os planos são não deixar-lá ser enterrada em um lugar qualquer.
O mistério que se manteve há mais de duas décadas no Espírito Santo quase foi solucionado em 2021. Isso porque a identidade de "Clarinha" esteve ligada a um possível rapto de uma criança em Guarapari no final dos anos 70. Porém, as investigações concluíram que ela não era o bebê que sumiu naquela época.
A conclusão se baseou em análises comparativas dos perfis genéticos da Clarinha e dos pais da criança sequestrada. A família é de Minas Gerais, mas passava férias no litoral capixaba quando houve o sequestro.
Desde que Clarinha chegou ao hospital, sem documento de identificação, várias tentativas de localizar familiares já foram feitas. Pessoas de diversas partes do país, sobre as quais havia indícios de parentesco, submeteram-se a exames de DNA.
O caso ganhou mais repercussão após uma reportagem do Fantástico, em 2016, e 102 famílias procuraram o MPES tentando identificar Clarinha como uma possível parente desaparecida. Desse total, 22 casos chamaram mais atenção, pelas fotos ou pela similaridade dos dados próximos ao perfil da mulher internada.
Depois de uma triagem mais detalhada, aponta o MPES, quatro casos foram descartados, devido à incompatibilidade de informações ou pelo fato de as pessoas procuradas já terem sido encontradas. O Ministério Público dividiu as 18 pessoas restantes em dois grupos para a realização dos exames de DNA. No entanto, os resultados mostraram-se incompatíveis para traços familiares.
A mulher identificada como "Clarinha" foi atropelada no dia 12 de junho de 2000 quando, segundo testemunhas, fugia de um perseguidor. Ela correu para o meio de uma avenida movimentada no Centro de Vitória e foi atingida por um ônibus. Socorrida, foi levada para o Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE) São Lucas, no qual foi submetida a diversas cirurgias.
Contudo, ela nunca se recuperou do trauma e está em como profundo desde o acidente. Sem documento de identidade e digitais desgastadas, não foi possível localizar um parente. Nem mesmo as testemunhas do atropelamento souberam informar de quem se tratava aquela jovem na época. Clarinha foi transferida para o HPM, hospital em que permanece internada. Inclusive, foi no local, que recebeu o apelido da equipe de saúde que a acompanha.
Clarinha tem marcas de cesárea, o que indica que já teve filho. Pelas estimativas dos profissionais, ela deve ter pouco mais de 40 anos, idade que seria compatível à da criança sequestrada em 1976.
O MPES passou a atuar no caso a partir de demanda recebida do HPM, que pediu a ajuda para identificar Clarinha e seus familiares. A procuradora de Justiça Edwirges Dias, que na época atuava como promotora de Justiça Cível de Vitória, expediu ofícios para diversas instituições públicas que integraram uma campanha para saber quem é “Clarinha”.
"Posteriormente, a demanda foi encaminhada ao Grupo Especial de Trabalho Social (Getso) do MPES. Coordenado pela promotora de Justiça Arlinda Maria Barros Monjardim, o Getso atuou em diversas frentes, expedindo ofícios, fazendo diligências e cobrando perícias. Foram divulgadas informações do caso em veículos de comunicação locais e nacionais. Buscou-se ainda auxílio junto a outros Ministérios Públicos, em bancos de dados de pessoas desaparecidas, em delegacias e junto a registros da Polícia Federal", pontua a nota do Ministério Público.
Mesmo com a extinção do grupo especial, a promotora Arlinda Maria, atuando como 28ª promotora de Justiça Cível de Vitória, mantém os trabalhos de investigação.
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