Sem fé e perspectiva em muitos momentos da vida, a agora estudante Dayana Mary Umbelino, de 32 anos, que morou por mais de uma década nas ruas de Vitória, conquistou algo que julgava impossível: ela passou em primeiro lugar no curso Técnico em Segurança do Trabalho, do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).
Ex-usuária de drogas e vítima de violência doméstica, Dayana nasceu no Rio de Janeiro, mas veio para o Espírito Santo aos 16 anos. Ficou em situação de rua no Estado entre 2006 e 2021, apesar das diversas tentativas da família de ajudá-la durante o período.
"Virei moradora de rua, me afundei nas drogas e fiquei em um relacionamento abusivo de nove anos. Apanhei muito. Até cheguei a pensar em roubar, por causa do vício. Com o tempo, foi ficando cada vez mais difícil. Eu andava urinada, defecada, e não ligava mais para a vida", relembrou.
Até que ela decidiu que era a hora de pôr um fim em tanto sofrimento. Com a ajuda dos funcionários do Centro de Referência Especializado da Assistência Social Para População em Situação de Rua (Centro Pop), da Prefeitura de Vitória, Dayana largou o ex-marido, saiu das ruas e partiu em busca de se tornar psicóloga, um dos seus maiores sonhos.
"Nós recebemos com muita alegria a notícia de que Dayana e outras duas pessoas, usuários do Centro Pop, tinham sido aprovadas no Ifes neste ano.
A Dayana esteve, por muito tempo, em situação de rua. Ela é originária do Rio de Janeiro. Tem uma história de vida com muitas violações de direito. Veio para Vitória e, em determinado momento, ela aceita o convite da equipe de abordagem para estar no Centro Pop.
A partir daí, ela começa a ser atendida, ter atendimento jurídico, fazer suas refeições no espaço, criar uma vinculação com a equipe e também volta a estudar. Dentro do Centro Pop, existe a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é uma parceria com a Secretaria de Educação do município.
O caso da Dayana é um caso de sucesso e a gente torce muito por ela. É um motivo de muita alegria. Ela mostrou como histórias de vida podem ser reescritas e como as pessoas precisam de oportunidades"
Em 2020, ela foi encorajada a se matricular no Ensino de Jovens e Adultos (Eja) e começou a estudar, após ficar mais de duas décadas fora da sala de aula. "Mas eu nunca acreditei que fosse conseguir tirar algum aproveito", afirmou.
Após dois anos de preparação, Dayana recebeu a notícia de que tinha passado em primeiro lugar no processo seletivo, em novembro de 2022. As aulas vão começar em fevereiro do ano que vem. Embora ainda não seja no curso que tanto sonhou, ela acredita que é o início de um longo caminho a ser trilhado.
"Foi a melhor notícia da minha vida, saber que estou chegando onde quero. Imagine ser aprovada depois de tudo o que passei – ainda mais em primeiro lugar. Fui lá [no Ifes] uma vez. Conheci as salas, algumas pessoas. Fiquei encantada. Não acreditava que um dia pudesse estar ali de verdade. Agora, quero conhecer minha turma, tudo por lá. Vou estudar bastante", frisou.
As dificuldades em parar de usar drogas e os traumas acompanham Dayana desde a infância. Com apenas 10 anos, ainda no Estado carioca, ela teve o primeiro contato com o loló. A partir dali, também usou heroína e crack. A mãe e o padastro tentaram tirá-la do vício, o que acabou gerando um desentendimento na família e ela foi viver nas ruas.
"Enquanto estava vivendo fora de um teto, sempre passava na frente do Centro Pop e a psicóloga ficava me chamando para ir para lá. Ela me via usando droga na frente de todo mundo e, mesmo assim, não desistiu de mim. Depois de 23 anos usando crack, decidi parar. Eles me acolheram muito", afirmou.
De acordo com Dayana, além do medo, ela ainda precisava lidar com a constante insegurança. O tratamento com a estudante, conforme conta, chegava a ser até de repulsa por algumas pessoas. "Me batiam, me humilhavam, não me davam comida. Eu sentia fome, sede", relembra.
No último dia 12 de dezembro, um dia antes de conversar com a reportagem de A Gazeta, Dayana completou um ano e 10 meses longe das drogas. Em busca de um emprego e uma vida melhor para ela e o novo companheiro, a estudante acredita que a fé tem lhe mantido disposta a seguir em frente.
Hoje, ela mora na Ilha do Príncipe, também na Capital, e procura por um emprego para complementar a renda da família. Conseguiu ainda retomar os laços com a mãe e os irmãos, que estão no Espírito Santo para ficar perto dela.
"Depois que entrar na faculdade e me formar como psicóloga, não quero ter uma clínica particular, essas coisas. O meu desejo mesmo é apoiar pessoas em situação de rua, para eles verem que no final do túnel tem esperança. É difícil, mas não é impossível", frisou.
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